Blog do Professor Márcio

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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A Busca da Felicidade - O Caminho do Meio (3ª Parte)

Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas como o mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo (...)


Os versos em epígrafe são do compositor Nelson Motta, os quais foram musicados por Lulu Santos na canção "Como uma onda". Coloquei-os aqui para mostrar como os conceitos budistas estão se disseminando e passam a fazer parte da nossa maneira de ver o mundo.

Sim, tudo passa! Até mesmo o mais cruel sofrimento. A Cessação do Sofrimento é a Terceira Nobre Verdade do Budismo, conseguida pela erradicação de todas as formas de desejo, levando ao Nirvana.

O Nirvana, que pode ser traduzido como “estar liberto”, é realizado pela completa renúncia: renúncia aos objetos exteriores e renúncia interna às ligações com o mundo exterior. É a aniquilação da ilusão do eu pessoal de separatividade, extinção dos apegos, afeições para consigo mesmo e sede de desejos que envolvem e suportam essa ilusão. Para destruir a ilusão é preciso eliminar o desejo e destruir o “ser”, que é impermanente, efêmero, nascido da ilusão.

SERMÃO DE BUDA SOBRE O QUE É O “SER”

"Esse desejo, essa sede, essa vontade, essa cobiça, que têm por objeto o corpo, que estão enraizados no corpo e solidamente enraizados nele, constituem o ser.

Imaginai meninos ou meninas que se divertem a erguer castelos de areia. Enquanto eles não deixam de ter desejos, vontade, cobiça ou uma paixão ardente por estes pequenos castelos de areia, eles os querem, divertem-se com eles, têm-nos em grande apreço e são ciosos deles.

Mas, desde que estes meninos, ou estas meninas, deixem de ter desejo, vontade, cobiça ou paixão ardente por estes pequenos castelos de areia, ali mesmo os desmantelam com os pés e com as mãos, os derrubam e põem abaixo, sem lhes encontrar o menor atrativo
".


"Só quando compreendermos que tudo no Universo é impermanente, efêmero, uma cadeia de causas e efeitos sem realidade substancial, e que tudo aquilo que julgamos ser eu é apenas um agregado impermanente, efêmero, não-real, só então a compreensão da unidade do todo se dá e, com isso o dissipar da ilusão. Assim, a realidade permanente existe, não porém, na base do nosso eu, onde a procurávamos, nas formas individualizadas, pelo nosso ponto de vista ilusório. Quando esse erro se dissipa e os falsos desejos dele oriundos se extinguem, o permanente se revela, é o Nirvana".

Aos olhos do Buda, a procura do Nirvana é semelhante à ação de vigiar dia e noite, é o estado de permanente Plena Atenção. O sofrimento surge por causa do desejo ardente, da “sede”, e cessa devido à Sabedoria. Mas Buda afirma: “Se tua conduta foi caridosa e pura, então na plenitude da alegria terás posto termo ao sofrimento”.

Do nosso ponto de vista cristão, alcançar o Nirvana é análogo a alcançar o céu. Entretanto, para alcançar o Nirvana não é necessária a morte do corpo. Também de modo distinto do Céu, o Nirvana não é uma condição negativa ou positiva. "As noções de “negativo” e “positivo” são relativas e pertencem ao domínio da dualidade. O Nirvana está além do pensamento de dualidade e de relatividade; portanto, está fora das nossas concepções do bem e do mal, do justo e do injusto, da existência e da não-existência. Mesmo a palavra “felicidade”, usada para descrever o Nirvana, tem um sentido completamente diferente".

Aquele que realizou esta Verdade – Cessação do Sofrimento ou Nirvana – é o mais feliz dos seres. "Sua saúde mental é perfeita, não se arrepende do passado, nem se preocupa com o futuro; vive o momento presente, está livre da ignorância, dos desejos egoístas, do ódio, da vaidade, do orgulho, livre das dificuldades e dos problemas que atormentam os outros. Torna-se um ser puro, meigo, cheio de amor universal, compaixão, bondade, simpatia, compreensão e tolerância. Presta serviço aos outros com a maior pureza, pois não pensa egocentricamente, não procura o lucro, nem acumula coisa alguma; nem os bens espirituais, porque está livre da ilusão do “eu”, da sede e do desejo de vir-a-ser".

O Buda disse:
Naquele que é caridoso, a virtude crescerá. Naquele que se domina a si próprio, nenhuma cólera pode aparecer. O homem justo rejeita toda maldade. Pela extirpação da concupiscência, do ódio e de toda ilusão, tu atingirás o Nirvana”.

Não há como descrever o Nirvana porque não há como compará-lo a qualquer experiência mundana e não há nada que possa ser usado para fornecer uma analogia satisfatória.

Descobrindo-se a Verdade da Cessação do Sofrimento, todas as forças que produzem a continuidade da roda da existência se acalmam, tornam-se incapazes de produzir novas formações cármicas, pois não há mais ilusão, nem sede de desejo para manter a continuidade. Então, será possível experimentar o Nirvana seguindo o caminho com paciência e aplicação, exercitando-se e purificando-se para alcançar o desenvolvimento espiritual necessário.

Esta Terceira Nobre Verdade será melhor compreendida pelo conhecimento da Quarta Nobre Verdade – O Caminho que leva à Cessação do Sofrimento. Será nossa próxima postagem.


Texto baseado em:

SILVA, Georges da & HOMENKO, Rita. Budismo: Psicologia do Autoconhecimento. São Paulo: Ed. Pensamento, 1990.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Tiradentes

Há muitos anos que eu acalentava o desejo de viajar de trem, saudade de um passado distante na velha Estrada de Ferro Leopoldina. Minha idéia era fazer a viagem de Belo Horizonte a Vitória, então fui à Praça da Estação, em BH, e lá procurei o guichê da Vale do Rio Doce. Quinta-feira e os bilhetes já estavam esgotados até sábado! Era véspera de um fim de semana prolongado pelo feriado da Independência, de maneira que a viagem só seria possível no domingo. Fiquei por ali uma meia hora, vacilando se compraria ou não a passagem: a viagem é demorada, cerca de 14 horas, ainda teria a volta e isto não compensaria se eu não ficasse em Vitória pelo menos uns dois dias. Tomei a decisão de pensar no assunto até mais tarde, primeiro iria verificar se haveria uma alternativa

Pela Internet achei a solução (santa Internet!): uma pequena viagem numa locomotiva de museu, daquelas que a gente vê em filme de faroeste, que vai de São João del Rei a Tiradentes. A troca, à primeira vista, não tem cabimento: o trem BH-Vitória é moderno, com duas classes de passagens, onde se pode optar por vagão com ar condicionado, uma longa viagem passando por muitas cidades;
a Maria Fumaça é uma locomotiva à vapor de 1890, e a viagem pra lá e pra cá dura apenas uma hora e vinte minutos. Mas o que pesou na balança para que eu ficasse com a Maria Fumaça é que eu poderia convidar meus filhos para o passeio, e aí qualquer um concordaria comigo que o melhor de qualquer passeio é a companhia que a gente tem.

A Estação Ferroviária de São João del Rei é primorosa, guarda os traços antigos, mas tem ar de museu, com recepcionistas sorridentes, bons sanitários, uma coleção de locomotivas à vapor e um vagão onde os saudosistas podem tirar fotos de época. Você aluga uma indumentária completa do Século XVIII e fica vestido à caráter, seja homem ou mulher. Então os “retratistas” tiram de você uma foto envelhecida e fica como se você tivesse entrado numa máquina do tempo, de volta ao passado colonial.

Lá estávamos a Janine e o Diogo - meus filhos; a Simone - minha nora, e meus netos Iasmin e Gabriel.
Não sei quem estava mais alegre, se avô ou netos, porque embora sejam as crianças que mais saboreiam os momentos da vida, para mim era um retorno à infância, e eu estava experimentando as mesmas emoções dos momentos mágicos que marcaram minhas viagens de trem. Aguardando a partida, enquanto tirávamos fotos, eu prestava atenção a cada detalhe: as cadeiras reversíveis, o toque do sino, o vendedor de doces, uma linda negra vendendo pirulitos. O apito do fiscal deu o sinal de partida, logo veio o cobrador de bilhetes, os sacolejos ritmados enquanto a máquina seguiu fazendo “café com pão, manteiga não, café com pão, manteiga não”.

O vale do Rio das Mortes, por onde o trem serpenteia entre São João del Rei e Tiradentes, tem uma feição estranha.
A exploração do ouro contido nos leitos de cascalho deixou uma série de monturos entremeados por buracos, marcas perpétuas na paisagem. Os monturos estão hoje cobertos por uma relva baixa e rala, enquanto nos buracos formaram-se pequenas lagoas. Isto se remete ao ciclo do ouro, quando centenas de aventureiros e seus milhares de escravos escavaram os depósitos auríferos, deixando para trás desolação e generalizada contaminação ambiental.

Levanto os olhos e contemplo a Serra de São José, extenso e íngreme paredão de quartizito, donde o ouro migrou junto com o cascalho para se depositar no fundo do vale.
Tiradentes, logo abaixo, foi um dos locais onde mais se produziu ouro de superfície no Brasil. Meu pensamento traz a lembrança de Tiradentes – o homem, e tento imaginá-lo andando à cavalo nas trilhas que levavam até ao arraial que, então, era conhecido como Santo Antônio da Ponta do Morro. Veio-me uma profunda compaixão por aquele sonhador, que morreu como bandido, condenado pelos portugueses. Se naqueles tempos seus próprios compatriotas se envergonhavam dele e seu nome foi logo esquecido, hoje três cidades disputam ser o berço de seu nascimento. Afinal, a República transformou o bandido em herói, aí todos querem se identificar com ele, ganhou estátuas e admiradores, pois em todos os tempos a hipocrisia continua sendo a marca dos oportunistas.

Os apitos da Maria Fumaça me tiram do passado, avisando-nos que estamos chegando à Estação de Tiradentes. Estico o pescoço sobre a janela do trem para ver a aglomeração de pessoas que esperam sorridentes a nossa chegada, mas não enxergamos a cidade, oculta do outro lado da ponte sobre o Rio das Mortes.

Durante vários dias fiquei pensando numa palavra que descrevesse a cidadezinha de Tiradentes, uma palavra que ninguém ainda tivesse dito sobre ela. Vasculhei na Internet muitas páginas sobre Tiradentes – a cidade – e vi que não sobrou uma palavra assim, de maneira que só posso dizer aquela que, para mim, melhor a descreve: encantadora! Uma jóia do Século XVIII que escapou da destruição e da descaracterização que atingiram nossas cidades coloniais. Quem conhece de perto o que aconteceu com Paracatu acaba se surpreendendo com uma cidade que, mesmo intensamente explorada pelo turismo, ainda se preserva como uma relíquia barroca.

O centro da cidade fica a uns mil metros da estação, o sol estava quente, então resolvemos fazer o trecho em uma charrete. Iasmin, fã número 1 da Barbie, ficou encantada com a nossa charrete cor de rosa. Passando sobre um calçamento irregular de pedras, fomos até uma praça que talvez seja o maior estacionamento de charretes do Brasil.
Nunca vi tanta charrete, parece ser um bom negócio levar turistas morro acima, sacolejando entre os vãos do calçamento. Ali tudo é voltado para o turismo, todas as casas foram transformadas em pontos de comércio, vendendo artesanato ou comida.

As belezas de Tiradentes estão bem documentadas em vários sítios na Internet, de maneira que vou aqui apenas fazer referência ao artesanato mais diversificado e bonito que vi até hoje, coisas de estanho, madeira, prata, palha, tecidos, ferro, tudo do mais fino gosto; também os doces artesanais, que só as cozinheiras mineiras sabem fazer bem, restaurantes para todos os gostos e, se você tiver tempo, as capelas e museus.


A minha turma estava com fome, então fomos atrás de um restaurante. Pedimos referência a três carroceiros e todos nos indicaram o mesmo – Divino Sabor -, segundo eles o melhor e o mais “em conta”. Filosofia de mineiro: “em conta”. Pois é pra lá que fomos, comer frango com ora-pro-nóbis, jiló, angu e lingüiça caseira. Bem, isto comi eu, já que a minha turma, geração Mcdonalds, foi mesmo de batatinha frita e acompanhamento.

Estava acontecendo uma feira de artesanato, promovida pelo Governo de Minas, com expositores de muitas cidades, tinha banca até de índios e de peruanos (pode acreditar!). Andamos por lá comprando pouco, porque é tanta coisa que a gente fica em dúvida e desiste. Circulamos nas ruas próximas e aí chegou a hora de ir embora, pois o último trem volta para São João del Rei às cinco da tarde. Ficou a sensação de que conheci pouco da cidade e que um dia ainda voltarei para caminhar nas ruas íngremes, conversar com as pessoas do lugar e apreciar a cidade numa tarde calma, sem tantos turistas.


Novamente dentro da Maria Fumaça, constatei que todos estávamos felizes com o passeio. O sol já se escondera por detrás da serra e a tarde ia se fazendo noite quando o trem entrou barulhento em São João del Rei, as pessoas da cidade paradas nas calçadas nos vendo passar, crianças acenando e a gente acenando de volta, feito criança, o maquinista tocando o apito furiosamente, fazendo festa para a nossa chegada.

Como é bela a felicidade quando ela é compartilhada!

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Oração

"Ore como se tudo dependesse de Deus;
trabalhe como se tudo dependesse do homem.
"

Cardeal Francis Spellman

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Seguindo adiante

O importante é estar pronto, a qualquer momento, a sacrificar aquilo que somos em favor daquilo que podemos vir a ser.
Charles Dubois

domingo, 18 de outubro de 2009

A Busca da Felicidade - O Caminho do Meio (2ª Parte)

A Segunda Nobre Verdade é a Causa ou Origem do Sofrimento, que nos possibilita conhecer a desarmonia entre o nosso eu ilusório e a realidade. Esta Verdade nos ensina que o sofrimento, a existência, o eterno vir-a-ser é produzido pelo desejo, ânsia, sede ardente de satisfazer todas as formas de desejos ligados aos nossos sentidos, que continuadamente procuram novas satisfações.

Embora o pensamento, sob a forma de desejo e ânsia em todos os seus aspectos, seja uma força criadora e perpetue a vida, essa avidez dá origem a todas as formas de sofrimento. Porém não devemos considerar o desejo como sendo a primeira causa; segundo o Budismo, não existe uma causa primeira; tudo é relativo e interdependente. O desejo depende, para o seu surgimento, de uma outra coisa, que é a sensação; e o aparecimento da sensação depende, por sua vez, do contato e, assim por diante, gira a roda da existência.

Deste modo, o desejo é a causa imediata, a causa principal que nossa mente pode conceber. Lembramos nesta síntese que o desejo tem por base a falsa idéia de um “eu” (eu pessoal), que surge da ignorância que mantém nossa aparente personalidade. A palavra “sede” compreende não somente o desejo e o apego aos prazeres dos sentidos, à riqueza e ao poder, como também às idéias, opiniões, teorias, concepções e crenças. Segundo a análise feita por Buda, todas as infelicidades, todos os conflitos do mundo, desde as pequenas discussões de família até as grandes guerras entre nações, têm suas raízes nessa sede de desejo.

Vejamos um dos sermões do Buda sobre o desejo:

"Feliz realmente é aquele que consegue satisfazer os desejos do seu coração. Mas quando não o consegue, o que então experimenta é a dor, como quando se é ferido por uma flecha. Aquele que se acautela contra os prazeres dos sentidos, assim como faria para não pisar numa cobra, como fruto mesmo da permanente vigilância, evita o perigo dos desejos que possam ter conseqüências indesejáveis. Quem está sempre dominado pelos ardentes desejos de posse, terrenos, fazendas, ouro, gado, criados, mulheres, parentes etc., será finalmente derrotado pelos problemas e soçobrará, assim como o barco fendido quando invadido pelas águas.

Permanecei vós, portanto, sempre em vigilância, evitando os prazeres dos sentidos e libertando-vos do desejo. Aliviando, pois, o barco de toda carga inútil, atravessai então a correnteza e atingi a segurança da outra margem – Nirvana".


Segundo o Budismo, o ser é uma combinação de forças ou energias físicas e mentais em fluxo constante. O que chamamos de morte é somente a parada completa do funcionamento do corpo físico. Mas a vontade, o desejo, a sede de existir, de continuar, de vir-a-ser constituem a maior força existente que anima todas as vidas, todas as existências, o mundo inteiro. Essa força não se detém com a morte, continua manifestando-se sob outra forma, produzindo uma nova vida chamada renascimento. Se a morte fosse o fim da causalidade, isto é, das causas e efeitos que caracterizam a vida do eu, ela se confundiria com a libertação.

O desejo se encontra no agregado das formações mentais; portanto, a causa, o germe do sofrimento encontra-se na própria mente do indivíduo que sofre, ainda que a causa pareça vir do exterior. É fácil admitir que todos os sofrimentos são causados pelo desejo egoísta. Mas como esse desejo, essa “sede” pode produzir a re-existência e o eterno vir-a-ser? Para isto é necessário compreender o aspecto filosófico da teoria do Carma e do Renascimento, que constitui um dos princípios fundamentais da doutrina budista.

Na teoria budista, carma expressa unicamente a ação da vontade, boa ou má, consciente ou inconsciente. Cada ação da vontade produz seus efeitos, resultados, ou frutos. Um bom carma, ou uma boa ação, produz bons efeitos; um mau carma, ou má ação, consequentemente, produzirá maus efeitos. O desejo, o querer, o carma, bom ou mau, tem por efeito uma só força, a força de continuar numa direção boa ou má.

No Budismo, a teoria do carma é uma teoria de causas e efeitos, de ação e de reação. Pela vontade o homem age com o corpo, a palavra e a mente. Os desejos geram ações; as ações produzem resultados; os resultados trazem novos desejos, e assim sucessivamente. Este processo de causa e efeito, ação e reação exprime uma lei natural que nada tem a ver com a idéia de uma justiça retributiva (não há o conceito de pecado), de recompensa ou punição decretada por um Ser Supremo.

O carma abrange tanto a ação passada quanto a presente. Portanto, num sentido, somos o resultado do que fomos e seremos o resultado do que somos. Conforme semeamos, colhemos nesta vida, ou num futuro renascimento. O que colhemos hoje foi aquilo que semeamos, tanto no passado como no presente. Carma, em si mesmo, é uma lei que opera no seu próprio campo de ação. As nossas ações passadas, cujos efeitos chamamos, hoje, nosso destino, influenciam o nosso presente, mas possuímos livre arbítrio completo e total, plena liberdade de ação.

O carma do passado condiciona o atual nascimento e o atual carma, e o livre arbítrio condiciona o futuro. A realidade do presente dispensa provas, pois é evidente por si mesma. O passado é baseado na memória e na referência, e o futuro na reflexão e na dedução.

A mente é o fator que ativa a vida, e os corpos físicos dos seres vivos são somente o resultado material de forças mentais anteriores que foram geradas em vidas passadas. O Buda disse: “A mente antecede todos os fenômenos; a mente os domina e cria”.

A força invisível gerada pela mente, quando ela é liberta do corpo e projetada para além da morte, agarra-se aos elementos do mundo material e deles molda uma nova forma de vida. Esta força mental gerada pode ser comparada à lei da gravidade que opera sobre os corpos materiais, sem qualquer agente material de conexão; assim também é o caso da energia mental que anima os seres vivos.

Esse processo é inseparável do processo paralelo de renascimento, porque o renascimento não é a reencarnação de uma “alma” depois da morte, mais precisamente, é a continuação da corrente de causa e efeito, de uma vida para outra. O que chamamos vida é uma combinação de energias físicas e mentais que mudam incessantemente. Consequentemente, durante a vida nascemos e morremos a cada instante, no entanto, continuamos a existir. É como se a chama de uma vela, que não é sempre a mesma, nem tampouco outra.

Quando o corpo físico não é mais capaz de funcionar, as energias mentais não morrem com ele, mas continuam a se manifestar sob outra forma que nós chamamos uma outra vida, persistindo o impulso para prosseguir na luta para uma outra existência. Nossas ações não são perdidas, mesmo depois da morte. Após a dissolução do corpo, nossa atuação continuará produzindo seus frutos. Em conseqüência da causação gerada no transcurso de uma existência, um novo ser renascerá futuramente, em qualquer parte, para continuação desta causação. Um novo ser, que é novo apenas num certo sentido, mas que é o mesmo no sentido cármico. A identidade da personalidade é dada pela continuidade; é uma continuidade semelhante àquela graças à qual identificamos um rio como entidade, muito embora a água que o constitui se renove sem cessar. A continuidade cármica é o rio de ação que constitui o indivíduo e o identifica. Há apenas continuidade de carma.

Assim, o renascimento não tem o sentido da imortalidade, mas apenas o de uma simples continuidade dentro da mutabilidade. Quando uma chama acende outra, nada transmigrou. Exatamente como a passagem da chama de uma vela, para o advento de uma chama em outra vela, é a passagem do carma, do corpo já imprestável pela morte, para um novo agregado material, adequado à continuação do processo do eu.

Como já aprendemos, tudo que tem por natureza surgir, da mesma forma tem por natureza cessar. Isto nos leva à terceira parte do Caminho do Meio - Cessação do Sofrimento da Existência -, que constitui a Terceira Nobre Verdade, nossa próxima postagem.

Texto baseado na obra de:
- SILVA, Georges da & HOMENKO, Rita. Budismo: Psicologia do Autoconhecimento. São Paulo: Ed. Pensamento, 1990.

Pense nisso

É preciso se desapegar do mundo. Usar as coisas que estão no mundo sem se submeter a elas. Somos todos imortais, espíritos, filhos da vida, de Deus. Coisas passageiras não fazem parte do que é eterno, e o que é eterno não pode ficar preso àquilo que é passageiro.

ARUANDA,Pai João de (espírito). Sabedoria de Preto Velho. [psicografado por] Robson Pinheiro. Contagem: Casa dos Espírtos Editora, 2003.