Muitas vezes acontece de fracassarmos na realização de objetivos imediatos e, nessa busca, os acontecimentos nos levam a caminhos inusitados, como se houvesse um roteiro preparado para que o trilhássemos. Esta é uma idéia que me acorre quando penso na história dos pescadores Domingos Garcia, Filipe Pedroso e João Alves, que num dia de outubro de 1717 lançavam sua rede de pesca no Rio Paraíba do Sul. Muitas tentativas e nenhum peixe, a pescaria era um fracasso. Mas, eis que João Alves lançou a rede e nas suas malhas veio presa uma pequena imagem, um corpo sem a cabeça. Lançada novamente, a rede apanhou a cabeça da imagem, identificada como Nossa Senhora da Conceição. O relato histórico assinala que, daí em diante, a pesca foi abundante, mas isto não importa, porque o que eles realmente pescaram transcendeu para muito além dos seus objetivos.
É provável que aquela imagem tenha sido descartada por alguém, justamente porque ela havia se partido, assim como fazemos com os objetos que a nosso juízo perderam o seu valor.
Porém, os humildes pescadores não identificaram um objeto rejeitado, mas um sinal divino e a manifestação de um milagre. Naquele momento, eles poderiam tê-lo devolvido às águas, mas as suas mãos o seguraram com a força da fé: ali estava a imagem da mãe de Jesus, com todo o poder espiritual que ela simboliza para os crentes, que se entregava partida, como se pedisse proteção e carinho! (Ao lado, uma foto da imagem, feita em 1924.)
Eis a manifestação do poder da fé: justamente na hora em que parece estarmos fracassando em nossos objetivos é quando mais dele precisamos, justamente para descobrir o significado transcendental de nossas vidas, perceber, enxergar além dos objetivos imediatos que nos toldam a visão.
A história que se passou depois é, de maneira geral, conhecida do povo brasileiro: relatos de milagre, de devoção e do carinho especial que sentimos por esta santa brasileira. Sim, é como se a mãe de Jesus tivesse renascido em nossas águas, cidadã brasileira, e assumido a proteção do Brasil. De tal modo se tornou brasileira que adquiriu uma cor morena, acanelada, resultado da picumã de velas e candeeiros dos devotos que oravam a seus pés. E existe também a história que poucos conhecem: a imagem simples foi coroada de ouro pela Princesa Isabel, vestida com um manto luxuoso com o advento da República e destruída por um fanático de uma seita religiosa hostil, em 1978. O que se tem hoje é resultado de um trabalho de recuperação de uma artista plástica.
Há muito tempo eu desejava conhecer o Santuário de Aparecida, não porque acho importante estar diante de uma imagem, mas para estar presente naquele local de peregrinação, que fascina e atrai tanta gente em busca de esperança e consolo. Um lugar assim não é um lugar qualquer! Então, como brasileiro, cristão, no dizer do compositor Renato Teixeira, “como não sei rezar, só queria mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar”.
A imponência da Basílica realmente impressiona, com sua torre de 100 m e uma cúpula de 70 m de altura. Se considerarmos que ela comporta 75 mil pessoas (às vezes este número é superado!), a altura não é exagerada, porque o calor produzido pela multidão leva algumas pessoas ao desmaio.
Visitei o Santuário de Aparecida neste Natal, junto com minha filha Helga e o Juan, seu marido, porque sabia que seria uma visita tranquila.
É um espaço bonito, mas despojado; não há luxos ou ostentações, tudo muito simples, sóbrio e moderno. Mas o que interessa a todo visitante é exatamente estar de frente à imagem que inflama o imaginário e a fé dos brasileiros. Percorri as quatro naves que formam o corpo da Basílica, dispostas como uma cruz grega em torno da cúpula central. Um enorme crucifixo pende no ar, no centro exato da estrutura, sustentado por cabos presos na cúpula. De maneira diferente do comum das igrejas católicas, não há imagens de santos ao longo das paredes. Por fim, meu olhar foi atraído por um pequeno círculo dourado ao fundo e, somente quando estava bem próximo, pude perceber que se tratava da imagem de N. S. Aparecida, colocada em um pavimento superior.
O contraste entre a Basílica e a imagem de devoção é enorme: enquanto a cúpula se ergue a 70 m, a imagem tem apenas 40 cm de altura. Colocada em um nicho na parede, protegido por vidro especial, é o contraste entre o minúsculo e o colossal.
Nos poucos minutos em que lá estive, à parte meu agradecimento e pedido de proteção, passou no meu pensamento o significado e a importância da mãe de Jesus para a cristandade. Uma mulher humilde que soube cumprir a enorme responsabilidade a ela destinada e que passou por uma terrível prova e um sofrimento indescritível: ver seu filho torturado e morto de maneira ignominiosa e ainda assim bendizer a Deus. Um espírito iluminado, que compreende nossas dores, mesmo que sejam incomparavelmente menores do que aquelas que suportou neste mundo. Nas minhas conjecturas há um simbolismo nisto tudo: a imagem colocada ao fundo, seu tamanho minúsculo, sua cor morena, seu resgate das águas, sua sobrevivência ao atentado e a serena humildade que dela irradia.
Nossa Senhora Aparecida é mesmo uma Santa Brasileira!
(Por uma Graça alcançada, Nossa Senhora, Mãe de Jesus, aceita o meu preito de gratidão!)
Marcadores: aparecida; espiritualidade; nossa senhora; religião; santuário; fé.
Blog do Professor Márcio
Seja bem vindo. Gosto de compartilhar ideias e sua visita é uma contribuição para isto. Volte sempre!
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
sábado, 19 de dezembro de 2009
Viver bem
“A coisa mais fácil do mundo é encontrar diferenças. Difícil é harmonizá-las.
É indispensável fazer com que cada dia de nossa vida tenha um sentido. E que nosso trabalho tenha um propósito dignificante para cada um de nós. É sempre possível mudar. Mas vencer emoções e pensamentos negativos requer disciplina e tempo. Comece agora.”
Dalai Lama
É indispensável fazer com que cada dia de nossa vida tenha um sentido. E que nosso trabalho tenha um propósito dignificante para cada um de nós. É sempre possível mudar. Mas vencer emoções e pensamentos negativos requer disciplina e tempo. Comece agora.”
Dalai Lama
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
A Busca da Felicidade - O Caminho do Meio (4ª Parte)
"
Iniciamos nosso estudo com a constatação da existência do sofrimento e da insatisfação devido à desarmonia entre o eu pessoal condicionado e o mundo real não-condicionado, encontramos sua causa no desejo ou ambição e vimos que é possível promover a cessação do sofrimento e da insatisfatoriedade pela erradicação do desejo. Mas, qual o caminho, qual o método para conseguir este objetivo?
Tendo experimentado os extremos do prazer e do sofrimento físicos e reconhecendo a inutilidade deles, Buda descobriu por experiência própria o Caminho do Meio que condensa o espírito da moral budista, conhecido como Caminho Óctuplo. São oito atitudes que devem ser seguidas no dia-a-dia, instrumentos práticos para uma vida equilibrada, poderosas forças morais e mentais, e não há nelas nada de místico. A finalidade destes oito fatores é facilitar o aperfeiçoamento dos três elementos essenciais no treinamento da disciplina budista, que são: Conduta ética: Moralidade; Disciplina mental: Concentração e Meditação e Introspecção: Sabedoria.
A “Conduta Ética: Moralidade” é baseada na ampla concepção de amor universal e compaixão para com todos os seres; não somente os humanos, mas todos os seres vivos. Para desenvolvê-la são necessárias três atitudes: Palavra Correta, Ação Correta e Meio de Vida Correto.
1°) PALAVRA CORRETA, ou linguagem pura, é a que traduz honestidade, verdade, paz, carinho; que é cortês, agradável, benéfica, útil, moderada e sensível. Você deve apenas falar a verdade e fomentar conversas que causem harmonia e progresso. Deve conversar produtivamente, usando palavras leves, elogiosas e construtivas. Significa abstenção das mentiras, difamação, calúnia e de todas as palavras capazes de provocar ódio, inimizade, desunião e desarmonia entre indivíduos ou grupos sociais. A palavra correta é dirigida pelo pensamento correto e ação correta.
"Melhor que mil palavras sem sentido, é uma só palavra sensata, capaz de trazer paz àquele que a ouve." (Dhammapada 100.)
2.°) AÇÃO CORRETA, ou conduta pura, tem por fim cultivar uma conduta moral honrada e pacífica e ajudar os outros na mesma finalidade. Suas ações devem preservar os seres vivos - homens, animais e vegetais. Você deve pegar apenas aquilo que lhe pertence. Deve ser fiel ao companheiro amoroso. Deve ingerir apenas alimentos e bebidas que façam bem à sua saúde e não fazer uso de tóxicos que perturbam a mente, ou fazem perder a consciência. A ação correta é dirigida pelo pensamento correto.
3.°) MEIO DE VIDA CORRETO, ou meios de existência puros, conduzem o indivíduo à aquisição do bem-estar material e espiritual próprio, ajudando os demais na mesma finalidade. Significa que se deverá evitar ganhar a vida numa profissão ou ocupação que possa ser nociva a outros seres vivos, sejam homens ou animais. O meio de vida correto é dirigido pelo pensamento correto.
Quaisquer sistemas de moral e ética estão enquadrados nesses três aspectos: palavra correta, ação correta e meio de vida correto. Sem esses três fatores, nenhum desenvolvimento espiritual será possível.
A “Disciplina Mental: Concentração” compreende os três seguintes fatores do Caminho Óctuplo: Esforço Correto, Plena Atenção ou Vigilância Correta e Concentração Correta, por meio dos quais se alcança o desenvolvimento mental e a visão interior (intuitiva).
4.°) ESFORÇO CORRETO, ou aplicação pura, é a arma que possuímos para enfrentar corretamente a luta contra o mal. Consta do seguinte: esforço de evitar e destruir os pensamentos negativos já existentes; enérgica vontade de impedir o aparecimento de pensamentos maus e nocivos; fazer surgir pensamentos bons e sadios ainda não existentes e cultivá-los até à perfeição.
5.°) PLENA ATENÇÃO CORRETA, ou Vigilância Correta, consiste numa atenção vigilante com tomada de consciência nas atividades do corpo, nas sensações, nos diferentes estados da mente (nas idéias, pensamentos, etc.), e na investigação da Doutrina (Verdade sobre o nosso ser). A Plena Atenção mental correta é a vigia da mente, que está sempre observando, porque a mente, por si só, vagueia a todo instante.
6.°) CONCENTRAÇÃO CORRETA é a condição indispensável para todo e qualquer desenvolvimento espiritual. Nossa mente está constantemente dispersa; quando concentrada num objetivo único, ela se torna poderosa e com isso desenvolve a sabedoria interior. Desenvolver a concentração requer que você abra mão do desejo passional e egoísta pelos prazeres sensual e material. Que cultive a alegria, a tranquilidade e o amor. Que se mantenha ativo, disposto, relaxado e despreocupado, certo do seu objetivo de vida.
A “Introspecção: Sabedoria” consta dos dois fatores restantes: o Pensamento Correto e a Correta Compreensão.
7.°) PENSAMENTO CORRETO, ou pensamento puro, é o correto pensar com sabedoria, com equanimidade e contemplação. Ele vem das ações meritórias e deve ser mantido em nossa mente o máximo de tempo possível. É o pensamento dirigido no sentido da renúncia, do desapego, da compaixão, do amor universal, da não-violência, estendendo-se a todos os seres vivos. Desenvolvendo estas qualidades, eliminamos todo pensamento egoísta de apego, má vontade, ódio, violência ou crueldade, seja de ordem individual, social ou política, que é fruto da ignorância. O pensamento correto não aparece quando existem pensamentos ligados aos apegos dos sentidos.
8.°) CORRETA COMPREENSÃO é a compreensão que, pela contemplação pura, permite reconhecer e penetrar na realidade da existência da insatisfação universal, criada pela desarmonia entre os seres e o mundo exterior. A compreensão verdadeiramente profunda consiste em ver uma coisa em sua verdadeira natureza, sem nome ou rótulo. Esta "penetração" só é possível quando a mente está livre de toda impureza e quando completamente desenvolvida na prática da meditação.
Como se viu, aqui foi apresentado um modo de vida que pode ser seguido, praticado e desenvolvido por qualquer indivíduo, através da disciplina do corpo, da palavra e da mente. Isto nada tem a ver com crenças, orações, adorações, ou cerimônias. Neste sentido, o Caminho do Meio não é uma religião; é um caminho que conduz à compreensão da realidade, à liberdade, à felicidade e à paz, mediante a perfeição moral, intelectual e espiritual.
Durante quarenta e cinco anos o Buda repetiu: "O meu ensinamento é sobre o sofrimento e sua transformação".
A semente do sofrimento dentro de você pode ser muito forte, mas não espere o sofrimento terminar para permitir-se ser feliz. Somos resultado daquilo que pensamos, por isso é perigoso manter pensamentos negativos. Nossas atitudes positivas quase sempre são seguidas por outras negativas: após o “sim”, nossa mente expressa o “mas”, duvidando de nossa capacidade de realização.
Seguindo o Caminho do Meio, adquirimos confiança e poder, tomando decisões equilibradas e firmes. A decisão firme elimina a negatividade automaticamente e transforma a escuridão em luz. Por isso, escutar os ensinamentos de um Mestre é tão precioso, porque expressa nossa decisão de aprender e de querer mudar.
Concluímos aqui mais uma etapa de nossa "Busca da Felicidade", compreendendo o aspecto impermanente de todas as coisas, a causa do sofrimento e o modo de extinguí-lo. Para finalizar nossa busca, citaremos uma frase de Buda que poderia resumir aquilo que aprendemos:
- Os dons são grandes; as meditações e exercícios religiosos pacificam a mente; a compreensão da grande verdade leva ao Nirvana; mas, maior que tudo é a gentileza amorosa.
Com certeza nos enriquecemos com os valiosos ensinamentos de Gautama Buda e estamos prontos para continuar nossa busca através dos ensinamentos de outro Grande Mestre: Jesus. Será nossa próxima postagem.
Os conceitos budistas aqui expressados foram extraídos de:
- SILVA, Georges da & HOMENKO, Rita. Budismo: Psicologia do Autoconhecimento. São Paulo: Ed. Pensamento, 1990.
Tudo o que somos é resultado do que temos pensado (criação mental). Se um homem fala ou age com uma mente impura, o sofrimento acompanha-o tão perto como a roda segue a pata do boi que puxa o carro.
Se o homem fala ou age com a mente pura, a felicidade o acompanha como sua sombra inseparável." (Dhammapada 1-2.)
Iniciamos nosso estudo com a constatação da existência do sofrimento e da insatisfação devido à desarmonia entre o eu pessoal condicionado e o mundo real não-condicionado, encontramos sua causa no desejo ou ambição e vimos que é possível promover a cessação do sofrimento e da insatisfatoriedade pela erradicação do desejo. Mas, qual o caminho, qual o método para conseguir este objetivo?
Tendo experimentado os extremos do prazer e do sofrimento físicos e reconhecendo a inutilidade deles, Buda descobriu por experiência própria o Caminho do Meio que condensa o espírito da moral budista, conhecido como Caminho Óctuplo. São oito atitudes que devem ser seguidas no dia-a-dia, instrumentos práticos para uma vida equilibrada, poderosas forças morais e mentais, e não há nelas nada de místico. A finalidade destes oito fatores é facilitar o aperfeiçoamento dos três elementos essenciais no treinamento da disciplina budista, que são: Conduta ética: Moralidade; Disciplina mental: Concentração e Meditação e Introspecção: Sabedoria.
A “Conduta Ética: Moralidade” é baseada na ampla concepção de amor universal e compaixão para com todos os seres; não somente os humanos, mas todos os seres vivos. Para desenvolvê-la são necessárias três atitudes: Palavra Correta, Ação Correta e Meio de Vida Correto.
1°) PALAVRA CORRETA, ou linguagem pura, é a que traduz honestidade, verdade, paz, carinho; que é cortês, agradável, benéfica, útil, moderada e sensível. Você deve apenas falar a verdade e fomentar conversas que causem harmonia e progresso. Deve conversar produtivamente, usando palavras leves, elogiosas e construtivas. Significa abstenção das mentiras, difamação, calúnia e de todas as palavras capazes de provocar ódio, inimizade, desunião e desarmonia entre indivíduos ou grupos sociais. A palavra correta é dirigida pelo pensamento correto e ação correta.
"Melhor que mil palavras sem sentido, é uma só palavra sensata, capaz de trazer paz àquele que a ouve." (Dhammapada 100.)
2.°) AÇÃO CORRETA, ou conduta pura, tem por fim cultivar uma conduta moral honrada e pacífica e ajudar os outros na mesma finalidade. Suas ações devem preservar os seres vivos - homens, animais e vegetais. Você deve pegar apenas aquilo que lhe pertence. Deve ser fiel ao companheiro amoroso. Deve ingerir apenas alimentos e bebidas que façam bem à sua saúde e não fazer uso de tóxicos que perturbam a mente, ou fazem perder a consciência. A ação correta é dirigida pelo pensamento correto.
3.°) MEIO DE VIDA CORRETO, ou meios de existência puros, conduzem o indivíduo à aquisição do bem-estar material e espiritual próprio, ajudando os demais na mesma finalidade. Significa que se deverá evitar ganhar a vida numa profissão ou ocupação que possa ser nociva a outros seres vivos, sejam homens ou animais. O meio de vida correto é dirigido pelo pensamento correto.
Quaisquer sistemas de moral e ética estão enquadrados nesses três aspectos: palavra correta, ação correta e meio de vida correto. Sem esses três fatores, nenhum desenvolvimento espiritual será possível.
A “Disciplina Mental: Concentração” compreende os três seguintes fatores do Caminho Óctuplo: Esforço Correto, Plena Atenção ou Vigilância Correta e Concentração Correta, por meio dos quais se alcança o desenvolvimento mental e a visão interior (intuitiva).
4.°) ESFORÇO CORRETO, ou aplicação pura, é a arma que possuímos para enfrentar corretamente a luta contra o mal. Consta do seguinte: esforço de evitar e destruir os pensamentos negativos já existentes; enérgica vontade de impedir o aparecimento de pensamentos maus e nocivos; fazer surgir pensamentos bons e sadios ainda não existentes e cultivá-los até à perfeição.
5.°) PLENA ATENÇÃO CORRETA, ou Vigilância Correta, consiste numa atenção vigilante com tomada de consciência nas atividades do corpo, nas sensações, nos diferentes estados da mente (nas idéias, pensamentos, etc.), e na investigação da Doutrina (Verdade sobre o nosso ser). A Plena Atenção mental correta é a vigia da mente, que está sempre observando, porque a mente, por si só, vagueia a todo instante.
6.°) CONCENTRAÇÃO CORRETA é a condição indispensável para todo e qualquer desenvolvimento espiritual. Nossa mente está constantemente dispersa; quando concentrada num objetivo único, ela se torna poderosa e com isso desenvolve a sabedoria interior. Desenvolver a concentração requer que você abra mão do desejo passional e egoísta pelos prazeres sensual e material. Que cultive a alegria, a tranquilidade e o amor. Que se mantenha ativo, disposto, relaxado e despreocupado, certo do seu objetivo de vida.
A “Introspecção: Sabedoria” consta dos dois fatores restantes: o Pensamento Correto e a Correta Compreensão.
7.°) PENSAMENTO CORRETO, ou pensamento puro, é o correto pensar com sabedoria, com equanimidade e contemplação. Ele vem das ações meritórias e deve ser mantido em nossa mente o máximo de tempo possível. É o pensamento dirigido no sentido da renúncia, do desapego, da compaixão, do amor universal, da não-violência, estendendo-se a todos os seres vivos. Desenvolvendo estas qualidades, eliminamos todo pensamento egoísta de apego, má vontade, ódio, violência ou crueldade, seja de ordem individual, social ou política, que é fruto da ignorância. O pensamento correto não aparece quando existem pensamentos ligados aos apegos dos sentidos.
8.°) CORRETA COMPREENSÃO é a compreensão que, pela contemplação pura, permite reconhecer e penetrar na realidade da existência da insatisfação universal, criada pela desarmonia entre os seres e o mundo exterior. A compreensão verdadeiramente profunda consiste em ver uma coisa em sua verdadeira natureza, sem nome ou rótulo. Esta "penetração" só é possível quando a mente está livre de toda impureza e quando completamente desenvolvida na prática da meditação.
Como se viu, aqui foi apresentado um modo de vida que pode ser seguido, praticado e desenvolvido por qualquer indivíduo, através da disciplina do corpo, da palavra e da mente. Isto nada tem a ver com crenças, orações, adorações, ou cerimônias. Neste sentido, o Caminho do Meio não é uma religião; é um caminho que conduz à compreensão da realidade, à liberdade, à felicidade e à paz, mediante a perfeição moral, intelectual e espiritual.
Durante quarenta e cinco anos o Buda repetiu: "O meu ensinamento é sobre o sofrimento e sua transformação".
A semente do sofrimento dentro de você pode ser muito forte, mas não espere o sofrimento terminar para permitir-se ser feliz. Somos resultado daquilo que pensamos, por isso é perigoso manter pensamentos negativos. Nossas atitudes positivas quase sempre são seguidas por outras negativas: após o “sim”, nossa mente expressa o “mas”, duvidando de nossa capacidade de realização.
Seguindo o Caminho do Meio, adquirimos confiança e poder, tomando decisões equilibradas e firmes. A decisão firme elimina a negatividade automaticamente e transforma a escuridão em luz. Por isso, escutar os ensinamentos de um Mestre é tão precioso, porque expressa nossa decisão de aprender e de querer mudar.
Concluímos aqui mais uma etapa de nossa "Busca da Felicidade", compreendendo o aspecto impermanente de todas as coisas, a causa do sofrimento e o modo de extinguí-lo. Para finalizar nossa busca, citaremos uma frase de Buda que poderia resumir aquilo que aprendemos:
- Os dons são grandes; as meditações e exercícios religiosos pacificam a mente; a compreensão da grande verdade leva ao Nirvana; mas, maior que tudo é a gentileza amorosa.
Com certeza nos enriquecemos com os valiosos ensinamentos de Gautama Buda e estamos prontos para continuar nossa busca através dos ensinamentos de outro Grande Mestre: Jesus. Será nossa próxima postagem.
Os conceitos budistas aqui expressados foram extraídos de:
- SILVA, Georges da & HOMENKO, Rita. Budismo: Psicologia do Autoconhecimento. São Paulo: Ed. Pensamento, 1990.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Inhotim
A gente passa anos preso ao nosso estreito mundo, trabalhando como se a vida tivesse que se resumir nisto, quando muito fazendo planos de passear nas férias em alguma praia poluída e superlotada. É, parece que isto é o máximo! Porém, de uns tempos para cá larguei esse sonho besta de mineiro e decidi conhecer o meu Estado natal e cada dia mais me surpreendo com a diversidade e a beleza do interior de Minas Gerais.
Acho que poucos dos meus leitores terão ouvido falar de Inhotim. Interessante, tem gente vindo do exterior para conhecer esse fabuloso local e nós, mineiros, o ignoramos.
Inhotim é um centro de arte contemporânea (vou chamá-lo de parque), idealizado por um empresário milionário – Bernardo Paz – há uns 25 anos. A instituição é privada, mas sem fins lucrativos. Fica a 3 km de Brumadinho e a cerca de 60 km de Belo Horizonte. Localiza-se numa região de mineração, mas tem a sua área rigorosamente cuidada sob o aspecto ecológico, com um projeto botânico-paisagístico sugerido por Roberto Burle Marx incrustado na mata nativa. Ali o meio ambiente convive em interação com a arte, e ambos formam uma base para o desenvolvimento de pesquisa, inovação científica e educação.
Desde que a mídia tem veiculado matérias sobre o lugar e sua arte, milhares de pessoas têm acorrido a Inhotim.
Pasme, no dia da minha visita jogaram Atlético e Cruzeiro, era véspera do Dia da Criança, mas lá deveria haver mais de 10 mil pessoas. Estimo isto pela quantidade de carros estacionados, embora o parque seja tão grande que parecia estar quase vazio.
Na entrada, a gente logo se impressiona com o acervo botânico, especialmente a variedade de palmeiras. Ali está uma das maiores coleções botânicas do mundo, misturando espécies nativas, espécies tropicais raras e uma reserva florestal que faz parte do bioma da Mata Atlântica. Entre as coleções botânicas, destacam-se as de Aráceas (antúrio, copo-de-leite, comigo-ninguém-pode etc.) e a de Orquídeas do tipo Vanda.
A entrada custa R$25,00 (terça e quinta), é gratuita na quarta-feira (exceto feriado), mas vale R$40,00 de sexta a domingo e também nos feriados. A meia-entrada é para crianças de 6 a 12 anos, idosos acima de 60 anos, estudantes
identificados, professores das redes formais pública e privada de ensino
identificados, É baratíssima!
Para ter mais informações sobre visitas consulte http://www.inhotim.org.br/.
Alguém já chamou Inhotim de “um pedacinho do céu”, e não está longe daquilo que muitos imaginam o céu: um lugar prazeroso, que encanta os olhos e amaina o espírito. A recepção dos funcionários é primorosa, os banheiros são do tipo hotel cinco estrelas, existem boas lanchonetes, um restaurante internacional e, se você, precisar, eles lhe oferecem guarda-chuva e carrinho de bebê. Tudo é preparado para que você passe o dia admirando arte e paisagem, pássaros cantando, cisnes nos lagos e se refresque à sombra de frondosas árvores.
As obras de arte contemporânea estão espalhadas em luxuosos e amplos pavilhões, com indicação de cerca de 500 obras de mais de 100 artistas, brasileiros e estrangeiros, promovendo assim livre trânsito entre a arte produzida no Brasil e no exterior. Você não consegue ver todas em um dia. Nós, brasileiros, de modo geral não temos contato com a arte contemporânea, de maneira que elas precisam ser vistas sem pressa, ou você vai achar uma coisa simplesmente sem graça e sem sentido.
Caminhando entre as árvores, você também se deparará com obras expostas a céu aberto. A arte contemporânea não é um produto acabado, ela tenta de alguma maneira interagir com o observador. Dê uma de mineiro, puxe uma palha, coce a cabeça e fique imaginando o que é aquilo à sua frente, ou o que significa aquele bote virado de borco, pendurado no galho de uma árvore.
No momento, a arte que mais atrai visitantes é um furo de sonda de mais de 200 metros, no fundo do qual foram colocados microfones que captam as vibrações sonoras da Terra. Essas vibrações são amplificadas no ambiente e produzem um barulho parecido com aquele dos monges budistas repetindo os seus mantras. Para mim, que sou geólogo, foi como se eu tivesse ouvido a voz do planeta repetindo o seu interminável e poderoso mantra: cuiiiiidemdeeemiiin! Mas vou avisando, talvez você possa se decepcionar: antes de entrar nesse “templo da Terra”, cruzei com três rapazes e um deles dizia: - Nunca vi coisa mais sem graça!
Pois é, ainda não estamos preparados para a arte contemporânea. O conhecimento artístico apóia-se na sensibilidade. Ah, sensibilidade... nem todos nascem com ela; mas podemos desenvolvê-la através da educação. Enquanto vamos engolindo enlatados culturais aqui despejados pelo sistema capitalista, a sensibilidade permanece embotada, brutalizada.
Por isto mesmo Inhotim é importante, pelo seu trabalho sócio-educativo. Ali está a maior coleção de arte contemporânea do mundo e uma das paisagens mais belas do Brasil, simplesmente ali, na nossa Minas Gerais. Fiquei emocionado ao ver tantos pais levando os seus filhos, oferecendo como presente do Dia das Crianças um passeio cultural onde eles podem aprender e expandir seus horizontes.
Inhotim não é um lugar para uma visita solitária, vá com alguém ou com uma turma. Você desfrutará um momento mágico, maravilhoso.
domingo, 1 de novembro de 2009
Coragem
Medo e coragem são como duas faces da mesma moeda, uma não existe sem a outra.
Pessoas normais sempre têm medo, ele permeia a vida em todos os momentos. Enquanto houver ego, sempre haverá medo. Embora nem as pessoas, nem as situações representem, em si, medo, ele pode ser despertado no seu íntimo. Portanto, ele é resultado de uma percepção. Ao ser despertado, o medo contrai as energias do corpo, atraindo exatamente aquilo que tememos.
Observe os seus medos: medo de enfrentar pessoas que você considera superiores ou mais poderosas que você, medo de exprimir os seus sentimentos, de demonstrar emoções, de fracassar, de parecer tolo, de ficar sozinho, medo de errar... Quantas vezes você ficou paralisado, quando era preciso agir?
Por outro lado, não tente viver sem medo; com uma mente sã você não o conseguirá. Aja, sim, no sentido de modificar a sua relação com ele: enfrente-o! enfrente-o! Desta maneira, ele não vai dominá-lo e, quando surgir, você saberá como lidar com ele.
Desperte a coragem que jaz dentro de você. A coragem é ingrediente da fé, abre caminho para a ação. Mesmo que suas pernas tremam e sua garganta pareça sufocada, vá, vá, vá em frente! Treine, a vida lhe proporciona, a cada dia, oportunidades para enfrentar o medo. Se você recuar, ele irá subjugá-lo; se você o enfrentar, você irá dominá-lo; conhecendo-o, você sempre agirá com cautela.
Encha o seu peito e levante a sua cabeça. Agindo corajosamente, apesar do medo, sua vida florescerá e você poderá contemplar um mundo diferente, uma vida mais ampla, onde você terá maior poder. Esta é uma escolha que a Vida lhe oferece. Esta é a sua grande conquista!
Deus sempre estará ao seu lado em sua jornada, não importa qual seja a sua escolha.
Pessoas normais sempre têm medo, ele permeia a vida em todos os momentos. Enquanto houver ego, sempre haverá medo. Embora nem as pessoas, nem as situações representem, em si, medo, ele pode ser despertado no seu íntimo. Portanto, ele é resultado de uma percepção. Ao ser despertado, o medo contrai as energias do corpo, atraindo exatamente aquilo que tememos.
Observe os seus medos: medo de enfrentar pessoas que você considera superiores ou mais poderosas que você, medo de exprimir os seus sentimentos, de demonstrar emoções, de fracassar, de parecer tolo, de ficar sozinho, medo de errar... Quantas vezes você ficou paralisado, quando era preciso agir?
Por outro lado, não tente viver sem medo; com uma mente sã você não o conseguirá. Aja, sim, no sentido de modificar a sua relação com ele: enfrente-o! enfrente-o! Desta maneira, ele não vai dominá-lo e, quando surgir, você saberá como lidar com ele.
Desperte a coragem que jaz dentro de você. A coragem é ingrediente da fé, abre caminho para a ação. Mesmo que suas pernas tremam e sua garganta pareça sufocada, vá, vá, vá em frente! Treine, a vida lhe proporciona, a cada dia, oportunidades para enfrentar o medo. Se você recuar, ele irá subjugá-lo; se você o enfrentar, você irá dominá-lo; conhecendo-o, você sempre agirá com cautela.
Encha o seu peito e levante a sua cabeça. Agindo corajosamente, apesar do medo, sua vida florescerá e você poderá contemplar um mundo diferente, uma vida mais ampla, onde você terá maior poder. Esta é uma escolha que a Vida lhe oferece. Esta é a sua grande conquista!
Deus sempre estará ao seu lado em sua jornada, não importa qual seja a sua escolha.
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
A Busca da Felicidade - O Caminho do Meio (3ª Parte)
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas como o mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo (...)
Os versos em epígrafe são do compositor Nelson Motta, os quais foram musicados por Lulu Santos na canção "Como uma onda". Coloquei-os aqui para mostrar como os conceitos budistas estão se disseminando e passam a fazer parte da nossa maneira de ver o mundo.
Sim, tudo passa! Até mesmo o mais cruel sofrimento. A Cessação do Sofrimento é a Terceira Nobre Verdade do Budismo, conseguida pela erradicação de todas as formas de desejo, levando ao Nirvana.
O Nirvana, que pode ser traduzido como “estar liberto”, é realizado pela completa renúncia: renúncia aos objetos exteriores e renúncia interna às ligações com o mundo exterior. É a aniquilação da ilusão do eu pessoal de separatividade, extinção dos apegos, afeições para consigo mesmo e sede de desejos que envolvem e suportam essa ilusão. Para destruir a ilusão é preciso eliminar o desejo e destruir o “ser”, que é impermanente, efêmero, nascido da ilusão.
SERMÃO DE BUDA SOBRE O QUE É O “SER”
"Esse desejo, essa sede, essa vontade, essa cobiça, que têm por objeto o corpo, que estão enraizados no corpo e solidamente enraizados nele, constituem o ser.
Imaginai meninos ou meninas que se divertem a erguer castelos de areia. Enquanto eles não deixam de ter desejos, vontade, cobiça ou uma paixão ardente por estes pequenos castelos de areia, eles os querem, divertem-se com eles, têm-nos em grande apreço e são ciosos deles.
Mas, desde que estes meninos, ou estas meninas, deixem de ter desejo, vontade, cobiça ou paixão ardente por estes pequenos castelos de areia, ali mesmo os desmantelam com os pés e com as mãos, os derrubam e põem abaixo, sem lhes encontrar o menor atrativo".
"Só quando compreendermos que tudo no Universo é impermanente, efêmero, uma cadeia de causas e efeitos sem realidade substancial, e que tudo aquilo que julgamos ser eu é apenas um agregado impermanente, efêmero, não-real, só então a compreensão da unidade do todo se dá e, com isso o dissipar da ilusão. Assim, a realidade permanente existe, não porém, na base do nosso eu, onde a procurávamos, nas formas individualizadas, pelo nosso ponto de vista ilusório. Quando esse erro se dissipa e os falsos desejos dele oriundos se extinguem, o permanente se revela, é o Nirvana".
Aos olhos do Buda, a procura do Nirvana é semelhante à ação de vigiar dia e noite, é o estado de permanente Plena Atenção. O sofrimento surge por causa do desejo ardente, da “sede”, e cessa devido à Sabedoria. Mas Buda afirma: “Se tua conduta foi caridosa e pura, então na plenitude da alegria terás posto termo ao sofrimento”.
Do nosso ponto de vista cristão, alcançar o Nirvana é análogo a alcançar o céu. Entretanto, para alcançar o Nirvana não é necessária a morte do corpo. Também de modo distinto do Céu, o Nirvana não é uma condição negativa ou positiva. "As noções de “negativo” e “positivo” são relativas e pertencem ao domínio da dualidade. O Nirvana está além do pensamento de dualidade e de relatividade; portanto, está fora das nossas concepções do bem e do mal, do justo e do injusto, da existência e da não-existência. Mesmo a palavra “felicidade”, usada para descrever o Nirvana, tem um sentido completamente diferente".
Aquele que realizou esta Verdade – Cessação do Sofrimento ou Nirvana – é o mais feliz dos seres. "Sua saúde mental é perfeita, não se arrepende do passado, nem se preocupa com o futuro; vive o momento presente, está livre da ignorância, dos desejos egoístas, do ódio, da vaidade, do orgulho, livre das dificuldades e dos problemas que atormentam os outros. Torna-se um ser puro, meigo, cheio de amor universal, compaixão, bondade, simpatia, compreensão e tolerância. Presta serviço aos outros com a maior pureza, pois não pensa egocentricamente, não procura o lucro, nem acumula coisa alguma; nem os bens espirituais, porque está livre da ilusão do “eu”, da sede e do desejo de vir-a-ser".
O Buda disse:
“Naquele que é caridoso, a virtude crescerá. Naquele que se domina a si próprio, nenhuma cólera pode aparecer. O homem justo rejeita toda maldade. Pela extirpação da concupiscência, do ódio e de toda ilusão, tu atingirás o Nirvana”.
Não há como descrever o Nirvana porque não há como compará-lo a qualquer experiência mundana e não há nada que possa ser usado para fornecer uma analogia satisfatória.
Descobrindo-se a Verdade da Cessação do Sofrimento, todas as forças que produzem a continuidade da roda da existência se acalmam, tornam-se incapazes de produzir novas formações cármicas, pois não há mais ilusão, nem sede de desejo para manter a continuidade. Então, será possível experimentar o Nirvana seguindo o caminho com paciência e aplicação, exercitando-se e purificando-se para alcançar o desenvolvimento espiritual necessário.
Esta Terceira Nobre Verdade será melhor compreendida pelo conhecimento da Quarta Nobre Verdade – O Caminho que leva à Cessação do Sofrimento. Será nossa próxima postagem.
Texto baseado em:
SILVA, Georges da & HOMENKO, Rita. Budismo: Psicologia do Autoconhecimento. São Paulo: Ed. Pensamento, 1990.
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Tiradentes
Há muitos anos que eu acalentava o desejo de viajar de trem, saudade de um passado distante na velha Estrada de Ferro Leopoldina. Minha idéia era fazer a viagem de Belo Horizonte a Vitória, então fui à Praça da Estação, em BH, e lá procurei o guichê da Vale do Rio Doce. Quinta-feira e os bilhetes já estavam esgotados até sábado! Era véspera de um fim de semana prolongado pelo feriado da Independência, de maneira que a viagem só seria possível no domingo. Fiquei por ali uma meia hora, vacilando se compraria ou não a passagem: a viagem é demorada, cerca de 14 horas, ainda teria a volta e isto não compensaria se eu não ficasse em Vitória pelo menos uns dois dias. Tomei a decisão de pensar no assunto até mais tarde, primeiro iria verificar se haveria uma alternativa
Pela Internet achei a solução (santa Internet!): uma pequena viagem numa locomotiva de museu, daquelas que a gente vê em filme de faroeste, que vai de São João del Rei a Tiradentes. A troca, à primeira vista, não tem cabimento: o trem BH-Vitória é moderno, com duas classes de passagens, onde se pode optar por vagão com ar condicionado, uma longa viagem passando por muitas cidades;
a Maria Fumaça é uma locomotiva à vapor de 1890, e a viagem pra lá e pra cá dura apenas uma hora e vinte minutos. Mas o que pesou na balança para que eu ficasse com a Maria Fumaça é que eu poderia convidar meus filhos para o passeio, e aí qualquer um concordaria comigo que o melhor de qualquer passeio é a companhia que a gente tem.
A Estação Ferroviária de São João del Rei é primorosa, guarda os traços antigos, mas tem ar de museu, com recepcionistas sorridentes, bons sanitários, uma coleção de locomotivas à vapor e um vagão onde os saudosistas podem tirar fotos de época. Você aluga uma indumentária completa do Século XVIII e fica vestido à caráter, seja homem ou mulher. Então os “retratistas” tiram de você uma foto envelhecida e fica como se você tivesse entrado numa máquina do tempo, de volta ao passado colonial.
Lá estávamos a Janine e o Diogo - meus filhos; a Simone - minha nora, e meus netos Iasmin e Gabriel.
Não sei quem estava mais alegre, se avô ou netos, porque embora sejam as crianças que mais saboreiam os momentos da vida, para mim era um retorno à infância, e eu estava experimentando as mesmas emoções dos momentos mágicos que marcaram minhas viagens de trem. Aguardando a partida, enquanto tirávamos fotos, eu prestava atenção a cada detalhe: as cadeiras reversíveis, o toque do sino, o vendedor de doces, uma linda negra vendendo pirulitos. O apito do fiscal deu o sinal de partida, logo veio o cobrador de bilhetes, os sacolejos ritmados enquanto a máquina seguiu fazendo “café com pão, manteiga não, café com pão, manteiga não”.
O vale do Rio das Mortes, por onde o trem serpenteia entre São João del Rei e Tiradentes, tem uma feição estranha.
A exploração do ouro contido nos leitos de cascalho deixou uma série de monturos entremeados por buracos, marcas perpétuas na paisagem. Os monturos estão hoje cobertos por uma relva baixa e rala, enquanto nos buracos formaram-se pequenas lagoas. Isto se remete ao ciclo do ouro, quando centenas de aventureiros e seus milhares de escravos escavaram os depósitos auríferos, deixando para trás desolação e generalizada contaminação ambiental.
Levanto os olhos e contemplo a Serra de São José, extenso e íngreme paredão de quartizito, donde o ouro migrou junto com o cascalho para se depositar no fundo do vale.
Tiradentes, logo abaixo, foi um dos locais onde mais se produziu ouro de superfície no Brasil. Meu pensamento traz a lembrança de Tiradentes – o homem, e tento imaginá-lo andando à cavalo nas trilhas que levavam até ao arraial que, então, era conhecido como Santo Antônio da Ponta do Morro. Veio-me uma profunda compaixão por aquele sonhador, que morreu como bandido, condenado pelos portugueses. Se naqueles tempos seus próprios compatriotas se envergonhavam dele e seu nome foi logo esquecido, hoje três cidades disputam ser o berço de seu nascimento. Afinal, a República transformou o bandido em herói, aí todos querem se identificar com ele, ganhou estátuas e admiradores, pois em todos os tempos a hipocrisia continua sendo a marca dos oportunistas.
Os apitos da Maria Fumaça me tiram do passado, avisando-nos que estamos chegando à Estação de Tiradentes. Estico o pescoço sobre a janela do trem para ver a aglomeração de pessoas que esperam sorridentes a nossa chegada, mas não enxergamos a cidade, oculta do outro lado da ponte sobre o Rio das Mortes.
Durante vários dias fiquei pensando numa palavra que descrevesse a cidadezinha de Tiradentes, uma palavra que ninguém ainda tivesse dito sobre ela. Vasculhei na Internet muitas páginas sobre Tiradentes – a cidade – e vi que não sobrou uma palavra assim, de maneira que só posso dizer aquela que, para mim, melhor a descreve: encantadora! Uma jóia do Século XVIII que escapou da destruição e da descaracterização que atingiram nossas cidades coloniais. Quem conhece de perto o que aconteceu com Paracatu acaba se surpreendendo com uma cidade que, mesmo intensamente explorada pelo turismo, ainda se preserva como uma relíquia barroca.
O centro da cidade fica a uns mil metros da estação, o sol estava quente, então resolvemos fazer o trecho em uma charrete. Iasmin, fã número 1 da Barbie, ficou encantada com a nossa charrete cor de rosa. Passando sobre um calçamento irregular de pedras, fomos até uma praça que talvez seja o maior estacionamento de charretes do Brasil.
Nunca vi tanta charrete, parece ser um bom negócio levar turistas morro acima, sacolejando entre os vãos do calçamento. Ali tudo é voltado para o turismo, todas as casas foram transformadas em pontos de comércio, vendendo artesanato ou comida.
As belezas de Tiradentes estão bem documentadas em vários sítios na Internet, de maneira que vou aqui apenas fazer referência ao artesanato mais diversificado e bonito que vi até hoje, coisas de estanho, madeira, prata, palha, tecidos, ferro, tudo do mais fino gosto; também os doces artesanais, que só as cozinheiras mineiras sabem fazer bem, restaurantes para todos os gostos e, se você tiver tempo, as capelas e museus.
A minha turma estava com fome, então fomos atrás de um restaurante. Pedimos referência a três carroceiros e todos nos indicaram o mesmo – Divino Sabor -, segundo eles o melhor e o mais “em conta”. Filosofia de mineiro: “em conta”. Pois é pra lá que fomos, comer frango com ora-pro-nóbis, jiló, angu e lingüiça caseira. Bem, isto comi eu, já que a minha turma, geração Mcdonalds, foi mesmo de batatinha frita e acompanhamento.
Estava acontecendo uma feira de artesanato, promovida pelo Governo de Minas, com expositores de muitas cidades, tinha banca até de índios e de peruanos (pode acreditar!). Andamos por lá comprando pouco, porque é tanta coisa que a gente fica em dúvida e desiste. Circulamos nas ruas próximas e aí chegou a hora de ir embora, pois o último trem volta para São João del Rei às cinco da tarde. Ficou a sensação de que conheci pouco da cidade e que um dia ainda voltarei para caminhar nas ruas íngremes, conversar com as pessoas do lugar e apreciar a cidade numa tarde calma, sem tantos turistas.
Novamente dentro da Maria Fumaça, constatei que todos estávamos felizes com o passeio. O sol já se escondera por detrás da serra e a tarde ia se fazendo noite quando o trem entrou barulhento em São João del Rei, as pessoas da cidade paradas nas calçadas nos vendo passar, crianças acenando e a gente acenando de volta, feito criança, o maquinista tocando o apito furiosamente, fazendo festa para a nossa chegada.
Como é bela a felicidade quando ela é compartilhada!
Pela Internet achei a solução (santa Internet!): uma pequena viagem numa locomotiva de museu, daquelas que a gente vê em filme de faroeste, que vai de São João del Rei a Tiradentes. A troca, à primeira vista, não tem cabimento: o trem BH-Vitória é moderno, com duas classes de passagens, onde se pode optar por vagão com ar condicionado, uma longa viagem passando por muitas cidades;
a Maria Fumaça é uma locomotiva à vapor de 1890, e a viagem pra lá e pra cá dura apenas uma hora e vinte minutos. Mas o que pesou na balança para que eu ficasse com a Maria Fumaça é que eu poderia convidar meus filhos para o passeio, e aí qualquer um concordaria comigo que o melhor de qualquer passeio é a companhia que a gente tem.
A Estação Ferroviária de São João del Rei é primorosa, guarda os traços antigos, mas tem ar de museu, com recepcionistas sorridentes, bons sanitários, uma coleção de locomotivas à vapor e um vagão onde os saudosistas podem tirar fotos de época. Você aluga uma indumentária completa do Século XVIII e fica vestido à caráter, seja homem ou mulher. Então os “retratistas” tiram de você uma foto envelhecida e fica como se você tivesse entrado numa máquina do tempo, de volta ao passado colonial.
Lá estávamos a Janine e o Diogo - meus filhos; a Simone - minha nora, e meus netos Iasmin e Gabriel.
Não sei quem estava mais alegre, se avô ou netos, porque embora sejam as crianças que mais saboreiam os momentos da vida, para mim era um retorno à infância, e eu estava experimentando as mesmas emoções dos momentos mágicos que marcaram minhas viagens de trem. Aguardando a partida, enquanto tirávamos fotos, eu prestava atenção a cada detalhe: as cadeiras reversíveis, o toque do sino, o vendedor de doces, uma linda negra vendendo pirulitos. O apito do fiscal deu o sinal de partida, logo veio o cobrador de bilhetes, os sacolejos ritmados enquanto a máquina seguiu fazendo “café com pão, manteiga não, café com pão, manteiga não”.
O vale do Rio das Mortes, por onde o trem serpenteia entre São João del Rei e Tiradentes, tem uma feição estranha.
A exploração do ouro contido nos leitos de cascalho deixou uma série de monturos entremeados por buracos, marcas perpétuas na paisagem. Os monturos estão hoje cobertos por uma relva baixa e rala, enquanto nos buracos formaram-se pequenas lagoas. Isto se remete ao ciclo do ouro, quando centenas de aventureiros e seus milhares de escravos escavaram os depósitos auríferos, deixando para trás desolação e generalizada contaminação ambiental.
Levanto os olhos e contemplo a Serra de São José, extenso e íngreme paredão de quartizito, donde o ouro migrou junto com o cascalho para se depositar no fundo do vale.
Tiradentes, logo abaixo, foi um dos locais onde mais se produziu ouro de superfície no Brasil. Meu pensamento traz a lembrança de Tiradentes – o homem, e tento imaginá-lo andando à cavalo nas trilhas que levavam até ao arraial que, então, era conhecido como Santo Antônio da Ponta do Morro. Veio-me uma profunda compaixão por aquele sonhador, que morreu como bandido, condenado pelos portugueses. Se naqueles tempos seus próprios compatriotas se envergonhavam dele e seu nome foi logo esquecido, hoje três cidades disputam ser o berço de seu nascimento. Afinal, a República transformou o bandido em herói, aí todos querem se identificar com ele, ganhou estátuas e admiradores, pois em todos os tempos a hipocrisia continua sendo a marca dos oportunistas.
Os apitos da Maria Fumaça me tiram do passado, avisando-nos que estamos chegando à Estação de Tiradentes. Estico o pescoço sobre a janela do trem para ver a aglomeração de pessoas que esperam sorridentes a nossa chegada, mas não enxergamos a cidade, oculta do outro lado da ponte sobre o Rio das Mortes.
Durante vários dias fiquei pensando numa palavra que descrevesse a cidadezinha de Tiradentes, uma palavra que ninguém ainda tivesse dito sobre ela. Vasculhei na Internet muitas páginas sobre Tiradentes – a cidade – e vi que não sobrou uma palavra assim, de maneira que só posso dizer aquela que, para mim, melhor a descreve: encantadora! Uma jóia do Século XVIII que escapou da destruição e da descaracterização que atingiram nossas cidades coloniais. Quem conhece de perto o que aconteceu com Paracatu acaba se surpreendendo com uma cidade que, mesmo intensamente explorada pelo turismo, ainda se preserva como uma relíquia barroca.
O centro da cidade fica a uns mil metros da estação, o sol estava quente, então resolvemos fazer o trecho em uma charrete. Iasmin, fã número 1 da Barbie, ficou encantada com a nossa charrete cor de rosa. Passando sobre um calçamento irregular de pedras, fomos até uma praça que talvez seja o maior estacionamento de charretes do Brasil.
Nunca vi tanta charrete, parece ser um bom negócio levar turistas morro acima, sacolejando entre os vãos do calçamento. Ali tudo é voltado para o turismo, todas as casas foram transformadas em pontos de comércio, vendendo artesanato ou comida.
As belezas de Tiradentes estão bem documentadas em vários sítios na Internet, de maneira que vou aqui apenas fazer referência ao artesanato mais diversificado e bonito que vi até hoje, coisas de estanho, madeira, prata, palha, tecidos, ferro, tudo do mais fino gosto; também os doces artesanais, que só as cozinheiras mineiras sabem fazer bem, restaurantes para todos os gostos e, se você tiver tempo, as capelas e museus.
A minha turma estava com fome, então fomos atrás de um restaurante. Pedimos referência a três carroceiros e todos nos indicaram o mesmo – Divino Sabor -, segundo eles o melhor e o mais “em conta”. Filosofia de mineiro: “em conta”. Pois é pra lá que fomos, comer frango com ora-pro-nóbis, jiló, angu e lingüiça caseira. Bem, isto comi eu, já que a minha turma, geração Mcdonalds, foi mesmo de batatinha frita e acompanhamento.
Estava acontecendo uma feira de artesanato, promovida pelo Governo de Minas, com expositores de muitas cidades, tinha banca até de índios e de peruanos (pode acreditar!). Andamos por lá comprando pouco, porque é tanta coisa que a gente fica em dúvida e desiste. Circulamos nas ruas próximas e aí chegou a hora de ir embora, pois o último trem volta para São João del Rei às cinco da tarde. Ficou a sensação de que conheci pouco da cidade e que um dia ainda voltarei para caminhar nas ruas íngremes, conversar com as pessoas do lugar e apreciar a cidade numa tarde calma, sem tantos turistas.
Novamente dentro da Maria Fumaça, constatei que todos estávamos felizes com o passeio. O sol já se escondera por detrás da serra e a tarde ia se fazendo noite quando o trem entrou barulhento em São João del Rei, as pessoas da cidade paradas nas calçadas nos vendo passar, crianças acenando e a gente acenando de volta, feito criança, o maquinista tocando o apito furiosamente, fazendo festa para a nossa chegada.
Como é bela a felicidade quando ela é compartilhada!
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Oração
"Ore como se tudo dependesse de Deus;
trabalhe como se tudo dependesse do homem."
Cardeal Francis Spellman
trabalhe como se tudo dependesse do homem."
Cardeal Francis Spellman
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Seguindo adiante
O importante é estar pronto, a qualquer momento, a sacrificar aquilo que somos em favor daquilo que podemos vir a ser.
Charles Dubois
Charles Dubois
domingo, 18 de outubro de 2009
A Busca da Felicidade - O Caminho do Meio (2ª Parte)
A Segunda Nobre Verdade é a Causa ou Origem do Sofrimento, que nos possibilita conhecer a desarmonia entre o nosso eu ilusório e a realidade. Esta Verdade nos ensina que o sofrimento, a existência, o eterno vir-a-ser é produzido pelo desejo, ânsia, sede ardente de satisfazer todas as formas de desejos ligados aos nossos sentidos, que continuadamente procuram novas satisfações.
Embora o pensamento, sob a forma de desejo e ânsia em todos os seus aspectos, seja uma força criadora e perpetue a vida, essa avidez dá origem a todas as formas de sofrimento. Porém não devemos considerar o desejo como sendo a primeira causa; segundo o Budismo, não existe uma causa primeira; tudo é relativo e interdependente. O desejo depende, para o seu surgimento, de uma outra coisa, que é a sensação; e o aparecimento da sensação depende, por sua vez, do contato e, assim por diante, gira a roda da existência.
Deste modo, o desejo é a causa imediata, a causa principal que nossa mente pode conceber. Lembramos nesta síntese que o desejo tem por base a falsa idéia de um “eu” (eu pessoal), que surge da ignorância que mantém nossa aparente personalidade. A palavra “sede” compreende não somente o desejo e o apego aos prazeres dos sentidos, à riqueza e ao poder, como também às idéias, opiniões, teorias, concepções e crenças. Segundo a análise feita por Buda, todas as infelicidades, todos os conflitos do mundo, desde as pequenas discussões de família até as grandes guerras entre nações, têm suas raízes nessa sede de desejo.
Vejamos um dos sermões do Buda sobre o desejo:
"Feliz realmente é aquele que consegue satisfazer os desejos do seu coração. Mas quando não o consegue, o que então experimenta é a dor, como quando se é ferido por uma flecha. Aquele que se acautela contra os prazeres dos sentidos, assim como faria para não pisar numa cobra, como fruto mesmo da permanente vigilância, evita o perigo dos desejos que possam ter conseqüências indesejáveis. Quem está sempre dominado pelos ardentes desejos de posse, terrenos, fazendas, ouro, gado, criados, mulheres, parentes etc., será finalmente derrotado pelos problemas e soçobrará, assim como o barco fendido quando invadido pelas águas.
Permanecei vós, portanto, sempre em vigilância, evitando os prazeres dos sentidos e libertando-vos do desejo. Aliviando, pois, o barco de toda carga inútil, atravessai então a correnteza e atingi a segurança da outra margem – Nirvana".
Segundo o Budismo, o ser é uma combinação de forças ou energias físicas e mentais em fluxo constante. O que chamamos de morte é somente a parada completa do funcionamento do corpo físico. Mas a vontade, o desejo, a sede de existir, de continuar, de vir-a-ser constituem a maior força existente que anima todas as vidas, todas as existências, o mundo inteiro. Essa força não se detém com a morte, continua manifestando-se sob outra forma, produzindo uma nova vida chamada renascimento. Se a morte fosse o fim da causalidade, isto é, das causas e efeitos que caracterizam a vida do eu, ela se confundiria com a libertação.
O desejo se encontra no agregado das formações mentais; portanto, a causa, o germe do sofrimento encontra-se na própria mente do indivíduo que sofre, ainda que a causa pareça vir do exterior. É fácil admitir que todos os sofrimentos são causados pelo desejo egoísta. Mas como esse desejo, essa “sede” pode produzir a re-existência e o eterno vir-a-ser? Para isto é necessário compreender o aspecto filosófico da teoria do Carma e do Renascimento, que constitui um dos princípios fundamentais da doutrina budista.
Na teoria budista, carma expressa unicamente a ação da vontade, boa ou má, consciente ou inconsciente. Cada ação da vontade produz seus efeitos, resultados, ou frutos. Um bom carma, ou uma boa ação, produz bons efeitos; um mau carma, ou má ação, consequentemente, produzirá maus efeitos. O desejo, o querer, o carma, bom ou mau, tem por efeito uma só força, a força de continuar numa direção boa ou má.
No Budismo, a teoria do carma é uma teoria de causas e efeitos, de ação e de reação. Pela vontade o homem age com o corpo, a palavra e a mente. Os desejos geram ações; as ações produzem resultados; os resultados trazem novos desejos, e assim sucessivamente. Este processo de causa e efeito, ação e reação exprime uma lei natural que nada tem a ver com a idéia de uma justiça retributiva (não há o conceito de pecado), de recompensa ou punição decretada por um Ser Supremo.
O carma abrange tanto a ação passada quanto a presente. Portanto, num sentido, somos o resultado do que fomos e seremos o resultado do que somos. Conforme semeamos, colhemos nesta vida, ou num futuro renascimento. O que colhemos hoje foi aquilo que semeamos, tanto no passado como no presente. Carma, em si mesmo, é uma lei que opera no seu próprio campo de ação. As nossas ações passadas, cujos efeitos chamamos, hoje, nosso destino, influenciam o nosso presente, mas possuímos livre arbítrio completo e total, plena liberdade de ação.
O carma do passado condiciona o atual nascimento e o atual carma, e o livre arbítrio condiciona o futuro. A realidade do presente dispensa provas, pois é evidente por si mesma. O passado é baseado na memória e na referência, e o futuro na reflexão e na dedução.
A mente é o fator que ativa a vida, e os corpos físicos dos seres vivos são somente o resultado material de forças mentais anteriores que foram geradas em vidas passadas. O Buda disse: “A mente antecede todos os fenômenos; a mente os domina e cria”.
A força invisível gerada pela mente, quando ela é liberta do corpo e projetada para além da morte, agarra-se aos elementos do mundo material e deles molda uma nova forma de vida. Esta força mental gerada pode ser comparada à lei da gravidade que opera sobre os corpos materiais, sem qualquer agente material de conexão; assim também é o caso da energia mental que anima os seres vivos.
Esse processo é inseparável do processo paralelo de renascimento, porque o renascimento não é a reencarnação de uma “alma” depois da morte, mais precisamente, é a continuação da corrente de causa e efeito, de uma vida para outra. O que chamamos vida é uma combinação de energias físicas e mentais que mudam incessantemente. Consequentemente, durante a vida nascemos e morremos a cada instante, no entanto, continuamos a existir. É como se a chama de uma vela, que não é sempre a mesma, nem tampouco outra.
Quando o corpo físico não é mais capaz de funcionar, as energias mentais não morrem com ele, mas continuam a se manifestar sob outra forma que nós chamamos uma outra vida, persistindo o impulso para prosseguir na luta para uma outra existência. Nossas ações não são perdidas, mesmo depois da morte. Após a dissolução do corpo, nossa atuação continuará produzindo seus frutos. Em conseqüência da causação gerada no transcurso de uma existência, um novo ser renascerá futuramente, em qualquer parte, para continuação desta causação. Um novo ser, que é novo apenas num certo sentido, mas que é o mesmo no sentido cármico. A identidade da personalidade é dada pela continuidade; é uma continuidade semelhante àquela graças à qual identificamos um rio como entidade, muito embora a água que o constitui se renove sem cessar. A continuidade cármica é o rio de ação que constitui o indivíduo e o identifica. Há apenas continuidade de carma.
Assim, o renascimento não tem o sentido da imortalidade, mas apenas o de uma simples continuidade dentro da mutabilidade. Quando uma chama acende outra, nada transmigrou. Exatamente como a passagem da chama de uma vela, para o advento de uma chama em outra vela, é a passagem do carma, do corpo já imprestável pela morte, para um novo agregado material, adequado à continuação do processo do eu.
Como já aprendemos, tudo que tem por natureza surgir, da mesma forma tem por natureza cessar. Isto nos leva à terceira parte do Caminho do Meio - Cessação do Sofrimento da Existência -, que constitui a Terceira Nobre Verdade, nossa próxima postagem.
Texto baseado na obra de:
- SILVA, Georges da & HOMENKO, Rita. Budismo: Psicologia do Autoconhecimento. São Paulo: Ed. Pensamento, 1990.
Embora o pensamento, sob a forma de desejo e ânsia em todos os seus aspectos, seja uma força criadora e perpetue a vida, essa avidez dá origem a todas as formas de sofrimento. Porém não devemos considerar o desejo como sendo a primeira causa; segundo o Budismo, não existe uma causa primeira; tudo é relativo e interdependente. O desejo depende, para o seu surgimento, de uma outra coisa, que é a sensação; e o aparecimento da sensação depende, por sua vez, do contato e, assim por diante, gira a roda da existência.
Deste modo, o desejo é a causa imediata, a causa principal que nossa mente pode conceber. Lembramos nesta síntese que o desejo tem por base a falsa idéia de um “eu” (eu pessoal), que surge da ignorância que mantém nossa aparente personalidade. A palavra “sede” compreende não somente o desejo e o apego aos prazeres dos sentidos, à riqueza e ao poder, como também às idéias, opiniões, teorias, concepções e crenças. Segundo a análise feita por Buda, todas as infelicidades, todos os conflitos do mundo, desde as pequenas discussões de família até as grandes guerras entre nações, têm suas raízes nessa sede de desejo.
Vejamos um dos sermões do Buda sobre o desejo:
"Feliz realmente é aquele que consegue satisfazer os desejos do seu coração. Mas quando não o consegue, o que então experimenta é a dor, como quando se é ferido por uma flecha. Aquele que se acautela contra os prazeres dos sentidos, assim como faria para não pisar numa cobra, como fruto mesmo da permanente vigilância, evita o perigo dos desejos que possam ter conseqüências indesejáveis. Quem está sempre dominado pelos ardentes desejos de posse, terrenos, fazendas, ouro, gado, criados, mulheres, parentes etc., será finalmente derrotado pelos problemas e soçobrará, assim como o barco fendido quando invadido pelas águas.
Permanecei vós, portanto, sempre em vigilância, evitando os prazeres dos sentidos e libertando-vos do desejo. Aliviando, pois, o barco de toda carga inútil, atravessai então a correnteza e atingi a segurança da outra margem – Nirvana".
Segundo o Budismo, o ser é uma combinação de forças ou energias físicas e mentais em fluxo constante. O que chamamos de morte é somente a parada completa do funcionamento do corpo físico. Mas a vontade, o desejo, a sede de existir, de continuar, de vir-a-ser constituem a maior força existente que anima todas as vidas, todas as existências, o mundo inteiro. Essa força não se detém com a morte, continua manifestando-se sob outra forma, produzindo uma nova vida chamada renascimento. Se a morte fosse o fim da causalidade, isto é, das causas e efeitos que caracterizam a vida do eu, ela se confundiria com a libertação.
O desejo se encontra no agregado das formações mentais; portanto, a causa, o germe do sofrimento encontra-se na própria mente do indivíduo que sofre, ainda que a causa pareça vir do exterior. É fácil admitir que todos os sofrimentos são causados pelo desejo egoísta. Mas como esse desejo, essa “sede” pode produzir a re-existência e o eterno vir-a-ser? Para isto é necessário compreender o aspecto filosófico da teoria do Carma e do Renascimento, que constitui um dos princípios fundamentais da doutrina budista.
Na teoria budista, carma expressa unicamente a ação da vontade, boa ou má, consciente ou inconsciente. Cada ação da vontade produz seus efeitos, resultados, ou frutos. Um bom carma, ou uma boa ação, produz bons efeitos; um mau carma, ou má ação, consequentemente, produzirá maus efeitos. O desejo, o querer, o carma, bom ou mau, tem por efeito uma só força, a força de continuar numa direção boa ou má.
No Budismo, a teoria do carma é uma teoria de causas e efeitos, de ação e de reação. Pela vontade o homem age com o corpo, a palavra e a mente. Os desejos geram ações; as ações produzem resultados; os resultados trazem novos desejos, e assim sucessivamente. Este processo de causa e efeito, ação e reação exprime uma lei natural que nada tem a ver com a idéia de uma justiça retributiva (não há o conceito de pecado), de recompensa ou punição decretada por um Ser Supremo.
O carma abrange tanto a ação passada quanto a presente. Portanto, num sentido, somos o resultado do que fomos e seremos o resultado do que somos. Conforme semeamos, colhemos nesta vida, ou num futuro renascimento. O que colhemos hoje foi aquilo que semeamos, tanto no passado como no presente. Carma, em si mesmo, é uma lei que opera no seu próprio campo de ação. As nossas ações passadas, cujos efeitos chamamos, hoje, nosso destino, influenciam o nosso presente, mas possuímos livre arbítrio completo e total, plena liberdade de ação.
O carma do passado condiciona o atual nascimento e o atual carma, e o livre arbítrio condiciona o futuro. A realidade do presente dispensa provas, pois é evidente por si mesma. O passado é baseado na memória e na referência, e o futuro na reflexão e na dedução.
A mente é o fator que ativa a vida, e os corpos físicos dos seres vivos são somente o resultado material de forças mentais anteriores que foram geradas em vidas passadas. O Buda disse: “A mente antecede todos os fenômenos; a mente os domina e cria”.
A força invisível gerada pela mente, quando ela é liberta do corpo e projetada para além da morte, agarra-se aos elementos do mundo material e deles molda uma nova forma de vida. Esta força mental gerada pode ser comparada à lei da gravidade que opera sobre os corpos materiais, sem qualquer agente material de conexão; assim também é o caso da energia mental que anima os seres vivos.
Esse processo é inseparável do processo paralelo de renascimento, porque o renascimento não é a reencarnação de uma “alma” depois da morte, mais precisamente, é a continuação da corrente de causa e efeito, de uma vida para outra. O que chamamos vida é uma combinação de energias físicas e mentais que mudam incessantemente. Consequentemente, durante a vida nascemos e morremos a cada instante, no entanto, continuamos a existir. É como se a chama de uma vela, que não é sempre a mesma, nem tampouco outra.
Quando o corpo físico não é mais capaz de funcionar, as energias mentais não morrem com ele, mas continuam a se manifestar sob outra forma que nós chamamos uma outra vida, persistindo o impulso para prosseguir na luta para uma outra existência. Nossas ações não são perdidas, mesmo depois da morte. Após a dissolução do corpo, nossa atuação continuará produzindo seus frutos. Em conseqüência da causação gerada no transcurso de uma existência, um novo ser renascerá futuramente, em qualquer parte, para continuação desta causação. Um novo ser, que é novo apenas num certo sentido, mas que é o mesmo no sentido cármico. A identidade da personalidade é dada pela continuidade; é uma continuidade semelhante àquela graças à qual identificamos um rio como entidade, muito embora a água que o constitui se renove sem cessar. A continuidade cármica é o rio de ação que constitui o indivíduo e o identifica. Há apenas continuidade de carma.
Assim, o renascimento não tem o sentido da imortalidade, mas apenas o de uma simples continuidade dentro da mutabilidade. Quando uma chama acende outra, nada transmigrou. Exatamente como a passagem da chama de uma vela, para o advento de uma chama em outra vela, é a passagem do carma, do corpo já imprestável pela morte, para um novo agregado material, adequado à continuação do processo do eu.
Como já aprendemos, tudo que tem por natureza surgir, da mesma forma tem por natureza cessar. Isto nos leva à terceira parte do Caminho do Meio - Cessação do Sofrimento da Existência -, que constitui a Terceira Nobre Verdade, nossa próxima postagem.
Texto baseado na obra de:
- SILVA, Georges da & HOMENKO, Rita. Budismo: Psicologia do Autoconhecimento. São Paulo: Ed. Pensamento, 1990.
Pense nisso
É preciso se desapegar do mundo. Usar as coisas que estão no mundo sem se submeter a elas. Somos todos imortais, espíritos, filhos da vida, de Deus. Coisas passageiras não fazem parte do que é eterno, e o que é eterno não pode ficar preso àquilo que é passageiro.
ARUANDA,Pai João de (espírito). Sabedoria de Preto Velho. [psicografado por] Robson Pinheiro. Contagem: Casa dos Espírtos Editora, 2003.
ARUANDA,Pai João de (espírito). Sabedoria de Preto Velho. [psicografado por] Robson Pinheiro. Contagem: Casa dos Espírtos Editora, 2003.
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Aforismo
Se você não tem problema, também não tem solução.
Minas - meu estado de espírito
Sou mineiro das montanhas, do frango com quiabo, do angu grudento, do jiló amargoso, do chouriço, da banha de porco, da broa de milho, da maria-fumaça, da ladainha rezada à luz da lamparina, do fumo de rolo, do moinho de fubá, das cantigas de roda, do trem bão, do burro na sombra, do cigarro de palha, do dedo de prosa, do Deus-te-abençoe.
Dito isto, você já sabe de que Minas eu sou. Se você não vê a diferença é porque não conhece este enorme e diversificado Estado, e não entende porque Carlos Drummond de Andrade dizia que Minas são muitas.
Nossas terras foram tomadas dos índios pelos bandeirantes paulistas e o nosso ouro, a caminho de Portugal, descia pela estrada real até Parati. Depois os portugueses expulsaram os paulistas das minas, na Guerra dos Emboabas, e passaram a levar o ouro por uma picada aberta das minas até o Rio de Janeiro.
Naquela época, todo o norte do nosso estado, da divisa da Bahia até perto de Matozinhos, pertencia à Província de Pernambuco. Os paulistas conquistaram Minas para nós, abriram caminho para o ouro de Paracatu e foram até Goiás, ocupando as terras planas das Gerais e espalhando gado no cerrado. O gado das Gerais foi crescendo de importância no abastecimento das minas, fazendo assim surgir a Província das Minas e das Gerais.
O distrito das Minas era controlado ferreamente pelos portugueses, que também isolaram o distrito Diamantífero (Diamantina) de onde só se entrava e saía com autorização da administração portuguesa. Esses isolamentos – as fazendas de gado das Gerais, o distrito das Minas, o distrito Diamantífero, o sul de Minas voltado para São Paulo, o perigoso vale do Rio Doce habitado por índios ferozes, o norte de Minas administrado pelos pernambucanos – acabaram gerando culturas bastante distintas, jeitos diferentes de ser mineiro. Por isto, a norte temos o “baianeiro”, a oeste o "goianeiro", a sul o "paulineiro" e a leste o mineiro que imita o carioca (Xis de Fora).
Então, há que se perguntar: - Quem, então, é o verdadeiro mineiro? Ora, todos nós, porque, no dizer de Fernando Sabino, esse Estado de nariz imenso é sobretudo um estado de espírito. Se você acha que é mineiro, você é mineiro, uai!
Dito isto, você já sabe de que Minas eu sou. Se você não vê a diferença é porque não conhece este enorme e diversificado Estado, e não entende porque Carlos Drummond de Andrade dizia que Minas são muitas.
Nossas terras foram tomadas dos índios pelos bandeirantes paulistas e o nosso ouro, a caminho de Portugal, descia pela estrada real até Parati. Depois os portugueses expulsaram os paulistas das minas, na Guerra dos Emboabas, e passaram a levar o ouro por uma picada aberta das minas até o Rio de Janeiro.
Naquela época, todo o norte do nosso estado, da divisa da Bahia até perto de Matozinhos, pertencia à Província de Pernambuco. Os paulistas conquistaram Minas para nós, abriram caminho para o ouro de Paracatu e foram até Goiás, ocupando as terras planas das Gerais e espalhando gado no cerrado. O gado das Gerais foi crescendo de importância no abastecimento das minas, fazendo assim surgir a Província das Minas e das Gerais.
O distrito das Minas era controlado ferreamente pelos portugueses, que também isolaram o distrito Diamantífero (Diamantina) de onde só se entrava e saía com autorização da administração portuguesa. Esses isolamentos – as fazendas de gado das Gerais, o distrito das Minas, o distrito Diamantífero, o sul de Minas voltado para São Paulo, o perigoso vale do Rio Doce habitado por índios ferozes, o norte de Minas administrado pelos pernambucanos – acabaram gerando culturas bastante distintas, jeitos diferentes de ser mineiro. Por isto, a norte temos o “baianeiro”, a oeste o "goianeiro", a sul o "paulineiro" e a leste o mineiro que imita o carioca (Xis de Fora).
Então, há que se perguntar: - Quem, então, é o verdadeiro mineiro? Ora, todos nós, porque, no dizer de Fernando Sabino, esse Estado de nariz imenso é sobretudo um estado de espírito. Se você acha que é mineiro, você é mineiro, uai!
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Cavalo não (tem) mente
Outro dia, naquela hora da entrada da noite em que não consigo fazer nada, liguei a televisão num desses programas sensacionalistas de uma TV paulista. A reportagem era sobre um cavalo que estava atolado no Rio Tietê, local lamacento, coberto de uma trama vegetal de plantas aquáticas e lixo de toda espécie. Havia um grupo de pessoas na margem puxando cordas atadas ao animal e quatro pessoas em dois barcos, que o instigavam a sair dali.
Coitado do bicho, era um desses animais de carroça, criado sem pasto, tendo que encher a barriga por conta própria, já que o dono também anda de barriga vazia. Igualzinho a esses que vemos aqui em Paracatu, à cata de lotes sujos e sem muro, que, felizmente para os cavalos, temos em abundância.
(Você já reparou? Todo mês de agosto os donos de carroça ateiam fogo pela cidade para que o capim brote para os seus famintos animais!)
A operação estava no final, depois de quatro horas de salvamento, segundo o repórter. O esforço daquela gente teve sucesso, e o cavalinho saiu a passos firmes da água, o pessoal fazendo festa, o repórter emocionado, teve até foguete.
Imaginem agora, se fosse o salvamento de um ser humano qualquer. Seria também uma festa, muito maior, todo mundo querendo abraçá-lo, gente chorando de alegria, ou talvez acusando a administração pública, e a (quase) vítima desaguando as lágrimas, fazendo o papel que se espera de uma vítima.
Pois foi aí que fiquei chocado: o cavalinho, mal tirou as patas da água, estacou, baixou a cabeça e meteu a boca no capim verdinho da beira do rio. As pessoas faziam festa e tentavam puxá-lo, mas ele ficou ali, empacado, arrancando as touceiras de capim, comendo com gulodice.
Esta imagem do cavalinho não me saiu da memória, estou há dias a refletir sobre ela. Por acaso (o acaso não existe!), estou lendo o livro “O Caminho do Guerreiro Pacífico”, de Dan Millman, que me ensinou algumas coisas, que estou repassando aqui.
Para aquele cavalo, o fato de que quase morreu atolado no rio não tinha mais significado a partir do momento em que foi resgatado. Aquilo já era passado e, para ele, só importava o presente, o capim verde e fresco que ele precisava para encher a barriga. Nada de choro, lamentações, acusações, perda do apetite. Tenho certeza de que naquela noite ele dormiu bem, empanturrado.
O ser humano, por outro lado, tem o que chamamos “mente”, essa coisa estupenda que é ao mesmo tempo a sua força e fraqueza. Não se confunda com o cérebro, máquina que comanda o corpo, armazena e processa informações. O cérebro é real, mas a mente não.
Vamos generalizar da seguinte maneira: qualquer ser humano que vivencie uma experiência traumática tende a carregá-la para o resto de sua vida, e a vivencia a cada lembrança que a mente lhe traz, como se ela fosse real. Fica preso ao passado, e a mente (irreal) transforma o passado em "realidade". Uma realidade que não mais existe, que jamais voltará a existir. Portanto, uma ilusão.
Você acha que isto é consciência? Saiba que a consciência não é a mente; a consciência é o sentimento ou conhecimento que nos permite discernir e compreender aspectos da realidade. A percepção não é a mente e a atenção também não é a mente. A mente bloqueia a percepção e anula a atenção. Mente é o reflexo da excitação do cérebro, e a superexcitação do cérebro humano produz o que se chama “mente condicionada”, um afluxo de pensamentos descontrolados, às vezes aleatórios, às vezes repetitivos, que engana e ilude, que nos incapacita para conhecer o real e, assim, viver o momento presente.
De maneira geral, os seres humanos não apenas são prisioneiros da mente condicionada, mas se deleitam nesta condição e se orgulham de serem assim. Todo dia colocando um pouquinho de adubo e água nos seus vasos de dores – brigas, inimizades, acidentes, traições, decepções... -, cultivando lembranças ruins, venenos que a mente lança inesgotavelmente. Assim, seguem pela vida afora fazendo papel de vítimas, sem perceberem as oportunidades de uma vida real, verdadeira.
Se o cavalinho pode sair da lama comendo capim, por que não podemos sair das nossas experiências difíceis sem olhar para trás, aproveitando o que o presente nos oferece? Podemos, sim, mas precisamos aprender. Vamos aprender com a lição do cavalo, pois cavalo não (tem) mente!
Coitado do bicho, era um desses animais de carroça, criado sem pasto, tendo que encher a barriga por conta própria, já que o dono também anda de barriga vazia. Igualzinho a esses que vemos aqui em Paracatu, à cata de lotes sujos e sem muro, que, felizmente para os cavalos, temos em abundância.
(Você já reparou? Todo mês de agosto os donos de carroça ateiam fogo pela cidade para que o capim brote para os seus famintos animais!)
A operação estava no final, depois de quatro horas de salvamento, segundo o repórter. O esforço daquela gente teve sucesso, e o cavalinho saiu a passos firmes da água, o pessoal fazendo festa, o repórter emocionado, teve até foguete.
Imaginem agora, se fosse o salvamento de um ser humano qualquer. Seria também uma festa, muito maior, todo mundo querendo abraçá-lo, gente chorando de alegria, ou talvez acusando a administração pública, e a (quase) vítima desaguando as lágrimas, fazendo o papel que se espera de uma vítima.
Pois foi aí que fiquei chocado: o cavalinho, mal tirou as patas da água, estacou, baixou a cabeça e meteu a boca no capim verdinho da beira do rio. As pessoas faziam festa e tentavam puxá-lo, mas ele ficou ali, empacado, arrancando as touceiras de capim, comendo com gulodice.
Esta imagem do cavalinho não me saiu da memória, estou há dias a refletir sobre ela. Por acaso (o acaso não existe!), estou lendo o livro “O Caminho do Guerreiro Pacífico”, de Dan Millman, que me ensinou algumas coisas, que estou repassando aqui.
Para aquele cavalo, o fato de que quase morreu atolado no rio não tinha mais significado a partir do momento em que foi resgatado. Aquilo já era passado e, para ele, só importava o presente, o capim verde e fresco que ele precisava para encher a barriga. Nada de choro, lamentações, acusações, perda do apetite. Tenho certeza de que naquela noite ele dormiu bem, empanturrado.
O ser humano, por outro lado, tem o que chamamos “mente”, essa coisa estupenda que é ao mesmo tempo a sua força e fraqueza. Não se confunda com o cérebro, máquina que comanda o corpo, armazena e processa informações. O cérebro é real, mas a mente não.
Vamos generalizar da seguinte maneira: qualquer ser humano que vivencie uma experiência traumática tende a carregá-la para o resto de sua vida, e a vivencia a cada lembrança que a mente lhe traz, como se ela fosse real. Fica preso ao passado, e a mente (irreal) transforma o passado em "realidade". Uma realidade que não mais existe, que jamais voltará a existir. Portanto, uma ilusão.
Você acha que isto é consciência? Saiba que a consciência não é a mente; a consciência é o sentimento ou conhecimento que nos permite discernir e compreender aspectos da realidade. A percepção não é a mente e a atenção também não é a mente. A mente bloqueia a percepção e anula a atenção. Mente é o reflexo da excitação do cérebro, e a superexcitação do cérebro humano produz o que se chama “mente condicionada”, um afluxo de pensamentos descontrolados, às vezes aleatórios, às vezes repetitivos, que engana e ilude, que nos incapacita para conhecer o real e, assim, viver o momento presente.
De maneira geral, os seres humanos não apenas são prisioneiros da mente condicionada, mas se deleitam nesta condição e se orgulham de serem assim. Todo dia colocando um pouquinho de adubo e água nos seus vasos de dores – brigas, inimizades, acidentes, traições, decepções... -, cultivando lembranças ruins, venenos que a mente lança inesgotavelmente. Assim, seguem pela vida afora fazendo papel de vítimas, sem perceberem as oportunidades de uma vida real, verdadeira.
Se o cavalinho pode sair da lama comendo capim, por que não podemos sair das nossas experiências difíceis sem olhar para trás, aproveitando o que o presente nos oferece? Podemos, sim, mas precisamos aprender. Vamos aprender com a lição do cavalo, pois cavalo não (tem) mente!
domingo, 20 de setembro de 2009
A Busca da Felicidade - O Caminho do Meio (1ª Parte)
O Caminho do Meio é a via proposta por Gautama Sidarta – O Buda (Séc. VI a.C.) para a superação do sofrimento e o encontro da paz. Também conhecido como Caminho da Correta Compreensão, é uma filosofia que pertence a todos que procuram o autoconhecimento, sendo por isso adaptável a qualquer pessoa, em qualquer época.
Com o passar do tempo, a filosofia budista adotou um rótulo religioso, com a inclusão de rituais e formas externas de práticas; porém, a doutrina do Buda não determina uma crença ou credo, mas um “venha e veja”.
Então, se o Budismo apresenta resposta aos que procuram o sentido da vida, a resposta aos vários problemas psicológicos, sociais, espirituais ou místicos, certamente poderemos encontrá-la em nossa busca: - Qual o caminho para a felicidade?
A essência do Budismo está sintetizada nas Quatro Nobres Verdades, desvendadas por Gautama Buda através do seu próprio conhecimento intuitivo.
A Primeira Nobre Verdade é a da Existência do Sofrimento e da Insatisfatoriedade, devido à desarmonia entre o eu pessoal condicionado e o mundo real não-condicionado.
Vemos que no Universo tudo é efêmero, transitório, mutável, perecível. Tudo é impermanente e se transforma sem cessar. A impermanência é a lei geral. Realidade, pois, no sentido budista, é impermanência. Nada é; tudo é um eterno vir-a-ser. Se a essência de uma coisa é a sua própria mudança, tal coisa não tem realidade em si, e considerá-la como real, com existência própria e determinada, é pura ilusão de nossa mente condicionada.
Considerando o corpo o elemento mais estável do indivíduo, percebe-se que a instabilidade, do ponto de vista dos desejos, emoções, sentimentos e pensamentos, é ainda maior que a do mundo fenomênico. O intercâmbio com o meio é também tão intenso que, a rigor, não tem fundamento falar em “meu pensamento”, por exemplo, de tal forma estamos submetidos às influências do meio social, da cultura geral e de todo o passado. Refletimos apenas o que já foi pensado e dito há séculos e séculos.
Os processos (fenômenos) que ocorrem no mundo real mostram que todas as manifestações da natureza estão sujeitas à Lei de Causa e Efeito, a qual determina que nada ocorre por acaso, mas sempre em conseqüência e obediência a esta Lei. Gautama Buda disse: “Estando isto presente, isso acontece. Do aparecimento disto, isto surge; estando isto ausente, isso não aparece. Da cessação disto, isso cessa.”
Existe, portanto, uma interdependência entre todas as coisas, pois tudo o que existe é efeito de uma causa anterior e, por sua vez, causa de um efeito posterior. Da mesma forma, o passado está contido todo inteiro no presente, condicionando-o, assim como o presente resume o passado e contém, em potencial, todo o futuro.
Perdendo de vista a impermanência das coisas, tomamos como real a multiplicidade, damos realidade à pluralidade e acabamos por nos considerar a nós mesmos como identidades ou realidades separadas, autônomas e independentes num mundo hostil, indiferente, perigoso e quase inimigo. É a perversão do entendimento que o budismo chama ilusão. Suas conseqüências em nossa vida é que dão origem ao sofrimento da existência. O sofrimento é uno com o transitório.
Desejar o que é efêmero, mutável, perecível só produzirá dor, desenganos e medo, decorrências dessa concepção ignorante do mundo que faz com que nos sintamos frustrados, separados e isolados do Todo.
Impermanência, interdependência, ilusão e dor estão intimamente entrelaçadas. Formam um dos pilares fundamentais do pensamento budista sobre o mundo fenomênico.
Quando diz que existe o sofrimento, Gautama Buda não nega a felicidade existente na vida, pelo contrário, admite diversas formas de felicidade, tanto materiais como espirituais, tanto para leigos como para religiosos, tais como: a felicidade na vida familiar, na vida solitária, a felicidade dos prazeres dos sentidos, a felicidade da renúncia, do apego, do desapego, a felicidade física, a felicidade mental etc. Mas não se pode perder de vista que tudo isto é impermanente, mesmo os mais puros estados espirituais de absorção mental.
Portanto, três coisas deverão ser bem compreendidas: o desejo de prazeres dos sentidos; as más conseqüências, o perigo e a insatisfação; a libertação dos prazeres dos sentidos.
Por exemplo: uma pessoa consegue algo que lhe dá prazer, orgulho e satisfação (aspecto bom, ligado ao desejo). Mas esta situação não é permanente. Mudando esta situação, por qualquer circunstância, sobrevirá o ressentimento; esta pessoa poderá comportar-se insensatamente, tornar-se desarrazoada, desequilibrada e agir imprudentemente. Este é o aspecto ruim, insatisfatório e perigoso. Porém, se ela observar as coisas como são, na sua real perspectiva, poderá se desapegar de sua posição e não sofrerá mais (libertação, ligada à correta compreensão).
Compreendendo-se o que foi dito acima, é evidente que esta interpretação não é de pessimismo, nem de otimismo. Deve-se levar em conta tanto os prazeres e facilidades, quanto as dores e dificuldades, do mesmo modo que a possibilidade de liberta-se deles, a fim de ver a vida de modo objetivo.
Portanto, em nossa “A Busca da Felicidade”, Gautama Buda nos ensina que no mundo real nada é permanente e nos adverte que a felicidade que estamos buscando é impermanente: se temos uma sensação agradável ou uma condição de vida feliz, uma mudança surgirá, mais cedo ou mais tarde, e então haverá insatisfatoriedade ou sofrimento.
Isto nos leva a concluir esta parte com uma pergunta: - Qual a causa ou origem do sofrimento? É o que veremos a seguir, ao estudar a Segunda Nobre Verdade do Budismo.
Texto baseado na obra de:
- SILVA, Georges da & HOMENKO, Rita. Budismo: Psicologia do Autoconhecimento. São Paulo: Ed. Pensamento, 1990.
Com o passar do tempo, a filosofia budista adotou um rótulo religioso, com a inclusão de rituais e formas externas de práticas; porém, a doutrina do Buda não determina uma crença ou credo, mas um “venha e veja”.
Então, se o Budismo apresenta resposta aos que procuram o sentido da vida, a resposta aos vários problemas psicológicos, sociais, espirituais ou místicos, certamente poderemos encontrá-la em nossa busca: - Qual o caminho para a felicidade?
A essência do Budismo está sintetizada nas Quatro Nobres Verdades, desvendadas por Gautama Buda através do seu próprio conhecimento intuitivo.
A Primeira Nobre Verdade é a da Existência do Sofrimento e da Insatisfatoriedade, devido à desarmonia entre o eu pessoal condicionado e o mundo real não-condicionado.
Vemos que no Universo tudo é efêmero, transitório, mutável, perecível. Tudo é impermanente e se transforma sem cessar. A impermanência é a lei geral. Realidade, pois, no sentido budista, é impermanência. Nada é; tudo é um eterno vir-a-ser. Se a essência de uma coisa é a sua própria mudança, tal coisa não tem realidade em si, e considerá-la como real, com existência própria e determinada, é pura ilusão de nossa mente condicionada.
Considerando o corpo o elemento mais estável do indivíduo, percebe-se que a instabilidade, do ponto de vista dos desejos, emoções, sentimentos e pensamentos, é ainda maior que a do mundo fenomênico. O intercâmbio com o meio é também tão intenso que, a rigor, não tem fundamento falar em “meu pensamento”, por exemplo, de tal forma estamos submetidos às influências do meio social, da cultura geral e de todo o passado. Refletimos apenas o que já foi pensado e dito há séculos e séculos.
Os processos (fenômenos) que ocorrem no mundo real mostram que todas as manifestações da natureza estão sujeitas à Lei de Causa e Efeito, a qual determina que nada ocorre por acaso, mas sempre em conseqüência e obediência a esta Lei. Gautama Buda disse: “Estando isto presente, isso acontece. Do aparecimento disto, isto surge; estando isto ausente, isso não aparece. Da cessação disto, isso cessa.”
Existe, portanto, uma interdependência entre todas as coisas, pois tudo o que existe é efeito de uma causa anterior e, por sua vez, causa de um efeito posterior. Da mesma forma, o passado está contido todo inteiro no presente, condicionando-o, assim como o presente resume o passado e contém, em potencial, todo o futuro.
Perdendo de vista a impermanência das coisas, tomamos como real a multiplicidade, damos realidade à pluralidade e acabamos por nos considerar a nós mesmos como identidades ou realidades separadas, autônomas e independentes num mundo hostil, indiferente, perigoso e quase inimigo. É a perversão do entendimento que o budismo chama ilusão. Suas conseqüências em nossa vida é que dão origem ao sofrimento da existência. O sofrimento é uno com o transitório.
Desejar o que é efêmero, mutável, perecível só produzirá dor, desenganos e medo, decorrências dessa concepção ignorante do mundo que faz com que nos sintamos frustrados, separados e isolados do Todo.
Impermanência, interdependência, ilusão e dor estão intimamente entrelaçadas. Formam um dos pilares fundamentais do pensamento budista sobre o mundo fenomênico.
Quando diz que existe o sofrimento, Gautama Buda não nega a felicidade existente na vida, pelo contrário, admite diversas formas de felicidade, tanto materiais como espirituais, tanto para leigos como para religiosos, tais como: a felicidade na vida familiar, na vida solitária, a felicidade dos prazeres dos sentidos, a felicidade da renúncia, do apego, do desapego, a felicidade física, a felicidade mental etc. Mas não se pode perder de vista que tudo isto é impermanente, mesmo os mais puros estados espirituais de absorção mental.
Portanto, três coisas deverão ser bem compreendidas: o desejo de prazeres dos sentidos; as más conseqüências, o perigo e a insatisfação; a libertação dos prazeres dos sentidos.
Por exemplo: uma pessoa consegue algo que lhe dá prazer, orgulho e satisfação (aspecto bom, ligado ao desejo). Mas esta situação não é permanente. Mudando esta situação, por qualquer circunstância, sobrevirá o ressentimento; esta pessoa poderá comportar-se insensatamente, tornar-se desarrazoada, desequilibrada e agir imprudentemente. Este é o aspecto ruim, insatisfatório e perigoso. Porém, se ela observar as coisas como são, na sua real perspectiva, poderá se desapegar de sua posição e não sofrerá mais (libertação, ligada à correta compreensão).
Compreendendo-se o que foi dito acima, é evidente que esta interpretação não é de pessimismo, nem de otimismo. Deve-se levar em conta tanto os prazeres e facilidades, quanto as dores e dificuldades, do mesmo modo que a possibilidade de liberta-se deles, a fim de ver a vida de modo objetivo.
Portanto, em nossa “A Busca da Felicidade”, Gautama Buda nos ensina que no mundo real nada é permanente e nos adverte que a felicidade que estamos buscando é impermanente: se temos uma sensação agradável ou uma condição de vida feliz, uma mudança surgirá, mais cedo ou mais tarde, e então haverá insatisfatoriedade ou sofrimento.
Isto nos leva a concluir esta parte com uma pergunta: - Qual a causa ou origem do sofrimento? É o que veremos a seguir, ao estudar a Segunda Nobre Verdade do Budismo.
Texto baseado na obra de:
- SILVA, Georges da & HOMENKO, Rita. Budismo: Psicologia do Autoconhecimento. São Paulo: Ed. Pensamento, 1990.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Pensamento do dia
"Não deixe que o trabalho sobre sua mesa tampe a vista da janela."
Campanha Publicitária do City Bank
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segunda-feira, 31 de agosto de 2009
Construindo uma amizade
Gosto de caminhar e tenho feito disto um hábito. Que bom quando se tem um hábito recomendável, ainda mais na minha idade, em que a gente fica vigiando tudo e as coisas mais inofensivas acabam em desastre. Saio no início da noite, que sempre foi uma hora improdutiva para mim. Entre 17 e 20 horas não consigo me concentrar no trabalho ou no estudo, nada melhor que uma caminhada pela cidade, descongestionar o corpo e a mente. E a gente sempre pode encontrar pessoas que andavam sumidas ou fazer novos conhecidos.
Um ano atrás eu estava caminhando, descendo a Rua Goiás, quando passei por um casal que seguia a passos lentos, discutindo. Quando ouviram meus passos apressados, suspenderam a discussão e viraram-se para mim. Ali estava minha amiga Inês, cumprimentamo-nos e ela me apresentou o companheiro - Este é o Antonio! -, conversamos rapidamente e nos separamos.
Na semana seguinte encontrei-me com o Antonio numa locadora de filmes e começamos a falar sobre caminhada. Como ele justificava seu sedentarismo por falta de companhia para caminhar, acabei convidando-o, o que deu início a uma amizade cada vez mais estreita.
Nossas caminhadas acabaram servindo de meio para que pudéssemos falar de coisas pessoais, vida, esperanças, frustrações, assuntos que os homens geralmente não conversam. Bicho homem, que não se revela para não mostrar fraqueza!
O Antonio estava mesmo precisando conversar com alguém, vivendo uma crise muito séria em seu casamento. Ele cometera um erro que magoou profundamente a sua esposa, que não o perdoara a despeito dos pedidos de perdão e das penitências que vinha sofrendo no convívio conjugal. Fazia alguns anos que ele vinha se dedicando à mulher como o maior dos apaixonados, mas só colhia desconsideração e ofensas.
Um dia ele me disse: - Estou sempre dizendo a ela que a amo. Procuro todas as ocasiões para lhe demonstrar carinho, mas não sou correspondido. Não suporto pensar que ela não me ama.
Então, saí com essa: - Antônio, amor não se pede; amor se conquista.
Não é que ele entendeu minha observação ao pé da letra? A partir daí, redobrou os carinhos, tantas atenções que não tinha mais tempo para cuidar de si. Mas os efeitos no coração de Inês foram opostos ao que ele esperava, ela tornou-se mais arrogante e não perdia ocasião para ofendê-lo, depreciá-lo.
A relação de confiança que tínhamos era a válvula de escape dos tormentos em que vivia. Comigo ele se abria e soltava os demônios que lhe oprimiam a mente: - Por que me arrasto desse jeito na frente dela? Por que depois de ser humilhado, repudiado, vou docemente atender seus caprichos?
É fácil ministrar remédio para os males dos outros, quando não é a gente que tem que engoli-lo, não é? Por isto, muitas vezes eu ficava sem resposta, ou saía com observações que pudessem desviá-lo desse caminho perigoso da autopiedade. Porém, eu o alertava: - Cuidado, Antônio, quando você se acha um coitadinho é que já cavou a própria cova. Só falta você se jogar nela!
A sua inquietação cresceu a ponto de se virar contra mim: - Pensei que você fosse meu amigo, que se interessasse pelos meus problemas. Não vê que estou precisando achar uma saída? Por que você não me ajuda a encontrá-la?
Então me dei conta de que estava ali à minha frente um ser humano em completo desespero, cego na sua dor, implorando ajuda. Mas como dar orientação, prescrever atitudes, se nem mesmo sabemos ao certo enfrentar nossos próprios problemas?
Naquela noite não consegui dormir. Fiquei às claras, remoendo os problemas dele e os meus, mas a teia que foi se tecendo em meus pensamentos deixou-me clara a visão de que todos os problemas do mundo – os meus, os do Antonio, os de Inês, os seus e de todos os seres – estão conectados. Os Gigantes da Humanidade já nos mostraram isto: somos parte do Todo, o Todo está em nós, assim como cada um de nós traz o Todo dentro de si. Seus ensinamentos nos mostram os caminhos que, segundo o entendimento que possamos alcançar, podem nos dar a cura de nossos sofrimentos e a relativa felicidade que todos almejamos.
Voltei ao Antônio com a boa nova: – Você quer uma saída, não há mistério. Existem várias saídas, mas qualquer uma delas vai exigir duas coisas de você: disciplina e persistência para conter seu ego.
– Como, conter meu ego? – ele foi logo reagindo. - Ela me espezinha e você acha que o meu problema é ser egoísta?
– Egoístas somos todos nós, Antônio. Enquanto temos a mente condicionada, reagindo mecanicamente aos fatos, entendendo que os problemas são os outros, vamos colhendo os frutos da nossa incompreensão. Se você quer uma saída daquilo que está vivendo, se quer trocar sofrimento por felicidade, precisará ouvir o que os Mestres nos ensinaram. O seu caminho será feito por você mesmo, mas é melhor que seja clareado pela luz que vem de cima.
Depois de muitos questionamentos, Antônio aceitou minhas ponderações. Propus a ele o conhecimento de dois caminhos, para que ele avaliasse se algum deles lhe convinha: o Caminho de Buda e o Caminho de Jesus. Expliquei-lhe que, seja um ou qualquer outro, só conhecemos o Caminho ao entrar nele e caminhando por ele. Não é uma atitude intelectual, mas de envolvimento, esforço e coragem para prosseguir.
No momento, Antônio está estudando e assimilando o Caminho de Buda, conhecido como o Caminho do Meio. Já fez grandes progressos no autoconhecimento, está mais equilibrado. Os problemas no casamento não acabaram, mas ele não sofre tanto com eles, desde que descobriu que os problemas reais e a solução estão dentro dele mesmo.
Começamos com uma caminhada, que virou caminho em busca da felicidade. Estou aprendendo junto com ele e, aprendendo juntos, estamos construindo uma verdadeira amizade.
Eu o convido, caro(a) leitor(a), a tomar contato com o Caminho do Meio, que será postado neste blog. É uma continuação da nossa postagem anterior – "A Busca da Felicidade: a via de Chuang Tzu". Depois, vamos tomar contato com o Caminho de Jesus, certamente de uma maneira diferente daquela que tem sido abordada pelas religiões dominantes.
Se você quer seguir na caminhada em busca da felicidade, venha comigo, também ando à procura dela.
Um ano atrás eu estava caminhando, descendo a Rua Goiás, quando passei por um casal que seguia a passos lentos, discutindo. Quando ouviram meus passos apressados, suspenderam a discussão e viraram-se para mim. Ali estava minha amiga Inês, cumprimentamo-nos e ela me apresentou o companheiro - Este é o Antonio! -, conversamos rapidamente e nos separamos.
Na semana seguinte encontrei-me com o Antonio numa locadora de filmes e começamos a falar sobre caminhada. Como ele justificava seu sedentarismo por falta de companhia para caminhar, acabei convidando-o, o que deu início a uma amizade cada vez mais estreita.
Nossas caminhadas acabaram servindo de meio para que pudéssemos falar de coisas pessoais, vida, esperanças, frustrações, assuntos que os homens geralmente não conversam. Bicho homem, que não se revela para não mostrar fraqueza!
O Antonio estava mesmo precisando conversar com alguém, vivendo uma crise muito séria em seu casamento. Ele cometera um erro que magoou profundamente a sua esposa, que não o perdoara a despeito dos pedidos de perdão e das penitências que vinha sofrendo no convívio conjugal. Fazia alguns anos que ele vinha se dedicando à mulher como o maior dos apaixonados, mas só colhia desconsideração e ofensas.
Um dia ele me disse: - Estou sempre dizendo a ela que a amo. Procuro todas as ocasiões para lhe demonstrar carinho, mas não sou correspondido. Não suporto pensar que ela não me ama.
Então, saí com essa: - Antônio, amor não se pede; amor se conquista.
Não é que ele entendeu minha observação ao pé da letra? A partir daí, redobrou os carinhos, tantas atenções que não tinha mais tempo para cuidar de si. Mas os efeitos no coração de Inês foram opostos ao que ele esperava, ela tornou-se mais arrogante e não perdia ocasião para ofendê-lo, depreciá-lo.
A relação de confiança que tínhamos era a válvula de escape dos tormentos em que vivia. Comigo ele se abria e soltava os demônios que lhe oprimiam a mente: - Por que me arrasto desse jeito na frente dela? Por que depois de ser humilhado, repudiado, vou docemente atender seus caprichos?
É fácil ministrar remédio para os males dos outros, quando não é a gente que tem que engoli-lo, não é? Por isto, muitas vezes eu ficava sem resposta, ou saía com observações que pudessem desviá-lo desse caminho perigoso da autopiedade. Porém, eu o alertava: - Cuidado, Antônio, quando você se acha um coitadinho é que já cavou a própria cova. Só falta você se jogar nela!
A sua inquietação cresceu a ponto de se virar contra mim: - Pensei que você fosse meu amigo, que se interessasse pelos meus problemas. Não vê que estou precisando achar uma saída? Por que você não me ajuda a encontrá-la?
Então me dei conta de que estava ali à minha frente um ser humano em completo desespero, cego na sua dor, implorando ajuda. Mas como dar orientação, prescrever atitudes, se nem mesmo sabemos ao certo enfrentar nossos próprios problemas?
Naquela noite não consegui dormir. Fiquei às claras, remoendo os problemas dele e os meus, mas a teia que foi se tecendo em meus pensamentos deixou-me clara a visão de que todos os problemas do mundo – os meus, os do Antonio, os de Inês, os seus e de todos os seres – estão conectados. Os Gigantes da Humanidade já nos mostraram isto: somos parte do Todo, o Todo está em nós, assim como cada um de nós traz o Todo dentro de si. Seus ensinamentos nos mostram os caminhos que, segundo o entendimento que possamos alcançar, podem nos dar a cura de nossos sofrimentos e a relativa felicidade que todos almejamos.
Voltei ao Antônio com a boa nova: – Você quer uma saída, não há mistério. Existem várias saídas, mas qualquer uma delas vai exigir duas coisas de você: disciplina e persistência para conter seu ego.
– Como, conter meu ego? – ele foi logo reagindo. - Ela me espezinha e você acha que o meu problema é ser egoísta?
– Egoístas somos todos nós, Antônio. Enquanto temos a mente condicionada, reagindo mecanicamente aos fatos, entendendo que os problemas são os outros, vamos colhendo os frutos da nossa incompreensão. Se você quer uma saída daquilo que está vivendo, se quer trocar sofrimento por felicidade, precisará ouvir o que os Mestres nos ensinaram. O seu caminho será feito por você mesmo, mas é melhor que seja clareado pela luz que vem de cima.
Depois de muitos questionamentos, Antônio aceitou minhas ponderações. Propus a ele o conhecimento de dois caminhos, para que ele avaliasse se algum deles lhe convinha: o Caminho de Buda e o Caminho de Jesus. Expliquei-lhe que, seja um ou qualquer outro, só conhecemos o Caminho ao entrar nele e caminhando por ele. Não é uma atitude intelectual, mas de envolvimento, esforço e coragem para prosseguir.
No momento, Antônio está estudando e assimilando o Caminho de Buda, conhecido como o Caminho do Meio. Já fez grandes progressos no autoconhecimento, está mais equilibrado. Os problemas no casamento não acabaram, mas ele não sofre tanto com eles, desde que descobriu que os problemas reais e a solução estão dentro dele mesmo.
Começamos com uma caminhada, que virou caminho em busca da felicidade. Estou aprendendo junto com ele e, aprendendo juntos, estamos construindo uma verdadeira amizade.
Eu o convido, caro(a) leitor(a), a tomar contato com o Caminho do Meio, que será postado neste blog. É uma continuação da nossa postagem anterior – "A Busca da Felicidade: a via de Chuang Tzu". Depois, vamos tomar contato com o Caminho de Jesus, certamente de uma maneira diferente daquela que tem sido abordada pelas religiões dominantes.
Se você quer seguir na caminhada em busca da felicidade, venha comigo, também ando à procura dela.
sábado, 29 de agosto de 2009
Declaração de Amor
A cidade grande sempre exerce um fascínio sobre a gente do interior. De lá vêm as novidades, as tendências da moda e do consumo, são tantas as opções para todos os tipos de gosto. Confesso que não sou imune a esse fascínio, frequentemente me pego pensando nas opções culturais, turnês de artistas famosos, lançamentos de filmes premiados, concertos musicais, teatros etc.
Quando viajo, meus destinos são, quase sempre, Belo Horizonte ou Brasília, onde morei vários anos e ainda tenho lá a maior parte dos familiares. O fascínio logo se desmancha quando chego a essas cidades, tudo lá é difícil, caro, concorrido e estressante. Desabituado como estou, depois de tantos anos nesta “pequena” Paracatu, fogem da minha cabeça todos os planos de lazer naquele emaranhado de gente, prédios e automóveis. No caminho de volta sinto o alívio do retorno à vida mais simples, rotineira e previsível deste lugar.
Porém, sempre que tenho oportunidade de receber a visita de alguém vindo da cidade grande, observo uma genuína satisfação com Paracatu. São referências elogiosas em relação às pessoas, à estrutura e à dinâmica desta cidade que guarda, de um lado, aspectos e costumes da vida de pequenas comunidades e, de outro, atrativos e oportunidades comuns aos grandes centros.
Se você acha que estou exagerando reafirmo que são opiniões de meus visitantes, que talvez possam estar enganados. Mas, deixando de lado nossas opiniões já formadas, vou desafiá-lo com algumas observações, que o levarão a admitir que há um lado encantador em Paracatu.
Por aqui eu preciso andar de cabeça erguida para cumprimentar a maioria das pessoas que passam por mim, pois sou identificado e as pessoas se mostram contentes se eu também as identifico e cumprimento. Estou certo de que elas me achariam grosseiro se eu passasse sem um aceno ou sorriso. Portanto, aqui somos gente, não um simples anônimo na multidão.
Não sou natural de Paracatu, mas fui recebido como tal. A única vez em que me lembraram que sou de fora foi para me homenagearem, quando a Câmara Municipal me outorgou o título de “Cidadão Paracatuense”. Não é lindo?
E quanta gente “arrumou” a vida em Paracatu, não é? Ficaram bem de vida, fixaram raízes, geraram filhos, montaram negócio e se misturaram, sem conflitos, sem discriminação. Isto não acontece em todo lugar!
Veja os bailes no Jóquei, as baladas no Arena, as festas universitárias, as multidões que passeiam nas praças: é uma mistura fina, indistinta, pessoas que se aproximam por afinidades, sem separatismos baseados em preconceitos. E eu lhe pergunto: em quantos lugares as pessoas podem viver assim, sair às ruas com a família, as mulheres passeando livres e despreocupadas, os jovens vivendo suas festas sem medo?
E quanto à vida cultural? Garanto-lhe que aqui freqüento mais eventos culturais que meus conhecidos das metrópoles, que vivem de casa pro trabalho. Em Paracatu são freqüentes as apresentações artísticas de músicos, pintores, grupos de dança, shows de bandas, vários eventos preparados pela Casa da Cultura e bailes. Agora mesmo está vindo mais um Festival de Música.
E mais: muitos eventos culturais são de acesso livre ao público, como a recente apresentação do pianista Arthur Moreira Lima. Eu jamais esperei ver esse virtuose do piano, mas ele aportou em frente ao Chafariz da Traiana com seu Caminhão Teatro e fez uma apresentação magistral de música clássica temperada com a música popular brasileira. E, para orgulho de todos nós, no mesmo show apresentaram-se a Banda Lyra Paracatuense e o violonista Didi (Adailton).
Pois é, cheguei aqui há 22 anos, esperava não ficar mais de seis meses. Mas fui tomado pela cidade, este é meu pouso. Aqui me sinto bem.
Eu amo Paracatu! Reclamações, quem não as tem?
Quando viajo, meus destinos são, quase sempre, Belo Horizonte ou Brasília, onde morei vários anos e ainda tenho lá a maior parte dos familiares. O fascínio logo se desmancha quando chego a essas cidades, tudo lá é difícil, caro, concorrido e estressante. Desabituado como estou, depois de tantos anos nesta “pequena” Paracatu, fogem da minha cabeça todos os planos de lazer naquele emaranhado de gente, prédios e automóveis. No caminho de volta sinto o alívio do retorno à vida mais simples, rotineira e previsível deste lugar.
Porém, sempre que tenho oportunidade de receber a visita de alguém vindo da cidade grande, observo uma genuína satisfação com Paracatu. São referências elogiosas em relação às pessoas, à estrutura e à dinâmica desta cidade que guarda, de um lado, aspectos e costumes da vida de pequenas comunidades e, de outro, atrativos e oportunidades comuns aos grandes centros.
Se você acha que estou exagerando reafirmo que são opiniões de meus visitantes, que talvez possam estar enganados. Mas, deixando de lado nossas opiniões já formadas, vou desafiá-lo com algumas observações, que o levarão a admitir que há um lado encantador em Paracatu.
Por aqui eu preciso andar de cabeça erguida para cumprimentar a maioria das pessoas que passam por mim, pois sou identificado e as pessoas se mostram contentes se eu também as identifico e cumprimento. Estou certo de que elas me achariam grosseiro se eu passasse sem um aceno ou sorriso. Portanto, aqui somos gente, não um simples anônimo na multidão.
Não sou natural de Paracatu, mas fui recebido como tal. A única vez em que me lembraram que sou de fora foi para me homenagearem, quando a Câmara Municipal me outorgou o título de “Cidadão Paracatuense”. Não é lindo?
E quanta gente “arrumou” a vida em Paracatu, não é? Ficaram bem de vida, fixaram raízes, geraram filhos, montaram negócio e se misturaram, sem conflitos, sem discriminação. Isto não acontece em todo lugar!
Veja os bailes no Jóquei, as baladas no Arena, as festas universitárias, as multidões que passeiam nas praças: é uma mistura fina, indistinta, pessoas que se aproximam por afinidades, sem separatismos baseados em preconceitos. E eu lhe pergunto: em quantos lugares as pessoas podem viver assim, sair às ruas com a família, as mulheres passeando livres e despreocupadas, os jovens vivendo suas festas sem medo?
E quanto à vida cultural? Garanto-lhe que aqui freqüento mais eventos culturais que meus conhecidos das metrópoles, que vivem de casa pro trabalho. Em Paracatu são freqüentes as apresentações artísticas de músicos, pintores, grupos de dança, shows de bandas, vários eventos preparados pela Casa da Cultura e bailes. Agora mesmo está vindo mais um Festival de Música.
E mais: muitos eventos culturais são de acesso livre ao público, como a recente apresentação do pianista Arthur Moreira Lima. Eu jamais esperei ver esse virtuose do piano, mas ele aportou em frente ao Chafariz da Traiana com seu Caminhão Teatro e fez uma apresentação magistral de música clássica temperada com a música popular brasileira. E, para orgulho de todos nós, no mesmo show apresentaram-se a Banda Lyra Paracatuense e o violonista Didi (Adailton).
Pois é, cheguei aqui há 22 anos, esperava não ficar mais de seis meses. Mas fui tomado pela cidade, este é meu pouso. Aqui me sinto bem.
Eu amo Paracatu! Reclamações, quem não as tem?
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
A Busca da Felicidade: a via de Chuang Tzu
“Ninguém está tão errado como
aquele que sabe todas as soluções”.
Chuang Tzu
O mundo contemporâneo é marcado pela racionalidade. Entretanto, estamos vivendo uma crise de sentido ético, crise de valores e de significado, a falta de um modelo bem definido que dê sentido e direção à busca do que seja correto fazer e do que seja errado praticar.
A evolução do conhecimento humano, especialmente das novas teorias físicas, trouxe mudanças na forma do homem ver, entender e se relacionar com o mundo. As referências tradicionais desapareceram, assim também os fundamentos da ética e da moral. Daí, a necessidade de restabelecer o sentido da nossa vida e da forma como nos relacionamos com tudo que nos cerca, para que possamos dar significado às coisas e à nossa própria existência.
Diante disso, o que significa felicidade? Exatamente aí reside a questão: devido à crise de sentido que vivemos não existe, na contemporaneidade, um modelo filosófico ou ético que nos dê o significado preciso de felicidade e de como alcançá-la. Certamente por isto, as pessoas reflexivas têm procurado nos sistemas filosóficos e/ou religiosos mais antigos o conhecimento que possa ajudá-las a orientar, compreender, dar significado e justificar suas ações no mundo.
O sistema capitalista tem nos levado a um modo de vida em que ser feliz é uma obrigação. No contrapasso desse modelo, as pessoas estão sendo empurradas para a depressão. No livro “A Euforia Perpétua”, o escritor francês Pascal Bruckner afirma que "A depressão é o mal de uma sociedade que decidiu ser feliz a todo preço”.
Uma perspectiva muito distinta do modelo filosófico/religioso cristão, que é a base da nossa cultura, nos é apresentado pelo taoísmo, através de Chuang Tzu, considerado o mais espiritual dos filósofos chineses. Foi ele o grande divulgador dos ensinamentos de Lao Tzu, fundador do taoísmo, e seus escritos revelam excepcional sabedoria, grande senso de sátira e penetrante capacidade de análise do ser, sendo, por isto, de caráter atemporal.
Não obstante meus escassos conhecimentos desta doutrina, achei oportuno apresentar algumas referências de Chuang Tzu acerca da felicidade, abordadas no livro “A Via de Chuang Tzu”, de Thomas Merton. Fica claro, desde já, que não é uma defesa da filosofia taoísta, uma pretensão muita acima dos meus limitados conhecimentos. Por outro lado, as colocações que serão feitas são interessantes porque podem dar o vislumbre de um ponto de vista em extrema oposição às nossas tradicionais concepções e assim provocarem questionamentos mais profundos das nossas crenças e modelos de vida.
Chuang Tzu acredita que os conceitos felicidade, virtude, justiça e outros são ambíguos desde o início, pois se colocam no mundo dos objetos. Desde que são tratados como objetos a serem atingidos, estes valores conduzem à desilusão e à alienação. Portanto, Chuang Tzu se identifica com o paradoxo de Lao Tzu: “Quando todo mundo reconhece o bem, enquanto bem, ele se torna o mal, porque se torna algo que não se tem, e que temos sempre de procurar, até que, na verdade, ele se torna inacessível".
Chuang Tzu nega que a felicidade possa ser encontrada pelo hedonismo (busca do prazer) ou pelo utilitarismo (busca do lucro). A vida de riquezas, de ambição, de prazeres, é, de fato, uma intolerável servidão, na qual vivemos para o que está sempre fora do nosso alcance, ansiando pela sobrevivência futura, e incapazes de viver o presente. Ele também critica o homem público heróico e pronto a se sacrificar, o “Homem Superior”, virtuoso. Para ele, o herói da virtude e do dever, em última análise, encontra-se nas mesmas ambigüidades que o hedonista ou o utilitarista. Por quê? É que ele procura atingir o bem como objetivo. Envolve-se numa campanha deliberada e autoconsciente, a fim de cumprir com o seu dever, acreditando que isto é o certo, e, por conseguinte, o que produz a felicidade. Ele vê a felicidade e o bem como algo a ser atingido e, dessa maneira, coloca-os fora de si mesmo, no mundo dos objetos. Assim procedendo, deixa-se envolver por uma divisão da qual não há escapatória: de um lado, o presente, no qual ele ainda não está de posse do que procura e, de outro, o futuro, no qual ele acredita que terá o que desejar, sua fonte de ilusão.
Procurando o bem fora de nós mesmos, como algo a ser adquirido, somos forçados à necessidade de discutir, estudar, entender e analisar a natureza do bem e nos envolvemos em abstrações e na confusão de opiniões divergentes. Quanto mais o bem for analisado objetivamente, quanto mais for ele tratado como algo a ser atingido por técnicas virtuosas especiais, menos real e mais inacessível se torna. E, na medida que o fim vai se tornando mais remoto e mais dificultoso, torna-se mais rebuscado e complexo, até que, finalmente, o simples estudo do meio se torna tão problemático que todos os esforços devem concentrar-se nesse meio e, então, nos esquecemos do fim. Isto nada mais é do que o desespero organizado: o bem pregado e teorizado pelo moralista torna-se, assim, um mal, e isso levado a um extremo cada vez maior, porque a busca desenfreada do bem desvia-o do bem verdadeiro, que já possuímos dentro de nós mesmos, e que, agora, abandonamos ou ignoramos.
As doutrinas judaico-cristãs afirmam que o homem traz em si o pecado, o pecado original, e que ele precisa purificar-se através da prática consciente do bem. O taoísmo, ao contrário, afirma que, pelo próprio fato da nossa existência, somos dotados do bem. A diretriz do Tao é começarmos com este bem, mas ao invés de cultivá-lo autoconscientemente (pois ele desaparece quando para ele olhamos e torna-se intocável, quando tentamos pegá-lo), vamos progredindo calmamente na humildade de uma vida simples, corriqueira. É mais uma questão de acreditar no bem, do que de contemplá-lo como o fruto do nosso esforço pessoal.
Portanto, Chuang Tzu não propõe a acumulação da virtude e do mérito, mas o não-fazer ou a inação, que não almeja resultados, e não se preocupa com planos conscientemente estabelecidos, nem com tentativas deliberadamente organizadas: "A minha maior felicidade consiste precisamente em não fazer nada que seja calculado a fim de obter a felicidade... A perfeita alegria é não se estar alegre... se você me perguntar "o que deve ser feito", e "o que não deve ser feito", na terra, para produzir a felicidade, eu responderia que estas perguntas não possuem uma resposta" (fixa e predeterminada) que se adapte a cada caso. Se estamos em harmonia com o Tao - o Tao cósmico, o "Grande Tao" - a resposta tornar-se-á clara, quando o tempo começar a atuar, pois, aí, não agiremos de acordo com uma maneira de agir humana e autoconsciente, mas segundo a maneira espontânea e divina do wu wei (não-agir), que é a maneira de agir do próprio Tao, e, portanto, a fonte de todo o bem.
“Tudo de que o peixe necessita
É de perder-se na água.
Tudo de que o homem necessita
É de perder-se no Tao”.
Embora o ensinamento de Chuang Tzu, de que "você nunca encontrará a felicidade, a não ser quando cessar de procurá-la", seja paradoxal, ele não é pessimista. Ele não prega o afastamento de uma existência intensa, ativa, humana, para a inércia e o quietismo. Está apenas afirmando que a felicidade pode ser encontrada, mas apenas pela não-procura e pela inação. Pode ser encontrada, mas não por meio de um sistema ou de um programa. Um programa ou um sistema tendem a colocar a felicidade em uma só espécie de ação e tendem a procurá-la apenas naquela situação dada. Mas a felicidade e a liberdade que Chuang Tzu viu no Tao é encontrada em toda parte, pois o Tao está em toda parte.
Fonte de Pesquisa: MERTON, Thomas. A via de Chuang Tzu. Petrópolis: Vozes, 2002.
Minhas Reflexões:
1. Imerso numa racionalidade azeda e corrosiva, preocupamo-nos com a busca da felicidade, fazendo planos, estipulando metas, com a vista presa ao futuro. Mas a felicidade parece estar na ponta do arco-íris, quando ansiosos caminhamos em direção a ela, percebendo que ela se afasta, inalcançável.
2. No entanto, somos felizes quando vivemos o presente, despreocupados e livres, e não procuramos transformar a vida em uma meta. A vida não é uma meta!
3.Há um ensinamento de Jesus que, aparentemente, se confronta diretamente com o taoísmo; “Buscai e achareis”. Digo aparentemente porque, para mim, o significado moral desta máxima é: buscai a luz que vos clareie o caminho e a achareis. O significado material é, obviamente, outro.
4. Porém, há dois outros ensinamentos evangélicos que, em relação a este, são aparentemente paradoxais, mas, no meu entender, são os paradoxos que encerram as mais importantes lições. O Evangelho ensina: “Digo-vos, em verdade, que, se não vos converterdes e tornardes quais crianças, não entrareis no reino dos céus” (Mateus, cap. XVIII). O outro, na poética passagem evangélica “Observai os pássaros no céu”, em que Jesus afirma: “Assim, pois, não vos ponhais inquietos pelo dia de amanhã, porquanto o amanhã cuidará de si”. Ora, se para entrar no reino dos céus (suprema felicidade) é preciso se converter e tornar criança, isto significa ser espontâneo, não premeditado, não inquieto pelo dia de amanhã, despreocupado de planos conscientemente estabelecidos e não se afainar numa busca deliberadamente organizada da felicidade, exatamente conforme ensina Chuang Tzu.
aquele que sabe todas as soluções”.
Chuang Tzu
O mundo contemporâneo é marcado pela racionalidade. Entretanto, estamos vivendo uma crise de sentido ético, crise de valores e de significado, a falta de um modelo bem definido que dê sentido e direção à busca do que seja correto fazer e do que seja errado praticar.
A evolução do conhecimento humano, especialmente das novas teorias físicas, trouxe mudanças na forma do homem ver, entender e se relacionar com o mundo. As referências tradicionais desapareceram, assim também os fundamentos da ética e da moral. Daí, a necessidade de restabelecer o sentido da nossa vida e da forma como nos relacionamos com tudo que nos cerca, para que possamos dar significado às coisas e à nossa própria existência.
Diante disso, o que significa felicidade? Exatamente aí reside a questão: devido à crise de sentido que vivemos não existe, na contemporaneidade, um modelo filosófico ou ético que nos dê o significado preciso de felicidade e de como alcançá-la. Certamente por isto, as pessoas reflexivas têm procurado nos sistemas filosóficos e/ou religiosos mais antigos o conhecimento que possa ajudá-las a orientar, compreender, dar significado e justificar suas ações no mundo.
O sistema capitalista tem nos levado a um modo de vida em que ser feliz é uma obrigação. No contrapasso desse modelo, as pessoas estão sendo empurradas para a depressão. No livro “A Euforia Perpétua”, o escritor francês Pascal Bruckner afirma que "A depressão é o mal de uma sociedade que decidiu ser feliz a todo preço”.
Uma perspectiva muito distinta do modelo filosófico/religioso cristão, que é a base da nossa cultura, nos é apresentado pelo taoísmo, através de Chuang Tzu, considerado o mais espiritual dos filósofos chineses. Foi ele o grande divulgador dos ensinamentos de Lao Tzu, fundador do taoísmo, e seus escritos revelam excepcional sabedoria, grande senso de sátira e penetrante capacidade de análise do ser, sendo, por isto, de caráter atemporal.
Não obstante meus escassos conhecimentos desta doutrina, achei oportuno apresentar algumas referências de Chuang Tzu acerca da felicidade, abordadas no livro “A Via de Chuang Tzu”, de Thomas Merton. Fica claro, desde já, que não é uma defesa da filosofia taoísta, uma pretensão muita acima dos meus limitados conhecimentos. Por outro lado, as colocações que serão feitas são interessantes porque podem dar o vislumbre de um ponto de vista em extrema oposição às nossas tradicionais concepções e assim provocarem questionamentos mais profundos das nossas crenças e modelos de vida.
Chuang Tzu acredita que os conceitos felicidade, virtude, justiça e outros são ambíguos desde o início, pois se colocam no mundo dos objetos. Desde que são tratados como objetos a serem atingidos, estes valores conduzem à desilusão e à alienação. Portanto, Chuang Tzu se identifica com o paradoxo de Lao Tzu: “Quando todo mundo reconhece o bem, enquanto bem, ele se torna o mal, porque se torna algo que não se tem, e que temos sempre de procurar, até que, na verdade, ele se torna inacessível".
Chuang Tzu nega que a felicidade possa ser encontrada pelo hedonismo (busca do prazer) ou pelo utilitarismo (busca do lucro). A vida de riquezas, de ambição, de prazeres, é, de fato, uma intolerável servidão, na qual vivemos para o que está sempre fora do nosso alcance, ansiando pela sobrevivência futura, e incapazes de viver o presente. Ele também critica o homem público heróico e pronto a se sacrificar, o “Homem Superior”, virtuoso. Para ele, o herói da virtude e do dever, em última análise, encontra-se nas mesmas ambigüidades que o hedonista ou o utilitarista. Por quê? É que ele procura atingir o bem como objetivo. Envolve-se numa campanha deliberada e autoconsciente, a fim de cumprir com o seu dever, acreditando que isto é o certo, e, por conseguinte, o que produz a felicidade. Ele vê a felicidade e o bem como algo a ser atingido e, dessa maneira, coloca-os fora de si mesmo, no mundo dos objetos. Assim procedendo, deixa-se envolver por uma divisão da qual não há escapatória: de um lado, o presente, no qual ele ainda não está de posse do que procura e, de outro, o futuro, no qual ele acredita que terá o que desejar, sua fonte de ilusão.
Procurando o bem fora de nós mesmos, como algo a ser adquirido, somos forçados à necessidade de discutir, estudar, entender e analisar a natureza do bem e nos envolvemos em abstrações e na confusão de opiniões divergentes. Quanto mais o bem for analisado objetivamente, quanto mais for ele tratado como algo a ser atingido por técnicas virtuosas especiais, menos real e mais inacessível se torna. E, na medida que o fim vai se tornando mais remoto e mais dificultoso, torna-se mais rebuscado e complexo, até que, finalmente, o simples estudo do meio se torna tão problemático que todos os esforços devem concentrar-se nesse meio e, então, nos esquecemos do fim. Isto nada mais é do que o desespero organizado: o bem pregado e teorizado pelo moralista torna-se, assim, um mal, e isso levado a um extremo cada vez maior, porque a busca desenfreada do bem desvia-o do bem verdadeiro, que já possuímos dentro de nós mesmos, e que, agora, abandonamos ou ignoramos.
As doutrinas judaico-cristãs afirmam que o homem traz em si o pecado, o pecado original, e que ele precisa purificar-se através da prática consciente do bem. O taoísmo, ao contrário, afirma que, pelo próprio fato da nossa existência, somos dotados do bem. A diretriz do Tao é começarmos com este bem, mas ao invés de cultivá-lo autoconscientemente (pois ele desaparece quando para ele olhamos e torna-se intocável, quando tentamos pegá-lo), vamos progredindo calmamente na humildade de uma vida simples, corriqueira. É mais uma questão de acreditar no bem, do que de contemplá-lo como o fruto do nosso esforço pessoal.
Portanto, Chuang Tzu não propõe a acumulação da virtude e do mérito, mas o não-fazer ou a inação, que não almeja resultados, e não se preocupa com planos conscientemente estabelecidos, nem com tentativas deliberadamente organizadas: "A minha maior felicidade consiste precisamente em não fazer nada que seja calculado a fim de obter a felicidade... A perfeita alegria é não se estar alegre... se você me perguntar "o que deve ser feito", e "o que não deve ser feito", na terra, para produzir a felicidade, eu responderia que estas perguntas não possuem uma resposta" (fixa e predeterminada) que se adapte a cada caso. Se estamos em harmonia com o Tao - o Tao cósmico, o "Grande Tao" - a resposta tornar-se-á clara, quando o tempo começar a atuar, pois, aí, não agiremos de acordo com uma maneira de agir humana e autoconsciente, mas segundo a maneira espontânea e divina do wu wei (não-agir), que é a maneira de agir do próprio Tao, e, portanto, a fonte de todo o bem.
“Tudo de que o peixe necessita
É de perder-se na água.
Tudo de que o homem necessita
É de perder-se no Tao”.
Embora o ensinamento de Chuang Tzu, de que "você nunca encontrará a felicidade, a não ser quando cessar de procurá-la", seja paradoxal, ele não é pessimista. Ele não prega o afastamento de uma existência intensa, ativa, humana, para a inércia e o quietismo. Está apenas afirmando que a felicidade pode ser encontrada, mas apenas pela não-procura e pela inação. Pode ser encontrada, mas não por meio de um sistema ou de um programa. Um programa ou um sistema tendem a colocar a felicidade em uma só espécie de ação e tendem a procurá-la apenas naquela situação dada. Mas a felicidade e a liberdade que Chuang Tzu viu no Tao é encontrada em toda parte, pois o Tao está em toda parte.
Fonte de Pesquisa: MERTON, Thomas. A via de Chuang Tzu. Petrópolis: Vozes, 2002.
Minhas Reflexões:
1. Imerso numa racionalidade azeda e corrosiva, preocupamo-nos com a busca da felicidade, fazendo planos, estipulando metas, com a vista presa ao futuro. Mas a felicidade parece estar na ponta do arco-íris, quando ansiosos caminhamos em direção a ela, percebendo que ela se afasta, inalcançável.
2. No entanto, somos felizes quando vivemos o presente, despreocupados e livres, e não procuramos transformar a vida em uma meta. A vida não é uma meta!
3.Há um ensinamento de Jesus que, aparentemente, se confronta diretamente com o taoísmo; “Buscai e achareis”. Digo aparentemente porque, para mim, o significado moral desta máxima é: buscai a luz que vos clareie o caminho e a achareis. O significado material é, obviamente, outro.
4. Porém, há dois outros ensinamentos evangélicos que, em relação a este, são aparentemente paradoxais, mas, no meu entender, são os paradoxos que encerram as mais importantes lições. O Evangelho ensina: “Digo-vos, em verdade, que, se não vos converterdes e tornardes quais crianças, não entrareis no reino dos céus” (Mateus, cap. XVIII). O outro, na poética passagem evangélica “Observai os pássaros no céu”, em que Jesus afirma: “Assim, pois, não vos ponhais inquietos pelo dia de amanhã, porquanto o amanhã cuidará de si”. Ora, se para entrar no reino dos céus (suprema felicidade) é preciso se converter e tornar criança, isto significa ser espontâneo, não premeditado, não inquieto pelo dia de amanhã, despreocupado de planos conscientemente estabelecidos e não se afainar numa busca deliberadamente organizada da felicidade, exatamente conforme ensina Chuang Tzu.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
Serra do Cipó
Você já sentiu o gosto de fazer alguma coisa inusitada? Como num final de semana que se antevia monótono e, de repente, aparece algo que você, lá no fundo, estava desejando fazer, mas já havia descartado como muito difícil? Pois bem, no sábado passado, 1º de agosto, minha filha Helga me fez o convite: - Eu e Juan estamos indo para a Serra do Cipó; quer ir com a gente?
Há muitos anos eu tinha feito planos de ir à Serra do Cipó. Já tinha andado ali por perto – Lagoa Santa, Gruta da Lapinha -, mas desde que foi criado o Parque Nacional da Serra do Cipó me deu vontade de fazer uma visita. Se você não sabe, o Parque preserva uma vegetação de grande diversidade, sendo que muitas espécies somente são encontradas ali; além disso, sua fauna inclui espécies ameaçadas de extinção e ostenta uma bela paisagem de cerrados, cachoeiras, cavernas e sítios arqueológicos.
Saímos cedo, em direção a Cardeal Mota, localizada a uns 100 km a norte de Belo Horizonte. Nossa expectativa era fazer uma caminhada com um grupo de turistas. Logo vi que meus companheiros estavam bem preparados, com roupa adequada e levando uma sacola cheia de “víveres” – turista não anda no mato sem comida e, ninguém sabe explicar porquê, sem celular.
A estrada pra lá é ótima, do jeito que turista gosta, mas, ao passar por Lagoa Santa, senti uma grande decepção: desde que estive naquele lugar, uns 20 anos atrás, a cidade atropelou-se num trânsito intenso, expansão urbana desordenada, especulação imobiliária e lixo por toda parte. Daí, a gente começou um papo em cima de uma reflexão: os moradores das cidades grandes estão ávidos por um pedaço de natureza, ar puro, água limpa, mas têm que buscá-lo cada vez mais longe; entretanto, só conseguem isto por pouco tempo, porque logo virão mais pessoas que acabam destruindo aquilo que encontraram. Lagoa Santa já foi um refúgio da natureza, agora não é mais e dá pena ver no que se transformou.
(Não é isto em que Paracatu está se transformando? Na velocidade da ambição dos grandes negócios? Na degradação social e ambiental que nos amedronta?).
Até que chegamos a Cardeal Mota, no caminho repetem-se os lançamentos imobiliários, condomínios fechados, loteamentos mal estruturados e algumas placas indicativas de pousadas, clubes e hotéis-fazenda.
Pois bem, chegamos a este aglomerado de agências turísticas, bares, restaurantes e lojinhas de souvenires, que se chama Cardeal Mota. Daí, tirei a foto abaixo, pra mostrar “ondéqueutava”.
Lá na agência nos avisaram que três pessoas haviam desistido de cavalgar e que poderíamos tomar os seus lugares. A Helga e Juan, que estavam desanimados por terem que caminhar 14 km, ficaram entusiasmadíssimos com a cavalgada, e eu também, porque caminhada já faço por aqui. Tivemos apenas que fazer um pequeno percurso de carro até uma fazenda próxima aos limites do Parque, onde um grupo já nos aguardava.
A gente estava mesmo disposto a encarar com bom humor qualquer coisa que viesse, mas a nossa noção de cavalo era bem diferente dos pangarés que tivemos que montar. A Helga não se conteve: - É nesse aqui que eu vou montar? O bicho era o mais mirrado de todos, pequeno, magro, aspecto cansado, e trajando uma cela feia e suja.
Fomos em direção à Cachoeira da Farofa, a uma hora e quarenta minutos de cavalgada, acompanhados por dois guias, um à frente e outro atrás do grupo. Eles montavam os bons cavalos. Os outros cavalos só andavam se o da frente andasse, corriam se o da frente corresse, mas paravam se não viam cavalo à frente.
Assim, gastamos muita energia tentando fazer cavalo andar, agitando cabresto, cutucando com os pés, mas tudo isso não nos impediu de sentir o gosto atávico do ser humano de montar esse “portentoso” animal, muito embora eles às vezes agissem como mulas de presépio, ali plantados e nós aos berros: Ahaaa!
O Parque, embora venha sofrendo incêndios criminosos, retirada ilegal de madeira e invasões, recupera aos poucos sua vegetação. Nas áreas baixas, predominam os campos rupestres pontilhados de palmeiras, talvez porque foram extensivamente exploradas pela pecuária. Ao longo das vertentes íngremes da Serra do Cipó, são vistas, em grande número, cachoeiras que despencam dos paredões de quartzito, cortando as matas ciliares.
A Cachoeira da Farofa, que fomos visitar, não tem muita água nesta época do ano, mas é bela e cai de 80m, esfarelando-se nas pedras (daí o nome Farofa) e formando uma piscina natural. Se você quiser entrar nessa piscina não pode ficar pensando muito e nem testando a água gelada. Entre sem pensar, seu pulmão vai puxar fundo e, mesmo que seus ossos queiram se congelar, você vai sentir o choque energético de um banho de cachoeira.
Além disso, o que dá mais para apreciar são as águas límpidas do córrego das Pedras e do ribeirão Mascates (onde tomei água com as mãos), a lagoa Comprida e, se você gostar de plantas, o cerrado com belas palmeiras. Mas não conte com os guias para lhe fornecerem qualquer explicação. Perguntei para um deles: - Qual o nome dessa palmeira? Ele me respondeu: - Não sei, a gente chama isso de coquinho! Infelizmente, essas agências de turismo dito ecológico nada sabem sobre ecologia, natureza, planta e animais silvestres; o objetivo é o negócio, mas eles não se dão conta de que precisamos de ciência para fazer negócio com a natureza.
Interessante, na volta os cavalinhos iam se animando à medida que o passeio terminava, eles pareciam ansiosos para se livrarem daqueles incômodos turistas.
Quando saímos do parque precisamos segurá-los nas rédeas para que não disparassem. Nós, por outro lado, estávamos exaustos e mal conseguíamos mover as pernas quando apeamos. Mas - quer saber de uma coisa? - valeu, valeu mesmo deixar na cidade o monótono e previsível sábado para curtir a liberdade, as águas límpidas, o ar puro e a bela paisagem da Serra do Cipó. Sentir que, apesar de todas as agressões, a Mãe-Natureza ainda está por aí, esperando de nós o amor com que ela nos recebe.
No pêlo, trouxe alguns carrapatos (vou terminar, tem um me coçando!).
Há muitos anos eu tinha feito planos de ir à Serra do Cipó. Já tinha andado ali por perto – Lagoa Santa, Gruta da Lapinha -, mas desde que foi criado o Parque Nacional da Serra do Cipó me deu vontade de fazer uma visita. Se você não sabe, o Parque preserva uma vegetação de grande diversidade, sendo que muitas espécies somente são encontradas ali; além disso, sua fauna inclui espécies ameaçadas de extinção e ostenta uma bela paisagem de cerrados, cachoeiras, cavernas e sítios arqueológicos.
Saímos cedo, em direção a Cardeal Mota, localizada a uns 100 km a norte de Belo Horizonte. Nossa expectativa era fazer uma caminhada com um grupo de turistas. Logo vi que meus companheiros estavam bem preparados, com roupa adequada e levando uma sacola cheia de “víveres” – turista não anda no mato sem comida e, ninguém sabe explicar porquê, sem celular.
A estrada pra lá é ótima, do jeito que turista gosta, mas, ao passar por Lagoa Santa, senti uma grande decepção: desde que estive naquele lugar, uns 20 anos atrás, a cidade atropelou-se num trânsito intenso, expansão urbana desordenada, especulação imobiliária e lixo por toda parte. Daí, a gente começou um papo em cima de uma reflexão: os moradores das cidades grandes estão ávidos por um pedaço de natureza, ar puro, água limpa, mas têm que buscá-lo cada vez mais longe; entretanto, só conseguem isto por pouco tempo, porque logo virão mais pessoas que acabam destruindo aquilo que encontraram. Lagoa Santa já foi um refúgio da natureza, agora não é mais e dá pena ver no que se transformou.
(Não é isto em que Paracatu está se transformando? Na velocidade da ambição dos grandes negócios? Na degradação social e ambiental que nos amedronta?).
Até que chegamos a Cardeal Mota, no caminho repetem-se os lançamentos imobiliários, condomínios fechados, loteamentos mal estruturados e algumas placas indicativas de pousadas, clubes e hotéis-fazenda.
Pois bem, chegamos a este aglomerado de agências turísticas, bares, restaurantes e lojinhas de souvenires, que se chama Cardeal Mota. Daí, tirei a foto abaixo, pra mostrar “ondéqueutava”.
Lá na agência nos avisaram que três pessoas haviam desistido de cavalgar e que poderíamos tomar os seus lugares. A Helga e Juan, que estavam desanimados por terem que caminhar 14 km, ficaram entusiasmadíssimos com a cavalgada, e eu também, porque caminhada já faço por aqui. Tivemos apenas que fazer um pequeno percurso de carro até uma fazenda próxima aos limites do Parque, onde um grupo já nos aguardava.
A gente estava mesmo disposto a encarar com bom humor qualquer coisa que viesse, mas a nossa noção de cavalo era bem diferente dos pangarés que tivemos que montar. A Helga não se conteve: - É nesse aqui que eu vou montar? O bicho era o mais mirrado de todos, pequeno, magro, aspecto cansado, e trajando uma cela feia e suja.
Fomos em direção à Cachoeira da Farofa, a uma hora e quarenta minutos de cavalgada, acompanhados por dois guias, um à frente e outro atrás do grupo. Eles montavam os bons cavalos. Os outros cavalos só andavam se o da frente andasse, corriam se o da frente corresse, mas paravam se não viam cavalo à frente.
Assim, gastamos muita energia tentando fazer cavalo andar, agitando cabresto, cutucando com os pés, mas tudo isso não nos impediu de sentir o gosto atávico do ser humano de montar esse “portentoso” animal, muito embora eles às vezes agissem como mulas de presépio, ali plantados e nós aos berros: Ahaaa!
O Parque, embora venha sofrendo incêndios criminosos, retirada ilegal de madeira e invasões, recupera aos poucos sua vegetação. Nas áreas baixas, predominam os campos rupestres pontilhados de palmeiras, talvez porque foram extensivamente exploradas pela pecuária. Ao longo das vertentes íngremes da Serra do Cipó, são vistas, em grande número, cachoeiras que despencam dos paredões de quartzito, cortando as matas ciliares.
A Cachoeira da Farofa, que fomos visitar, não tem muita água nesta época do ano, mas é bela e cai de 80m, esfarelando-se nas pedras (daí o nome Farofa) e formando uma piscina natural. Se você quiser entrar nessa piscina não pode ficar pensando muito e nem testando a água gelada. Entre sem pensar, seu pulmão vai puxar fundo e, mesmo que seus ossos queiram se congelar, você vai sentir o choque energético de um banho de cachoeira.
Além disso, o que dá mais para apreciar são as águas límpidas do córrego das Pedras e do ribeirão Mascates (onde tomei água com as mãos), a lagoa Comprida e, se você gostar de plantas, o cerrado com belas palmeiras. Mas não conte com os guias para lhe fornecerem qualquer explicação. Perguntei para um deles: - Qual o nome dessa palmeira? Ele me respondeu: - Não sei, a gente chama isso de coquinho! Infelizmente, essas agências de turismo dito ecológico nada sabem sobre ecologia, natureza, planta e animais silvestres; o objetivo é o negócio, mas eles não se dão conta de que precisamos de ciência para fazer negócio com a natureza.
Interessante, na volta os cavalinhos iam se animando à medida que o passeio terminava, eles pareciam ansiosos para se livrarem daqueles incômodos turistas.
Quando saímos do parque precisamos segurá-los nas rédeas para que não disparassem. Nós, por outro lado, estávamos exaustos e mal conseguíamos mover as pernas quando apeamos. Mas - quer saber de uma coisa? - valeu, valeu mesmo deixar na cidade o monótono e previsível sábado para curtir a liberdade, as águas límpidas, o ar puro e a bela paisagem da Serra do Cipó. Sentir que, apesar de todas as agressões, a Mãe-Natureza ainda está por aí, esperando de nós o amor com que ela nos recebe.
No pêlo, trouxe alguns carrapatos (vou terminar, tem um me coçando!).
Carta a um amigo
Caro leitor,
O texto abaixo é transcrição de uma carta pessoal, feita em resposta a uma carta que meu cunhado José Emiliano Lopes endereçou à sua sogra, já falecida. Achei interessante apresentá-lo em meu blog porque tenho certeza de que ele trata de coisas que nos são comuns: família, recordações e a perda dos vínculos familiares, doença que se espalha como um grande mal. Estou certo de que você também irá refletir sobre isto e, quem sabe?, procurar maneiras de melhorar suas relações.
"Prezado Emiliano,
Sou muito grato por ter compartilhado comigo a “Carta para minha sogra”. Ao lê-la senti uma comoção, misto de alegria e tristeza: vieram-me lembranças de familiares que faleceram e da felicidade dos tempos inocentes da infância. Entretanto, sua carta me incomodou porque me revelou coisas que não sabia a respeito da infância difícil de meus irmãos mais velhos, e fico ainda sem compreender o fato de que pouco conheço a respeito de TODOS os meus irmãos e também quão pouco eles conhecem a meu respeito.
Considero que minha família - irmãos, primos, tios, cunhados, sobrinhos - é excelente, pessoas que se respeitam, trabalhadores e honestos, mas são pessoas fechadas, que se tratam como parentes e não como amigos do peito. Não é verdade?
Nunca meus irmãos mais velhos me revelaram as lembranças da mãe, eu nem mesmo sabia que ela faleceu em Belo Horizonte. No entanto, sempre nos demos muito bem, aliás tive relacionamento mais estreito com o Gil do que com o Mauro e o Maurício. Com certeza, meus irmãos também pouco sabem uns dos outros, das lembranças boas e más.
Quase nada sei do meu pai, ele nunca se revelou para mim. Onde estão as vidas de Mauro e Maurício, desde que deixaram este mundo?
Lamento, mas o mesmo está acontecendo com meus filhos, que vivem próximos mas não se vêem. Eles só se reúnem quando vou a Belo Horizonte e os chamo para jantar comigo. As notícias que eles têm uns dos outros são as que eu lhes passo.
Será que isto é geral entre os seres humanos? Sempre foi assim ou está se agravando?
Uma vez li uma frase que me doeu: "Cem anos após a sua morte não restará vestígio de você na Terra". Mas acho que temos a obrigação de deixar vestígios da nossa existência nas pessoas que conviveram conosco, nossos parentes e amigos, porque senão de que ela terá valido?
Ao reproduzir as lembranças do Gil, Gilda e Gildete, assim como as suas lembranças, sua “Carta para minha sogra” nos dá oportunidade de nos conhecermos melhor e valorizarmos o vínculo familiar que se desfaz com as perdas inevitáveis da vida. Sem memória não há vínculo!
Divagando sobre isto, lembrei-me de um filme excelente - Minha Vida -, estrelado por Michael Keaton e Nicole Kidman. Conta a história de um homem que recebe, ao mesmo tempo, duas notícias: que será pai pela primeira vez e que tem um câncer em estado terminal. Sua angústia é saber que não poderá conhecer o filho e que o filho não poderá conhecê-lo. Então, ele resolve gravar um vídeo, e nele registrar não apenas a sua imagem e nota biográfica: ele quer se mostrar para o filho como gente, uma pessoa que sofre, que se alegra, que tem esperança e desespero. Enfim, ele queria que o filho soubesse QUEM era o seu pai.
Infelizmente, às vezes é preciso uma doença terminal para que as pessoas compreendam que a vida terrena é passagem breve e que o melhor tempo dela é este que estamos vivendo, agora, o único em que podemos fazer algo para aproveitá-la.
Portanto, caro Emiliano, ao levantar a poeira do tempo, sua carta me incomodou porque me fez pensar em como somos frágeis, a brevidade da vida, a importância de nos revelarmos para quem está ao nosso lado e a necessidade de melhorarmos nossas vidas e relações.
Um grande abraço.
Márcio"
O texto abaixo é transcrição de uma carta pessoal, feita em resposta a uma carta que meu cunhado José Emiliano Lopes endereçou à sua sogra, já falecida. Achei interessante apresentá-lo em meu blog porque tenho certeza de que ele trata de coisas que nos são comuns: família, recordações e a perda dos vínculos familiares, doença que se espalha como um grande mal. Estou certo de que você também irá refletir sobre isto e, quem sabe?, procurar maneiras de melhorar suas relações.
"Prezado Emiliano,
Sou muito grato por ter compartilhado comigo a “Carta para minha sogra”. Ao lê-la senti uma comoção, misto de alegria e tristeza: vieram-me lembranças de familiares que faleceram e da felicidade dos tempos inocentes da infância. Entretanto, sua carta me incomodou porque me revelou coisas que não sabia a respeito da infância difícil de meus irmãos mais velhos, e fico ainda sem compreender o fato de que pouco conheço a respeito de TODOS os meus irmãos e também quão pouco eles conhecem a meu respeito.
Considero que minha família - irmãos, primos, tios, cunhados, sobrinhos - é excelente, pessoas que se respeitam, trabalhadores e honestos, mas são pessoas fechadas, que se tratam como parentes e não como amigos do peito. Não é verdade?
Nunca meus irmãos mais velhos me revelaram as lembranças da mãe, eu nem mesmo sabia que ela faleceu em Belo Horizonte. No entanto, sempre nos demos muito bem, aliás tive relacionamento mais estreito com o Gil do que com o Mauro e o Maurício. Com certeza, meus irmãos também pouco sabem uns dos outros, das lembranças boas e más.
Quase nada sei do meu pai, ele nunca se revelou para mim. Onde estão as vidas de Mauro e Maurício, desde que deixaram este mundo?
Lamento, mas o mesmo está acontecendo com meus filhos, que vivem próximos mas não se vêem. Eles só se reúnem quando vou a Belo Horizonte e os chamo para jantar comigo. As notícias que eles têm uns dos outros são as que eu lhes passo.
Será que isto é geral entre os seres humanos? Sempre foi assim ou está se agravando?
Uma vez li uma frase que me doeu: "Cem anos após a sua morte não restará vestígio de você na Terra". Mas acho que temos a obrigação de deixar vestígios da nossa existência nas pessoas que conviveram conosco, nossos parentes e amigos, porque senão de que ela terá valido?
Ao reproduzir as lembranças do Gil, Gilda e Gildete, assim como as suas lembranças, sua “Carta para minha sogra” nos dá oportunidade de nos conhecermos melhor e valorizarmos o vínculo familiar que se desfaz com as perdas inevitáveis da vida. Sem memória não há vínculo!
Divagando sobre isto, lembrei-me de um filme excelente - Minha Vida -, estrelado por Michael Keaton e Nicole Kidman. Conta a história de um homem que recebe, ao mesmo tempo, duas notícias: que será pai pela primeira vez e que tem um câncer em estado terminal. Sua angústia é saber que não poderá conhecer o filho e que o filho não poderá conhecê-lo. Então, ele resolve gravar um vídeo, e nele registrar não apenas a sua imagem e nota biográfica: ele quer se mostrar para o filho como gente, uma pessoa que sofre, que se alegra, que tem esperança e desespero. Enfim, ele queria que o filho soubesse QUEM era o seu pai.
Infelizmente, às vezes é preciso uma doença terminal para que as pessoas compreendam que a vida terrena é passagem breve e que o melhor tempo dela é este que estamos vivendo, agora, o único em que podemos fazer algo para aproveitá-la.
Portanto, caro Emiliano, ao levantar a poeira do tempo, sua carta me incomodou porque me fez pensar em como somos frágeis, a brevidade da vida, a importância de nos revelarmos para quem está ao nosso lado e a necessidade de melhorarmos nossas vidas e relações.
Um grande abraço.
Márcio"
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