Blog do Professor Márcio

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quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Obscurantismo das Elites

Nesta véspera de Natal, quero compartilhar neste blog a opinião de Mário Magalhães sobre um episódio ilustrativo dos dias em que vivemos: a agressão a Chico Buarque por um grupo de vagabundos, filhos de famílias detentoras de grande poder neste País.

Como diz uma música de Chico: Vai Passar.

Feliz Natal a todos.

Bronca com apê de Chico Buarque em Paris expõe intolerância e ressentimento

Mário Magalhães
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Pra quem odeia, o que dói mais é o sorriso – Foto Luciana Whitaker/Folhapress

Pingos nos is: na essência, o que houve no Leblon na noite da segunda-feira não foi bate-boca.
E sim intimidação e provocação de um grupo de jovens adultos contra Chico Buarque, 71, e amigos com quem o artista passeava, depois de jantar.
Chico estava na dele.
O ato hostil decorre do que na cachola de intolerantes constitui delito de opinião.
A, B ou C? É o de menos. Poderia ser qualquer uma. O crime é ter e expressar opinião diversa.
“Você gravou um vídeo apoiando a Dilma'', disse em tom acusatório um dos participantes do cerco.
Diante da agressividade, Chico tentou esgrimir ideias. Pode-se concordar ou divergir dele. O inaceitável é levar uma dura por acreditar nisso ou naquilo.
O compositor que criou uma canção falando “no tempo da delicadeza'' escreveu sobre um porvir que parece cada vez mais alucinação utópica.
“Você é um merda'', berrou um sujeito para ele.
A desqualificação do interlocutor é característica autoritária. O mal não é apenas o que o outro pensa, mas o outro. No fundo, trai a indigência de argumentos.
“Vai correr daqui já?'', urrou um valentão de ópera-bufa.
Como Chico é Chico, enquanto rostos vincados pelo ódio o miravam, ele reagia com sorrisos. Para quem odeia, o que dói mais é o sorriso.
Retrato do Brasil, os insultos no Leblon são herança de nossas raízes.
Não somos a terra de gente cordial, mas onde a escravidão foi mais longeva, onde a desigualdade obscena campeia, onde depois de vencidos adversários são decapitados (de Canudos ao Araguaia, passando pelo cangaço).
Os intolerantes de anteontem aparentemente não querem cortar a cabeça de ninguém.
Talvez somente arrancar as cordas vocais. Pensar até pode. Falar seria prerrogativa de quem pensa igual.
O surto na noite do Rio têm outras ascendências. Na Alemanha da década de 1930, os nazistas perseguiam também quem ousava dizer não.
Os intolerantes da segunda-feira formam no que um protagonista do Brasil republicano ironizava como “a turma do Jockey''. Núcleos de grã-finos que pretendem impor a qualquer preço ideias e interesses.
Outro traço distintivo é a vulgaridade de certa elite, como contemplado no vídeo que nasceu como documento histórico e antropológico (para assisti-lo, é só clicar aqui).
Já de início a abordagem a Chico Buarque foi vulgar, tomando árvores pela floresta: “Todo mundo era seu fã, Chico''.
Um dos intolerantes, Alvaro Garnero Filho, é rebento do empresário Alvaro Garnero. O pai “confirmou a presença do filho no episódio'' e “disse que teve de explicar a Alvarinho quem era Chico Buarque“.
Quer vulgaridade e ignorância maiores que um marmanjo com acesso à educação e à cultura precisar de explicação, no século 21, sobre quem é Chico Buarque?
O milionário Alvaro Garnero é um dos herdeiros do grupo Monteiro Aranha.
A nau da intolerância guarda lugar para os ressentidos.
O mesmo indivíduo que chamou Chico Buarque de “merda'' falou: “Para quem mora em Paris, é fácil''.
Vacilou: “Você mora em Paris, não mora?''
Chico mora ali pertinho, no Leblon.
Logo outro provocador emendou “Tem um apartamento lá em Paris. É gostoso Paris, né?''
A bronca com o apê de Chico em Paris é o vômito dos ressentidos.
No Marais ou na Île Saint-Louis, o autor de “Vai trabalhar, vagabundo'' o comprou com dinheiro ganho honestamente.
Ao contrário de alguns brasileiros donos de imóveis na Europa, não recebeu de herança seu apartamento. E se tivesse?
Adquiriu-o com a grana suada do seu trabalho.
Qual o problema? Os fascistoides agora viraram partidários da propriedade coletiva?
De uma parte deles, Chico é alvo do ressentimento comum a determinada classe média que abomina pobre e inveja rico.
Nesse caso, merda é a inveja.
Para os ricos-ricos, Chico é um traidor. Traidor de classe.
Como pode um cidadão que vive no Leblon e tem apê na França não votar como a esmagadora maioria dos endinheirados?
Soa como exigência de fidelidade de classe. A diferença equivale a traição.
O silêncio sobre o comportamento primitivo e intolerante é conivente.
Vale o clichê: quem cala consente.
Não está em jogo, enfatizo, o mérito das opiniões de Chico Buarque, mas o direito democrático de manifestação dele e de todos os brasileiros.
Muita gente ralou para que opinar não resultasse mais em cana e castigo.
Só o que faltava era um bando furioso de intolerantes e ressentidos levar a melhor em sua cruzada obscurantista, rancorosa e vulgar.
Acesso à matéria no blog do Mário Magalhães: 
http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2015/12/23/bronca-com-ape-de-chico-buarque-em-paris-expoe-intolerancia-e-ressentimento/

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

ONU critica Brasil, Vale e BHP por resposta 'inaceitável' a desastre de Mariana




A ONU (Organização das Nações Unidas) criticou duramente o governo brasileiro, a Vale e a mineradora anglo-australiana BHP pelo que considerou uma resposta "inaceitável"à tragédia de Mariana (MG).

Em comunicado divulgado nesta quarta-feira (25), e que traz falas do relator especial para assuntos de Direitos Humanos e Meio Ambiente, John Knox, e do relator para Direitos Humanos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak, a ONU criticou a demora de três semanas para a divulgação de informações sobre os riscos gerados pelos bilhões de litros de lama vazados no Rio Doce pelo rompimento da barragem, no último dia 5.

"As providências tomadas pelo governo brasileiro, a Vale e a BHP para prevenir danos foram claramente insuficientes. As empresas e o governo deveriam estar fazendo tudo que podem para prevenir mais problemas, o que inclui a exposição a metais pesados e substâncias tóxicas. Este não é o momento para posturas defensivas", disseram os especialistas no comunicado.

Em entrevistas, a presidente Dilma Rousseff tem negado negligência no caso. A Samarco, por sua vez, tem afirmado que suas operações eram regulares, licenciadas e monitoradas dentro dos melhores padrões de monitoramento de barragens.

A ONU menciona a contradição nas informações divulgadas sobre o desastre, em especial a insistência da Samarco, joint venture formada por Vale e BHP para explorar minérios na região, de que a lama não continha substâncias tóxicas. E descreve com detalhes o desastre ecológico provocado pelo vazamento, incluindo a chegada da lama ao mar.

"
As autoridades brasileiras precisam discutir se a legislação para a atividade mineradora é consistente com os padrões internacionais de direitos humanos, incluindo o direito à informação. O Estado tem a obrigação de gerar, atualizar e disseminar informações sobre o impacto ambiental e presença de substâncias nocivas, ao passo que empresas têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos", afirmou Tuncak.

Os dois especialistas classificaram a tragédia como mais um exemplo de negligência de empresas em proteger os direitos humanos e traçam um quadro desolador pós-desastre para as comunidades afetadas.

"Poderemos jamais ter um remédio eficaz para as vítimas, cujos parentes ou ganha-pão podem estar debaixo dessa onda de lixo tóxico, e nem para o meio ambiente, que sofreu danos irreparáveis. Empresas trabalhando com atividades envolvendo o uso de material de risco precisam ter a prevenção de acidentes no centro de seu modelo de negócios."
Obtido em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2015/11/25/onu-critica-brasil-vale-e-bhp-por-resposta-inaceitavel-a-desastre-de-mariana.htm . Acesso em: 25/11/2015.

PL do Senado enfraquece Licenciamento Ambiental

Projeto de Lei de autoria do senador Romero Jucá ignora catástrofe em Mariana e cria ritos específicos de licenciamento ambiental para projetos considerados estratégicos pelo governo

 O Senado Federal pode fragilizar ainda mais o licenciamento ambiental de grandes empreendimentos no País se aprovar amanhã na Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional o Projeto de Lei 654/2015, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB/RR). Nem mesmo a recente tragédia em Mariana (MG), causada pelo rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, foi suficiente para aumentar a cautela dos parlamentares em relação ao projeto
Seguindo o que foi proposto pela Agenda Brasil, um pacote de medidas para combater a crise econômica e que não leva em conta a preservação do meio ambiente nem o princípio da precaução, o Senado propõe a criação de um processo sumário para o licenciamento ambiental de projetos ditos “estratégicos” pelo governo. Dessa maneira, audiências públicas e processos de consulta passariam a deixar de ser obrigatórios e uma licença ambiental única seria expedida no prazo de até oito meses.
Romero Jucá, autor do texto, foi presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), na década de 80. Durante sua gestão, reduziu territórios Yanomami de 9,4 milhões de hectares para 2,4 milhões, deixando 7 milhões de hectares abertos à extração de madeira e mineração. O senador Blairo Maggi (PR-MT), um dos maiores produtores de soja do Brasil e relator da proposta, é favorável a iniciativa, que tramita em caráter terminativo.
O Greenpeace esteve na cidade mineira de Mariana, que contabiliza diversas comunidades arrasadas pela força da lama, e ao longo do agora morto Rio Doce. Presenciamos uma área de cerca de 900 campos de futebol tomada de lama e rejeitos minerais, um impacto ainda imensurável ao meio ambiente. O desastre, agravado pela ausência de um plano de contingência por parte da mineradora Samarco, é a mais recente prova da importância do Brasil contar com legislação e processos de licenciamento ambiental fortes.
Assim como no acidente em Minas Gerais, falta posicionamento firme do Ministério do Meio Ambiente, da Casa Civil, do Ministério da Justiça e também do Ministério da Saúde sobre o Projeto de Lei do Senado 645.
Pressione seu Senador a se posicionar contra a proposta. Escreva um e-mail ou ligue em seu gabinete. Cobre seus direitos de eleitor e cidadão pedindo mais responsabilidade e cautela ao seu candidato. Não podemos nunca nos esquecer de Mariana. #NãoFoiAcidente.

Publicado em novembro 25, 2015 por Redação

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Grito de justiça chega a Austrália

Protesto BHP
,
Os acionistas da BHP Billiton, uma das controladoras da Samarco, responsável pelo desastre em Mariana (MG) e no Vale do Rio Doce, receberam o recado na Austrália. Na última quinta-feira, levamos as vozes dos brasileiros que pedem por justiça em Mariana até a sede da empresa em Perth, na Austrália. A BHP, em conjunto com a brasileira Vale, controla a Samarco, mineradora responsável pelo deslizamento de lama composto por rejeitos minerais que destruiu o Mariana e mais 500km ao longo do Rio Doce, deixando 19 vítimas e mais de 600 pessoas desalojadas.
Cerca de 20 ativistas levaram cartazes e banners pedindo por justiça para Mariana na reunião anual da BHP Billiton, questionando a segurança das barragens construídas no Brasil. Os acionistas da empresa sentiram o drama - e a lama - que está por trás de seu lucro!
Não vamos parar por aqui! Seguiremos expondo os impactos do desastre e pressionando as mineradoras e o governo a tomar providências. Isso inclui a promoção de uma investigação independente sobre as causas do desastre, o pagamento de valores condizentes com a proporção desta gigantesca tragédia e a garantia de que as demais barragens não ofereçam nenhum risco às comunidades e ao meio ambiente.
Ricardo Baitelo
Greenpeace Brasil

domingo, 22 de novembro de 2015

O gueto de Mariana

22/11/2015  02h00
Antonio Prata[i]

Outro dia um amigo me ligou pra reclamar da vida. Estava trabalhando tanto, ele me disse, que não fazia a menor ideia do que se passava no mundo: há meses não lia jornal, não via TV, não ouvia rádio. Queria um consolo, mas recebeu a minha inveja: "Você não tem ideia da sua sorte! Acho que, desde que a gente nasceu, não teve época melhor pra não saber o que se passa" –e, veja bem, a gente nasceu numa ditadura.

No final de uma ditadura, é verdade. O governo dos militares chegava ao fim com a vergonhosa anistia, a esquerda chegava à praia com o desavergonhado "desbunde". O tempo ainda estava fechado, mas a previsão era de sol, adiante. Gilberto Gil cantava "Não se incomode/ O que a gente pode, pode/ O que a gente não pode explodirá" e "explodirá" rimava com "poderá" e "brilhará", não com homens-bomba, pautas-bomba, aviões derrubados, chacinas e barragens arrebentadas.

Vejo na TV a mãe do menino de dez anos assassinado com um tiro na cabeça, no Alemão, revoltada com o inquérito da polícia, inocentando os PMs. Vejo aqueles índios mineiros, mal ajambrados, macambúzios, sentados num trilho de trem, à beira do ex-rio Doce. Leio a carta do viúvo aos terroristas que mataram sua mulher, em Paris, deixando-o com o filho de um ano e meio. "Cara, que sorte a sua não ler jornal!", digo ao meu amigo. "Eu ontem chorei ouvindo a CBN. Que tempos são esses em que a gente chora com a CBN?"
Serão os tempos? Será que o mundo piorou ou sempre foi assim e eu é que fiquei adulto? Num esforço de otimismo –veja a que ponto chegamos–, penso na Segunda Guerra. Lembro do depoimento de um sobrevivente do Holocausto, no documentário "Shoa". Com outros prisioneiros do gueto de Varsóvia, o homem criou um esquema elaborado e perigoso para passar cartas para fora da área em que estavam confinados. Por anos, essas cartas foram enviadas a governos, instituições e pessoas importantes de vários países. O homem tinha certeza de que, uma vez que se soubesse do que acontecia ali, alguém tomaria uma providência. Em seu depoimento, o horror nazista parecia chocá-lo menos do que o descaso geral.

Lembro do judeu polonês ao ouvir e fazer tantas vezes a pergunta, depois dos atentados de Paris: como pode um ser humano ter tamanho descaso pela vida de outros seres humanos a ponto de metralhá-los indiscriminadamente? Como pode o mundo saber o que Hitler fazia com os judeus, por anos, sem tomar uma atitude?

Pois, na última quinta-feira, tive a resposta. Não uma resposta sociológica, histórica, geopolítica: uma resposta íntima, pessoal. Num pé de página, no jornal, li: "Atentado terrorista mata 45 na Nigéria" e não senti nada. Ou quase nada. Pensei, "puxa, que triste", mas não chorei. Só depois é que veio o incômodo, não como um nó na garganta, mas como um embrulho no estômago: eu sou o destinatário das cartas de Varsóvia. Todo dia elas me chegam via e-mail, Facebook, Twitter, vindas dos guetos do Alemão, da Síria, de Barueri, de Lagos, do Pará, do Afeganistão. Algumas vezes dou um share, noutras mando um casaco, outro dia fui até o Brás, comprei umas esfirras de um refugiado, me senti bem por semanas. Na maior parte do tempo, contudo, rolo rápido a tela pra cima, fingindo não ter nada a ver com essa lama, e vou cuidar dos meus assuntos. 





[i]  ANTONIO PRATA É escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles 'Meio Intelectual, Meio de Esquerda' (editora 34). Escreve aos domingos.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Rompimentos de barragens de mineradoras têm se tornado mais graves nas últimas décadas

Rachel Costa | Londres - 18/11/2015 - 06h00

Avanço tecnológico da mineração não tem conseguido reduzir intensidade de eventos como o ocorrido em Mariana (MG); evitar próximo desastre só será possível com melhor regulamentação ambiental da atividade
Atualizada às 16h40
Itália, 1985, África do Sul, 1994, e Hungria, 2010. Estas foram as rupturas de barragem de mineradoras mais mortíferas nos últimos 30 anos em países ocidentais. A primeira deixou 268 mortos, a segunda, 17, e a última, 10 vítimas fatais. Em Minas Gerais, o rompimento da barragem de Fundão no último dia 5 em Mariana já fez 11 mortos (quatro deles ainda sem identificação) e outras 12 pessoas seguem desaparecidas. Calcula-se em 62 milhões de metros cúbicos o volume de rejeitos lançados no meio ambiente. Grande parte dele atingindo o Rio Doce, um dos maiores do estado. A chegada ao rio tem causado uma segunda tragédia, com cidades sem água e moradores sem saber o que lhes espera. Governador Valadares, um dos principais municípios abastecido pelo rio, com 278 mil habitantes, decretou estado de calamidade pública desde a última terça-feira (10/11).
Falta água e faltam informações, o que torna difícil calcular a dimensão exata do desastre. A Vale e a BHP, as duas empresas multinacionais por trás da Samarco, companhia responsável pelos reservatórios, terão de desembolsar pelo menos 1 bilhão de reais neste que é um dos maiores desastres ambientais no Brasil e um dos maiores episódios de rompimento de barragem de rejeitos nos últimos 30 anos.
Antonio Cruz / Agência Brasil

Cenário da desolação em Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG), após rompimento da barragem e passagem da lama
E o grande problema é que o avanço tecnológico da mineração não tem conseguido reduzir a intensidade de eventos desse tipo. Muito pelo contrário, afirma o geofísico David Chambers, doCenter For Science In Public Participation (CSP2) [Centro para a Ciência em Participação Popular, em tradução livre], nos Estados Unidos. Chambers mantém desde 2009 uma base de dados com o registro de problemas em barragens de rejeitos em todo o mundo, cobrindo todo o último século. O que se pode aferir pelos números é que, se a quantidade de eventos diminuiu com o avançar da tecnologia, em contrapartida eles se tornaram muito mais graves e a previsão do cientista é que eles sigam ocorrendo em uma média de um grande desastre a cada ano. 
Problema internacional
Na lista mantida por Chambers, o último evento classificado como grave também aconteceu no Brasil: foi a ruptura na barragem de uma mina em Itabirito, em setembro de 2014, deixando três mortos. Entretanto, o pesquisador faz questão de enfatizar que tragédias envolvendo reservatórios não estão limitadas ao país. “Quando divulguei os dados da minha pesquisa, a resposta que recebi da indústria foi de que na América do Norte isso nunca aconteceria. Seis meses depois, houve o rompimento da barragem em Mount Polley, no Canadá”, diz Chambers.
Na tragédia canadense, a maior da história desse tipo no país, não houve mortos, mas 23 milhões de metros cúbicos de rejeitos foram lançados no ambiente, atingindo reservatórios de água da região. Em agosto de 2015, um ano depois do desastre, uma equipe da Anistia Internacionalvoltou à área e encontrou moradores ainda inseguros em relação à qualidade da água, aumento nos níveis dos lagos e muitas dúvidas em relação à possível contaminação dos peixes, uma vez que havia criadores de salmão na área.
Jeremy Board / Flickr CC

Ativistas protestam contra a empresa Imperial Metals em abril deste ano no Canadá
“No caso da Imperial Metals, que operava a mina de Mount Polley, eles são uma companhia muito menor, não são um conglomerado internacional”, avalia Chambers. No Canadá, a mina onde ocorreu o desastre voltou a operar neste ano, alegadamente para a companhia ajudar a cobrir os custos ambientais do acidente causado por ela própria. “É diferente do caso brasileiro. Espero que BHP e Vale cubram os custos operacionais envolvidos. Elas são as donas da Samarco”, fala o cientista, enfatizando que usar companhias locais para fazer a exploração é um procedimento comum entre multinacionais e, portanto, não pode ser usado como pretexto para isentá-las de culpa.
Falta de dados
Durante a apuração dessa reportagem, Opera Mundi consultou três cientistas que acompanham desastres provocados por empresas mineradoras. Para todos eles, a falta de dados oficiais é um problema para definir a dimensão exata da tragédia ocorrida em Minas. Até agora, dados sobre a contaminação da água foram divulgados por Governador Valadares e Baixo Guaiú, no Espírito Santo, mostrando altos índices de alumínio, magnésio e arsênio (este último apareceu nas provas capixabas).
Fred Loureiro / Secom ES

Lama da barragem do Fundão, rompida no dia 5 de novembro, atinge o rio Doce na cidade de Resplendor (MG)
Apesar de alarmados com os índices obtidos pelas provas, os cientistas acreditam que o método usado para a coleta não foi o mais adequado. “Neste momento, o que mais importa é testar a contaminação da água”, diz Chambers. “Pelos resultados dos testes já feitos, parece que eles foram realizados sem filtrar os sedimentos”, completa o geofísico, esclarecendo que o risco maior ocorre quando os metais estão dissolvidos na água.
Sem informações exatas, fica ainda mais complicado montar o intrincado quebra-cabeças do impacto ambiental provocado pelo vazamento. Magnésio em excesso na água, por exemplo, pode afetar o desenvolvimento mental das crianças, lembra a geoquímica Kendra Zamzow, também da CSP2. Zamzow acredita que o mais provável no caso brasileiro é que os metais estejam “presos” aos sedimentos, reduzindo o risco de contaminação. Entretanto, outro problema pode ocorrer, este relacionado ao depósito dos rejeitos: a formação de uma espécie de “cimento” no leito do rio, o que pode afetar a vida dos seres vivos presentes nas águas.
“Este caso da Samarco é muito maior que o de Mount Polley. No rompimento da barragem canadense, os rejeitos se espalharam por apenas oito quilômetros. Eles poderiam ter ido mais longe, mas foram parados pelo lago de criação de salmão”, diz a geoquímica Kendra Zamzow, também da CSP2.

Obtido em: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/42318/rompimentos+de+barragens+de+mineradoras+tem+se+tornado+mais+graves+nas+ultimas+decadas+dizem+especialistas.shtml?utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=Boletim_OM_181115

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A Cidade do Peixe Bom

Caro leitor,

Temos a honra de publicar este artigo do Professor Marcos Spagnuolo, doutor em filosofia, apaixonado pela história de Paracatu, para a qual trouxe valiosas contribuições através de seus livros (Os negros em Paracatu, Paracatu: sua história e Vidas vividas em Paracatu), sempre procurando resgatar a história que ninguém quis contar. 
Achamos que o texto abaixo faz parte dessa história que ninguém quer contar. O texto do Professor não foi aceito por um órgão de imprensa, devido ao seu teor contundente contra os donos do poder, mas aqui está porque, nas palavras de George Orwell, "liberdade de imprensa é você poder dizer aquilo que o outro não quer ouvir". O resto é propaganda!

Professor Marcos Spagnuolo

Era uma vez uma região que existia quase no centro do Brasil que era habitada pelos índios Tupis. O solo era vermelho com suas árvores de galhos tortuosos oferecendo o buriti, mangaba, caju, baru, pequi, maracujá, jatobá, babaçu, cagaita, umbu, murici, araticum, bacuri e macaúba.Inúmeros animais pastavam por essa banda entre eles a anta, o cervo, onça-pintada, suçuarana, tatu-canastra, lobo-guará, lontra, tamanduá-bandeira, gambá, ariranha, gato-palheiro, veado-mateiro, macaco-prego, quati, queixada, porco-espinho, capivara, tapiti e preá.

Nos anos de 1700, inúmeros aventureiros chegaram bem no interior dessa terra descoberta pelos Portugueses e encontraram ouro em abundância, iniciando o percurso da História elaborada pelos brancos, começando a devastação dos índios, e posteriormente do cerrado. Todos os índios foram mortos, não sobrou nenhum para contar a história sendo que os rios que passavam por essa região ficaram vermelhos de tanto sangue pela matança indiscriminada dos aborígenes, ou nativos dessas terras.

Em cima do ossos dos índios construíram o arraial do Peixe Bom e a primeira capela para pedirem a Deus mais ouro com o objetivo de sufocarem suas fomes por riqueza. Para extraírem o ouro buscaram os negros que vieram de outras terras, percorrendo grandes distâncias enfileirados, a pé e acorrentados, ou então, em cima dos carros-de-boi. Muitos morreram no percurso e seus corpos foram deixados para os animais saciarem sua fome.

Os negros foram colocados nas senzalas e durante o dia, vigiados, cavavam a terra buscando ouro que eram entregues aos seus donos que passaram a construir nesse fim de mundo a Vila do Peixe Bom, agora, não somente em cima dos cadáveres dos índios, mas, também das centenas de negros que aqui foram castigados, humilhados, explorados, aniquilados e, torturados.

As negras foram usadas como instrumento de prazer pelos senhores que aos domingos iam com toda sua família rezar em uma das muitas igrejas que aqui foram construídas. Os filhos bastardos viviam a margem carregando por toda a vida o desprezo de seus irmãos consanguíneos e das esposas dos brancos. Ainda hoje podemos nos colocar em silêncio para ouvir o choro das negras, dos negros, dos seus filhos e dos bastardos por não compreenderem a causa de tamanho sofrimento e dor. Se aprofundarmos no silêncio escutaremos também os gritos dos índios sendo mortos porque estavam defendendo tudo aquilo que gostavam e amavam.

O tempo foi passando, os negros que sobreviveram foram libertados, mas, permaneceram nessa terra de sangue e aqui ergueram choupanas para abrigarem suas esposas e filhos. Continuaram fazendo o que sempre fizeram que era tirar ouro da terra sangrenta e vender, por preço barato, aos brancos endinheirados. No terreno em volta do casebre feito de terra batida plantavam suas roças que garantiam suas sobrevivências.

Arraial, Vila e agora cidade do Peixe Bom que, tendo por fundamento a extração de ouro, receberam as dragas que devastaram os rios e riachos. Garimpeiros acampados eram mortos e seus acampamentos queimados pelos jagunços dos donos da cidade. Muitos brancos enriqueceram, formaram fazendas, destruíram as matas, as nascentes e pequenos cursos de água foram substituídos pelo gado visando o abate. Boiadas e mais boiadas eram levadas para os matadouros distantes cortando o cerrado.

O tempo passou, o ouro não acabou, e os garimpeiros e as dragas foram substituídas pelo dragão avassalador, moendo milhões de toneladas de rocha para tirar o ouro. A moagem liberou e continua soltando o pó, o arsênio, os micro organismos desconhecidos que estão no interior das rochas. Tudo isso cai, como se chuva fosse, sobre a cidade. O pobre e o rico, sorrindo vão respirando esse ar pútrido, não somente o humano, mas também a vegetação, os animais e o gado que devoramos para saciar a nossa fome. Não satisfeitos criaram mais e mais barragens para aglutinar os rejeitos envenenados matando, na construção dos reservatórios, as nascentes, rios, flora e fauna. O povo alegre comemora o carnaval, a parada do dia da cidade e grita loucamente nos shows subsidiados pela casa do povo, e também, como não poderia deixar de ser, pelo dragão que tudo devora.

Descobriram que no cerrado podiam plantar utilizando muito adubo e esparamadores de água que roubam dos rios subterrâneos que é de todos. O cerrado vai diminuindo de tamanho todos os dias e os donos das plantações jogam milhões de toneladas de veneno em suas abençoadas hortas e esse veneno é levado pelo vento a todos os lugares.

A Cidade do Peixe Bom, alimentada pelos venenos, que são jogados na soja, nos milharais e nos outros tipos de plantações, associada as impurezas do dragão avassalador e pela secagem dos rios devido a criação dos pastos, eo povo vai vivendo feliz, chupando sua cerveja, comendo seu churrasco envenenado e tomando o leite branco como se fosse somente branco. Monta-se um teatro na cidade, onde a apresentação gira em torno de uma beleza fictícia. Fotografias são tiradas dos velhões casarões reformados, das cachoeiras que ainda restam ou dos rios que a cada ano desaparecem, procurando esconder as tristezas que realmente existem atrás dessas telas.

A casa da justiça, bestificada, apegada a sua rotina continua com os olhos vendados como se nada estivesse acontecendo. A casa do comandante da cidade dirigida pelo galo encantado e a casa da lei controlada pelos pintinhos que gostam dos farelos jogados pelo galo e pelo dragão avassalador fazem tudo que é contra o povo. O galo encantado mandou matar a única árvore que restou do tempo dos índios, e ainda manda construir uma casa administrativa em um terreno que é de um amigo para pagar durante toda a existência, com o dinheiro dos esfarrapados, o aluguel do terreno da construção.


Durante a noite costumo ver os fantasmas dos que morreram buscando suas casas que não mais existem, os parentes que não mais moram aqui e todos eles fazendo coro com a alma dos índios e negros suplicando por mais justiça e que diminua a fome dos nobres que somente querem ouro e mais ouro sem pensar nunca no povo que continua escravo. Agora, a Cidade do Peixe Bom não mais existe, o dragão avassalador cuspindo fogo de suas entranhas,  queima as últimas cinzas do que existiu.