Blog do Professor Márcio

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terça-feira, 28 de junho de 2016

Carta aberta à população de Paracatu

 Reunião a portas fechadas revela novas provas da contaminação da população de Paracatu pelo arsênio liberado pela Kinross e confirma a farsa dos seus apoiadores.

Aos 22 de março deste ano realizou-se uma reunião, a portas fechadas, na Prefeitura de Paracatu, para discutir um erro grosseiro do CETEM no levantamento sobre a contaminação da população pelo arsênio. Ao contrário do alarde feito na época da divulgação do relatório do CETEM, durante a audiência pública realizada na Câmara Municipal, em 18 de março de 2014, agora o público ficou de fora. As vítimas da intoxicação crônica pelo arsênio liberado pela mineradora Kinross sequer foram informadas desta reunião. Diante disso, sentimo-nos na obrigação de corrigir mais esse erro e denunciar essa postura anti-ética, que reforça a impressão de um conluio generalizado para defender os interesses da mineradora, em detrimento da saúde da população.

Nessa nova reunião a portas fechadas, os pesquisadores do CETEM, Instituto Evandro Chagas e Unicamp informaram que a “reanálise” dos dados apresentados na audiência pública de 2014 revelou que a média de contaminação por arsênio em Paracatu é de 15 μg/L (microgramas por litro) de urina, ou seja, quase cinco vezes o que eles mesmos haviam anunciado, e que na verdade existiriam, entre as cerca de 800 pessoas amostradas, 13 casos de contaminação por arsênio acima de 50 μg/L na urina, inclusive três pessoas teriam apresentado arsênio acima de 100 μg/l na urina: uma moradora do bairro Paracatuzinho e outros dois moradores do bairro Amoreiras. As outras pessoas que teriam apresentado concentração de arsênio na urina acima de 50 ug/l foram 2 moradores do bairro Paracatuzinho e 8 do bairro Amoreiras.

Parece que de nada adianta tudo o que afirmamos sobre os danos ambientais e os riscos à saúde provenientes da contaminação de Paracatu pelo arsênio liberado pela Kinross, nem mesmo adianta que esses danos estejam sendo verificados até pelas equipes de pesquisa ligadas à mineradora. Pior ainda, parece que não há interesse em resolver o problema por parte das pessoas do governo, seja da Prefeitura, do Ministério Público e da Justiça, o que lança sérias dúvidas sobre a eficácia de propormos ações na esfera judicial.

Vejam o caso de Mariana, em que o risco da catástrofe de ruptura das barragens foi denunciado pelos cientistas e engenheiros independentes, mas as autoridades não tomaram providência e preferiram prestigiar os relatórios da mineradora, até que o desastre aconteceu. O que estamos assistindo em Paracatu é uma situação semelhante. Desde 2007, estamos alertando a população e as autoridades com informação de boa qualidade. Como as autoridades ficaram inertes ou agiram a favor da mineradora e contra os interesses da população, tomamos medidas administrativas e judiciais, a partir de 2008. Infelizmente, até hoje, essas medidas não surtiram o efeito esperado, seja porque as autoridades não agem na tutela do objeto, seja porque não há interesse de agir.

Na reunião ocorrida em 22 de março próximo passado, a portas fechadas, os pesquisadores do CETEM, Instituto Evando Chagas e Unicamp confirmaram o que havíamos denunciado em seguida à divulgação do primeiro relatório do CETEM: que essa equipe de pesquisadores está alinhada com os interesses da mineradora. Essa equipe está andando em círculos, enrolando e enganando, e a mineradora vai ganhando tempo para continuar sua atividade minerária lucrativa e danosa. Cada dia ganho na enrolação e na mentira representa milhões de lucro para a mineradora e agravamento da intoxicação das pessoas.

Quanto tempo ainda teremos que aguardar, até que uma equipe competente e independente seja contratada para fazer um estudo epidemiológico clínico-laboratorial sério em Paracatu?

É escandaloso ter que ouvir dos pesquisadores contratados que alguns habitantes de Paracatu apresentaram de 50 a 100 microgramas de arsênio por litro de urina, uma concentração cerca de 20 vezes maior que a média anunciada por eles próprios em 2014, e nenhuma providência eficaz tenha sido tomada para impedir que a contaminação ambiental continue a avançar, e sem que seja dado o início imediato da recuperação ambiental obrigatória e o tratamento das vítimas da intoxicação crônica pelo arsênio. Em vez disso, eles se contentam em falar em “reanálise” e “níveis de segurança para arsênio”, como que a negligenciar o seu compromisso com a verdade científica e a sua obrigação de garantir a segurança, a saúde e a vida das pessoas. Quantas vezes será necessário repetir que não existe nível seguro para uma substância cancerígena como o arsênio?

As autoridades dos órgãos de governo continuam tratando a saúde pública alheias ao seu dever constitucional de proteger o meio ambiente e os seres humanos, sobrepondo os interesses de uma empresa aos interesses do povo.

Paracatu, 28 de junho de 2016.
Assinam:


Dr. Sergio Ulhoa Dani, médico, e  Márcio José dos Santos, geólogo.

Acesse também:

Postagem da matéria do Paracatu.net:

domingo, 26 de junho de 2016

Arsênio em Paracatu - Convite para Audiência Pública

Amigos,


a Comissão de Administração, Serviços Públicos e Cidadania da Câmara Municipal de Paracatu convidou-me para apresentar, em audiência pública, o estudo que fiz em parceria com o Dr Sérgio Dani sobre a contaminação das águas e das pessoas residentes na região do Santa Rita, abaixo das barragens de rejeito da mineração de ouro. Essa apresentação, é claro, só terá sentido com a participação dos diversos setores da sociedade paracatuense, objetivo último do trabalho realizado. Além da pesquisa, novas informações sobre a contaminação por arsênio serão reveladas ao público presente.


Portanto, estendo a vocês o convite. O evento ocorrerá na terça-feira, dia 28 de junho de 2016, às 14 horas, na Câmara Municipal de Paracatu

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Onça exibida em evento da tocha olímpica tenta fugir e é abatida. Comitê Rio 2016 admite que errou.


A onça-pintada Juma foi exibida ao lado da Tocha Olímpica durante a passagem do símbolo por Manaus. O animal foi abatido com um tiro de pistola no Centro de Instrução de Guerra na Selva ao tentar escapar do local. Foto: Ivo Lima/Ministério do Esporte
 

O Comitê Organizador da Rio 2016 admitiu ontem (21) que errou ao permitir a exibição da onça Juma durante o evento da passagem da tocha olímpica em Manaus, ontem (20). Em nota, o comitê disse que o episódio não se repetirá.
“Erramos ao permitir que a Tocha Olímpica, símbolo da paz e da união entre povos, fosse exibida ao lado de um animal selvagem acorrentado. Essa cena contraria nossas crenças e valores. Estamos muito tristes com o desfecho que se deu após a passagem da tocha. Garantimos que não veremos mais situações assim nos Jogos Rio 2016”, diz o texto da organização, publicado no Twitter.
A onça-pintada foi abatida com um tiro de pistola no Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs), logo após ser exibida no evento e tentar escapar do local. O Cigs é administrado pelo Comando Militar da Amazônia. De acordo com coronel Luís Gustavo Evelyn, chefe da Comunicação Social do CMA, o zoológico da instituição é um mantenedor de animais silvestres referenciado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Segundo o Ministério da Defesa, Juma chegou a receber tranquilizantes, mas, ainda assim, atacou um soldado. Segundo os militares, o disparo de pistola contra o animal foi um procedimento de segurança.
“Como procedimento de segurança, visando a proteger a integridade física do militar e da equipe de tratadores, foi realizado um tiro de pistola no animal, que veio a falecer”, disse o CMA em nota. O Cigs abriu processo administrativo para apurar o caso.


A onça-pintada é o maior felino das Américas. Espécie emblemática das matas brasileiras, a onça é um animal silvestre ameaçado de extinção. Foto: Ivo Lima/Ministério do Esport
 

A morte de Juma tem causado comoção nas redes sociais. Em petição na internet, um grupo pede justiça pela morte do animal. “Juma foi retirada de seu habitat para servir de alegoria” para evento da Olimpíada, diz o abaixo-assinado. A mobilização viralizou nas redes sociais e já recolheu mais de 35 mil assinaturas até o fim da tarde de hoje. Com a hastag #Juma, milhares de brasileiros lamentam a morte da onça-pintada, espécie ameaçada de extinção.
O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) notificou o Comando Militar da Amazônia (CMA) pela morte do felino. Segundo a organização, a onça não poderia ser exibida em eventos sem autorização de órgãos ambientais. Em nota, o IPAAM diz que aguarda explicações sobre as circunstâncias do acidente. O CMA pode ser multado em R$ 5 mil.

(R$5 mil??? - Que absurdo!)

Da Agência Brasil, in EcoDebate, 22/06/2016

Publicado em junho 22, 2016 por 

terça-feira, 21 de junho de 2016

Número de ativistas ambientais assassinados sobe 59% em um ano; Brasil lidera lista

Redação | São Paulo - 20/06/2016 - 12h43
De acordo com relatório da ONG Global Witness, em 2015, 185 ativistas foram assassinados; Amazônia vive ‘violência sem precedentes’,


Um relatório divulgado nesta segunda-feira (20/06) pela organização não governamental Global Witness indica que 185 ativistas em defesa do meio ambiente foram assassinados em 2015, com o maior número de mortes concentrado no Brasil (50). Este número representa um aumento de 59% em relação ao ano anterior - o maior crescimento registrado pela ONG na história.

De acordo com o estudo "On Dangerous Ground" (“Em Terreno Perigoso”), mais de três pessoas foram mortas por semana por defenderem “suas terras, florestas e rios contra indústrias destrutivas”.

Quase 40% das vítimas de 2015 eram indígenas. Seus “fracos direitos sobre a terra e o isolamento geográfico”, segundo a ONG, fazem deles particularmente expostos à grilagem de terras e exploração de recursos naturais”. O país mais letal para defensores do meio ambiente foi o Brasil (50), seguido pelas Filipinas (33) e Colômbia (26).

Conflitos envolvendo atividades de mineração foram os que mais causaram mortes em 2015 – 42, segundo a ONG. Outros setores que contribuíram para obitos foram o agronegócio, hidrelétricas e madeireiras.

Assunto 'escapa da atenção'

Apesar da repercussão causada pela morte da ativista hondurenha Berta Cáceres em março deste ano, a organização afirma que o “assunto está escapando da atenção internacional”.

Segundo a entidade, os números “chocantes” são uma evidência de que o meio ambiente emerge como “um novo campo de batalha para os direitos humanos”. “Ao redor do mundo, a indústria vai entrando mais fundo dentro de cada novo território, impulsionada pela demanda de consumo de produtos como madeira, minerais e óleo de palma”, diz a ONG em um comunicado.

O texto também aponta que as comunidades locais “se encontram na linha de fogo de companhias privadas de segurança, forças do Estado e um florescente mercado de assassinos contratados”.

A entidade diz que, devido à ocorrência de muitos conflitos em locais remotos e de difícil acesso, é provável que o número de mortes seja ainda maior.

Violência 'sem precedentes' na Amazônia 

Ao abordar a situação brasileira, responsável por 27% dos óbitos, a ONG afirma que nos estados da Amazônia houve “violência sem precedentes em 2015, onde as comunidades estão sendo usurpadas por fazendas e plantações agrícolas ou quadrilhas de madeireiros ilegais”.

A ONG cita o assassinato do líder rural Antônio Izídio Pereira, morto no Maranhão em dezembro do ano passado. Segundo a entidade, seus apelos para receber proteção foram “ignorados”, apesar de ameaças de morte que vinha sofrendo. Além disso, a organização acusa a polícia de nunca ter investigado a morte de Pereira, que denunciava atividade madeireira ilegal no município de Vergel, a 50 quilômetros da cidade de Codó, no interior do Maranhão, onde residia.

De acordo com a Global Witness, 80% da madeira do Brasil é extraída de maneira ilegal, a qual representa 25% da madeira ilegal existente no mercado mundial. Para fazer frente à violência, a ONG pede que os governos dos países afetados aumentem a proteção dos ativistas ameaçados, investiguem os crimes e responsabilizem criminalmente os responsáveis pelas mortes.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Barbara G. Walker: o estupro nosso de cada dia, artigo de Amyra El Khalili

Publicado em junho 10, 2016 por 
Tags: sociedade

O estupro é como um castigo; é o nosso “mea culpa” por termos nascido mulher.

Por mais de 30 anos desenvolvi atividades de danças étnicas árabes com diversos grupos de mulheres, que se mesclavam por crenças, cor e região. Conhecida no Ocidente como sedutora, a dança do ventre, entre outras danças árabes, mexe com o imaginário masculino e, nos corpos femininos, provoca sensações e despertares.
O que parece ser deslumbrante entre os ritmos e o desenrolar de movimentos durante as rodas nos exercícios aplicados é, na verdade, uma regressão ao inconsciente da mulher pelos amores vivenciados, por suas expectativas e, especialmente, seus muitos sofrimentos.
Ao buscar o significado destas sensações no livro “A Velha – Mulher de idade, sabedoria e poder”, Walker revela o que existiu nas sociedades matriarcais e explica por que as mulheres são violentadas, humilhadas e estupradas por homens que se dizem apaixonados e atraídos por elas. A autora, feminista, detalha fatos históricos. Pesquisa minuciosamente as razões que fazem tantas mulheres serem vítimas da violenta agressão do estupro.
Desde sua capacidade de gerar vida até sua sabedoria esculpida na face com as rugas do tempo, esclarece por que o patriarcalismo tomou os espaços das poderosas matriarcas. O estupro parece ter sido o meio de as dominar e sobre elas exercer incontestavelmente seu poder.
A autora, em suas pesquisas, explora a face mais cruel da realidade humana. Mostra como as mulheres são excluídas das posições de destaque e como, os homens paridos e por elas criados, são capazes de as oprimir e massacrar, numa relação paradoxal de amor e ódio.
O estupro não se materializa apenas no ato propriamente dito. Vale-se de uma maneira mais letal e sutil: a palavra. Por ela, penetra sorrateiramente no inconsciente coletivo feminino e nele se aloja.
Os depoimentos de diversas mulheres durante as oficinas de dança revelam outras formas, não menos cruéis, como a abordagem que desqualifica o corpo, a estética, lhes rebaixa a moral e a dignidade. É evidente que a agressão física, como fato em si, é dolorosa; lamentavelmente, essa agressão, porém, não se limita ao aspecto físico. Nas rodas de danças há risadas, cantos, gritos, lamentos e choradeira. Quando a regressão encontra o ponto mais sensível do corpo, os sentimentos explodem e são compartilhados por todo o grupo. As mulheres se solidarizam, pois a dor de uma é a dor de todas reagem em grupo como que em defesa da “espécie”.
Combater a cultura do estupro exige de todas nós muito mais posicionamentos políticos, críticas e ações proativas. Exige sobretudo apoio dos homens, além de reconhecimento e tratamento dos agressores, para reverter seus traumas e suas experiências, para curar uma chaga tão profunda na história que faz deles monstros.
Identificar a doença, suas causas e suas consequências é o primeiro passo para superarmos esse mal, que causa tantas vítimas e nos faz sentir culpadas por termos nascido mulher.
Referências:
WALKER, Barbara G.A Velha – Mulher de idade, sabedoria e poder
Tradução: Dinah de Abreu Azevedo. A Senhora Editora. 2001.
http://www.asenhoraeditora.com.br/catalogo.html#velha
EL KHALILI, Amyra. “Dança, Identidade e Guerra”. Carta Maior, 2009.
http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=4066
Assista: “Dança, Identidade e Guerra”. Movimento Mulheres pela P@Z!
http://br.youtube.com/watch?v=E2ZutMOzRPA
Amyra El Khalili é Fundadora do Movimento Mulheres pela P@Z! . Ministra a oficina de danças étnica árabes “Dança pela Água em missão de Paz” no Brasil e no exterior.

in EcoDebate, 10/06/2016

"Barbara G. Walker: o estupro nosso de cada dia, artigo de Amyra El Khalili," in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 10/06/2016,https://www.ecodebate.com.br/2016/06/10/67532/.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Em memória de Walderez Porto Gonçalves


Quando procuro palavras para reverenciar Walderez, não as encontro à altura de Quem É esta alma generosa e meiga. Desde o seu falecimento, ocorrido em 26 de maio passado, venho relendo minha vida ao lado dela, pequenas coisas do cotidiano que agora revelam significados transcendentes, muito além daquilo que fui capaz de perceber. A dor da separação vai, aos poucos, se transformando em gratidão e descortinando o grande amor que nos uniu para sempre.
Um desejo manifestado por Walderez foi realizado com sua partida inesperada: ela tinha horror de ser vista como uma pessoa incapaz, triste e dependente... de ser vista como velha. Senhora de uma saúde invejável, conservou a jovialidade e a altivez que todos admiravam. Assim, afora as qualidades de espírito que a distinguiram, as lembranças que conservaremos dela são o timbre de voz bonito e firme, o sorriso franco, o semblante vivo no tempo e brilhante no estilo... sua elegância!
Durante nossa convivência, escutei muitas histórias que ela me narrou de sua vida e o que me impressionava é que as suas qualidades eram natas. Obviamente, elas evoluíram com sua experiência nesta vida, mas ela não precisou, como eu precisei e preciso, lutar contra más inclinações e se esforçar duramente para conquistar valores espirituais. Longe de mim, neste momento, querer traçar o perfil de uma criatura perfeita, mas quero, sim, destacar a sua importância na minha vida e na vida de tantas pessoas que se beneficiaram de sua presença. Um grande número dessas já nos procurou para registrar gratidão pelos favores e carinhos recebidos; expressões singelas de reconhecimento ao Amor de Deus que Walderez soube distribuir à mão cheia.
Vou repetir aqui o que disse na Missa do 7º Dia celebrada em sua intenção, porque são pensamentos que me tomaram assim que me dei conta da perda que sofri, lembranças que nos mostram bem claro a qualidade de sua alma.
Nos primeiros anos de nossa união, tínhamos grandes dificuldades materiais e muitas coisas a resolver a respeito da escola que criamos. Estávamos caminhando apressados no centro de Belo Horizonte, a calçada apinhada de transeuntes, quando parou à nossa frente um pedinte. Eu imediatamente o contornei, mas a Walderez ficou ali parada diante do mendigo e teve com ele um diálogo mais ou menos assim: “Você me desculpa, moço, eu gostaria muito de dar alguma coisa a você, mas não tenho nenhum centavo na bolsa”. Ao que ele respondeu: “Não tem importância minha senhora. Deus te abençoe mesmo assim.”
Este episódio, aparentemente banal, não foi um caso isolado, mas para mim é uma lembrança muito viva e recorrente pela consternação expressada no semblante de Walderez, quando não pode atender a quem precisava. Diante daquele quadro – Walderez e eu na frente do mendigo – qual dos dois espelhou a imagem de Cristo? Eu ou Walderez? Aquele que passou indiferente, ou aquela que expressou compaixão? Não tínhamos dinheiro, é verdade, mas ela tinha sincera compaixão para dar.
Ah, quantas vezes eu caçoei dela por pedir desculpas a mendigos por ter pouco ou nenhum dinheiro para dar! Walderez e eu caminhamos lado a lado durante 28 anos, e Deus nos colocou juntos para aprendermos um com o outro – criaturas tão diferentes, um ensinando o outro. A Walderez ensinei coisas do mundo material. Quando a conheci, ela tinha uma escola de inglês – o New Way -, onde, exceto três alunos, todos estudavam de graça. Sim, ela alugava uma sala no centro da cidade, tinha contas a pagar, uma família com três filhas e sua mãe Dona Rosa para sustentar com seu salário de professora pública..., mas ensinava de graça. Então, posso dizer que eu a ajudei a dar um rumo profissional ao seu empreendimento, quando Deus nos uniu através de um sonho comum, que se realizou apoiado em nosso amor e cumplicidade.
Por outro lado, Walderez me ensinou coisas espirituais, eu que tanto preciso dessas lições. Não lições de belas doutrinas, que agradam o intelecto, mas não envolvem a alma; foram lições de amor, tolerância e compaixão, ministradas com sua delicadeza, bom humor, alegria, entusiasmo e paixão pelo que fazia. Não ficarei carente de suas lições, continuarei aprendendo com elas!
Meus amigos, o coração me diz que se a Walderez pudesse falar aqui, ela diria assim: “Cada momento de nossa vida é único e por isso temos de desfrutá-lo como um instante sagrado criado por Deus para que possamos expressar o MELHOR daquilo que somos. Gestos de delicadeza, palavras incentivadoras, atenção carinhosa com as pessoas, semeando paz e compaixão a todas as criaturas...” Sim, acredito que ela falaria isto, porque foi assim que viveu entre nós.
Walderez era uma criatura frágil para a vida num mundo grosseiro e conflituoso – ela se calava quando era confrontada; mas, ao mesmo tempo, era de uma fortaleza imensa para enfrentá-lo, porque não travava suas lutas neste plano material, mas no plano espiritual. Testemunhei nos últimos anos o seu esforço para expressar o melhor de si, um esforço nem sempre compreendido, porque suas decisões não eram tomadas sob os ditames do mundo material. É por isso que ela agora é acolhida na vida espiritual como uma grande vitoriosa.
O seu falecimento repentino nos lembra a fragilidade da existência neste mundo e como é forte e eterna a vida espiritual.
Graças a Deus! Salve Jesus!