Blog do Professor Márcio

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domingo, 27 de março de 2011

Agronegócios com Agrotóxicos: produzir a qualquer custo?

Olá, caros amigos do cerrado, onde se produz soja e outros grãos em abundância, para engordar porco na China e alimentar vacas leiteiras na Europa: é bom dar uma espiada nos links abaixo!

Primeiro, temos uma entrevista com a pesquisadora Danielly Palma, que descobriu veneno no leite materno em 62 mães, na cidade de Lucas do Rio Verde - MT. Trata-se de um achado assustador do impacto dos agrotóxicos na saúde humana. Para ler a entrevista de Danielly, CLIQUE AQUI.

Outra entrevista importante é de Raquel Rigotto, professora e pesquisadora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Coordenadora do Núcleo Tramas – Trabalho, Meio Ambiente e Saúde, Raquel contesta o modelo de desenvolvimento agrícola adotado pelo Brasil e prevê que para as populações locais restará a “herança maldita” do agronegócio: doenças e terra degradada. Para ler a entrevista CLIQUE AQUI.

Angra 2: Usina de confusões

Governo demite toda a diretoria da CNEN após descobrir que reatores atômicos operam sem licenças e que Angra 2 não tem autorização definitiva para operar.
Por: Claudio Dantas Sequeira

Há exatamente uma semana chegou à mesa do ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, um relatório explosivo contra membros da cúpula do programa nuclear brasileiro.

Com base nas denúncias do documento assinado pelas associações de servidores dos principais órgãos ligados ao programa (a CNEN e o IPEN), Mercadante pediu uma imediata investigação interna. Em poucos dias convenceu-se de que a situação era, de fato, grave e decidiu agir.

A primeira medida será a demissão do presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Odair Dias Gonçalves, e de toda a direção do órgão. Gonçalves é responsabilizado, dentre outras coisas, pelo atraso no licenciamento da usina de Caitité que paralisou a extração de urânio e obrigou o Brasil a comprar 220 toneladas do minério no Exterior, ao custo de R$ 40 milhões.

Para Mercadante, trata-se de um constrangimento, já que o País detém uma das maiores reservas de urânio do mundo. Caetité, no entanto, é apenas a ponta de um enrolado novelo que se tornou o programa nuclear. Mercadante ficou chocado ao saber que quatro reatores nucleares utilizados para pesquisa funcionam sem licença em três campi universitários.

Acima, Imagem de Angra 2

O processo de certificação desses reatores foi engavetado pelo presidente da CNEN e por seu diretor de Radioproteção e Segurança Nuclear, Laércio Vinhas. "Dá muito trabalho e os reatores estão muito bem", teria dito Odair Gonçalves, segundo relato de funcionários. Gonçalves nega. "Nosso pessoal está sobrecarregado", justifica.

Mas a gota d'água, para Mercadante, foi saber que Angra 2 opera há mais de uma década sem a "autorização de operação permanente". Além das questões técnicas, há críticas sobre o suposto excesso de viagens internacionais de Gonçalves e de nomeações de amigos para cargos de chefia. Seria o caso da física Maria Cristina Lourenço, que chefia a área internacional da CNEN e acompanhou Gonçalves em 11 das 14 viagens que ele fez em 2010. Odair Dias Gonçalves está à frente da CNEN desde 2003.

Nesse período, entrou em choque com autoridades do setor e com o corpo de fiscais nucleares. Nem o Itamaraty o tolera e pouco fez em defesa de sua candidatura para cargos na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Foram três tentativas frustradas em 2010. "É um caso raro de unanimidade às avessas", afirma um assessor de Mercadante.

No final do ano passado, Gonçalves filiou-se ao PT. Mas nega interesse na carreira política.

Obtido em: http://www.istoe.com.br/reportagens/130253_USINA+DE+CONFUSOES

Palavras-chave: energia nuclear; Angra 2; CNEN; Eletronuclear.

sábado, 19 de março de 2011

Paracatu versus Kinross diante da lei

Na audiência pública realizada em Paracatu em 17/03/2011, convocada pela Assembléia Legislativa de MG, entreguei à mesa diretora uma manifestação em que questionei a legalidade do empreendimento da Kinross, que opera a mina de ouro à céu aberto junto à zona urbana desta cidade. Passo aos leitores do blog o texto dessa manifestação.


"Quando a RPM implantou seu empreendimento em Paracatu ela foi recebida de braços abertos, com raras contestações, nenhuma delas baseada em perigos ambientais. Isto aconteceu porque a empresa, nos seus processos de licenciamento e na sua comunicação social, escondeu os perigos do empreendimento.

Os órgãos licenciadores não questionaram o projeto, o que seria um dever. Pior ainda, à empresa foi concedido o auto-monitoramento, que nunca foi acompanhado por quem tinha a obrigação de fiscalizar. Prova disso é que os relatórios da Rio Tinto, divulgados abertamente em 2004, apontavam índices elevados de cianeto e arsênio na poeira fugitiva da mina do Morro do Ouro, e esse fato foi ignorado pelos órgãos licenciadores.

As relações da empresa com a sociedade paracatuense começaram a se desgastar a partir de 2007, com a denúncia de ativistas ambientais de Paracatu da gigantesca mobilização de arsênio e metais pesados no minério beneficiado, com o agravante de a empresa negar este fato.

Sempre que se fala no arsênio a empresa se cala. Ela negou, em Audiência Pública, a presença do arsênio na poeira da mina; omitiu o risco do arsênio nos processos de licenciamento e não fez avaliação de risco da mobilização do arsênio na lavra e no beneficiamento do minério.

A empresa sempre afirma que cumpre a lei, e também fazem coro a esta afirmação o Ministério Público e até mesmo alguns ativistas ambientais. Quem se disponha a fazer uma leitura completa dos processos de licenciamento ambiental da Rio Paracatu Mineração, desde quando pertencia à Rio Tinto Brasil, vai constatar a omissão do arsênio como fator de risco e a omissão de qualquer referência ao gerenciamento ambiental desse perigoso elemento. Este fato, quando examinado à luz das exigências legais, que impõem ao empreendedor informar todos os elementos de risco ambiental, demonstra que a empresa deixou de cumprir a lei desde antes de iniciar suas operações. E se ela obteve a chancela do órgão fiscalizador, que aceitou o Estudo de Impacto Ambiental sem se deter na sua análise, só nos prova a fragilidade dos processos de licenciamento, e não o cumprimento da lei.

A omissão, no licenciamento, da mobilização do arsênio, inclusive com a geração de óxidos de arsênio, produto altamente tóxico, foi intencional. Se apontado o problema e realizada uma avaliação de risco, o empreendimento da Kinross poderia ser considerado inviável ambientalmente, pelo perigo de contaminação da região de Paracatu e da Bacia do Rio São Francisco.

Toda atividade humana gera risco em algum grau. Não existe vida sem risco. A questão, quando um empreendimento gera risco de alto grau para uma sociedade é saber se o risco é aceitável. Saber se o risco é aceitável não na visão do empreendedor, mas na visão das pessoas atingidas pelo empreendimento. Para isto, é necessário que as pessoas tenham consciência do risco, que os debates sejam abertos e as informações transparentes; então, a sociedade poderá dizer se aceita ou não esse risco. Para este fim foi criado o instrumento da Audiência Pública.

Que seja bem claro que não estamos falando, no caso da Kinross, de incertezas sobre a existência de riscos, mas de riscos reais, que podem levar à morte prematura e à degeneração da qualidade de vida. Um risco ambientalmente e moralmente inaceitável, imposto à população, que sequer tinha conhecimento dele.

No meu entender, as ações que deveriam ser efetivadas para garantir a vida e a qualidade de vida da população seriam (1) a revisão dos processos de licenciamento do empreendimento da Kinross, porque são viciados de origem, e (2) a realização de avaliação de risco ambiental por instituição pública competente, para que sejam definidas ações posteriores baseadas na precaução e na prevenção."

Palavras-chave: Paracatu; Kinross; arsênio; ouro; meio ambiente; licenciamento.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Paracatu: audiência pública para discutir o impacto ambiental da Kinross

Na quinta-feira (17 de março de 2011), a Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembléia Legislativa de MG esteve em Paracatu para realizar audiência pública sobre o impacto ambiental da mineração de ouro a céu aberto. A seguir, tecerei algumas observações sobre esse evento.

A primeira observação é sobre o modelo de audiência pública que teima em repetir o modelo social excludente. A audiência, marcada para as 13 horas, iniciou-se às 13:20, uma boa pontualidade para quem conhece os hábitos da cidade. Foi aberta e presidida pelo deputado estadual Almir Paraca, um político de raiz paracatuense. A mesa não cabia de tantas autoridades do executivo, legislativo, judiciário, mineradora Kinross, clero e dois representantes do ativismo ambiental; além desses, um plenário com outras tantas autoridades. O público era bem diversificado, muitas pessoas idosas, grupos oriundos dos bairros periféricos à mina, profissionais liberais, comerciários e um bom número de funcionários uniformizados da Kinross.

As autoridades da mesa discursaram durante umas 3 horas, e houve boas falas, é preciso que se diga. Só após os pronunciamentos das autoridades da mesa o presidente da audiência abriu a palavra às autoridades do plenário, que falariam intercaladamente com o tal “público”, ao qual foi concedido um tempo de 3 minutos por orador inscrito. Naquele momento, a metade do público já se cansara e fora embora. Com a metade das cadeiras vazias, 3 minutos bastam para você falar como aquele saudoso candidato: - Meu nome é Enéias!

Vamos raciocinar, caro leitor: uma “audiência” é um instrumento para ouvir; se é pública, é para ouvir o público. Poderíamos presumir, então, que as autoridades lá estariam para ouvir o público? Se o seu raciocínio é este, tal não é o das elites, que mais não querem senão perpetuar a relação de poder que exclui a população dos processos de consulta e de tomada de decisão.

Aponto a contradição de alguns oradores da mesa, mas não vou citar nomes. Um deles associou o crescimento econômico de Paracatu às mineradoras, principalmente à Kinross, discorreu longamente sobre a necessidade de a população se preparar para o fechamento da mina e coisas como desenvolvimento sustentável (tem um grupo que jura ser possível conciliar sustentabiliade com agressão ambiental!). Portanto, o mesmo discurso que a Kinross vem repetindo há muitos anos, ignorando o papel sócio-econômico dos trabalhadores e de centenas de empreendedores rurais e urbanos que sustentam, promovem e distribuem riqueza no município. Porém, contradizendo tudo isso, a seguir o orador mostrou a insignificância do valor dos impostos pagos pelas mineradoras, fixados em 0,67% do lucro líquido. Uma ninharia de 6,5 milhões de reais nos cofres da municipalidade diante de quase 1 bilhão de reais de ouro produzido por ano, um ativo financeiro que é exportado sem cobrança de taxa de exportação. Elas por elas, temos aí a insustentabilidade do discurso quando não se tem um posicionamento firme diante de um conflito.

(Caro leitor: o imposto das mineradoras corresponde apenas a 4,6% da receita municipal; portanto, o impacto econômico da perda dessa receita seria mínimo, mas o impacto ambiental positivo do fechamento desses empreendimentos geradores de riscos de alto grau seria enorme.)

Outra coisa que me incomodou foi a afirmação, repetida várias vezes por outro orador da mesa, de que a Kinross cumpre a lei ambiental e que a sua gestão ambiental interna, isto é, dentro dos limites da área destinada à lavra, beneficiamento e depósito de rejeitos, é exemplar. Essa questão da legalidade dá mais o que falar; portanto, vou tratá-la no texto "Paracatu versus Kinross diante da lei". No restante, o discurso desse orador foi ótimo, esclarecedor. Para contestá-lo naquilo que discordo, só vou dizer que são os trabalhadores da Kinross que mais sofrem os efeitos da poluição química do ambiente. Eles estão de corpo e alma no foco de onde se irradia o cianeto, a drenagem ácida de metais pesados e o arsênio. Ou será que deveremos nos esconder dessas pestilências indo para dentro da área da mina?

Ao encerrar, destacarei os pronunciamentos das pessoas do público, nos escassos 3 minutos a que tinham direito. Não desmerecendo os demais, assinalo os nomes de Geraldo Júnior, Ranulfo e Dr. Romualdo. Parabéns, vocês foram brilhantes em defender os interesses da população de Paracatu!

Palavras-chave: impacto ambiental; meio ambiente; mineração; paracatu; Kinross; arsênio; audiência pública; ouro.

Ministério Público e Kinross assinam compromisso

O Ministério Público de MG convocou a população de Paracatu para uma Audiência Pública no dia 3 de março, onde apresentou um termo de compromisso firmado com a mineradora Kinross, relativo aos impactos ambientais decorrentes da expansão da mina Morro do Ouro. No entender do MPMG, esse termo "representa um novo paradigma de atuação do Ministério Público em relação aos empreendimentos minerários, pois foram
acordadas obrigações inéditas, que representam um grande avanço na solução consensual de algumas questões ambientais.

Tive oportunidade de falar naquela audiência, expondo meu desacordo com os termos ajustados, como o leitor poderá ver a seguir.

Em primeiro lugar, discordo da maneira como esse acordo foi conduzido, sem a participação da sociedade paracatuense e especificamente das populações mais atingidas; não foi um processo aberto, mas centralizador e autoritário, que expressa a relação de poder que existe na sociedade brasileira.

Em segundo lugar, também discordo do conteúdo do acordo, pelos motivos que a seguir vou expor.

1. Medidas ambientais

1.1. No acordo, a empresa reafirma o compromisso legal de não realizar qualquer atividade de extração mineral, sem o devido processo de licenciamento ambiental, e atualizará continuamente o MPMG quanto à situação das reservas legais de todos os imóveis de sua propriedade.
1.2. A empresa também confirma sua obrigação de somente adquirir insumos minerais e vegetais de fornecedores licenciados, como já vinha fazendo, sendo que os materiais devem ser acompanhados de certificado de origem e da documentação necessária para comprovar que foram extraídos e comercializados em conformidade com a legislação ambiental.

Os tópicos acima nada acrescentam à realidade, pois, como eles mesmos afirmam, referem-se a determinações legais que não precisam de acordo para serem cumpridas, e ademais afirma que a empresa já as cumpre. Ou então, se o Ajuste de Conduta é necessário, é porque a empresa não as cumpre. Por outro lado, a lei é Magna, não depende de acordos para que se cumpra.

2. Medidas mitigadoras

2.1. A Kinross irá custear projeto de rede otimizada de monitoramento da qualidade do ar, inclusive das partículas inaláveis finas e grossas, com a disponibilização dos dados ao órgão ambiental, de forma on-line e em tempo real.

O acordo apresenta rede de monitoramento como 'medida mitigadora', quando o conceito de mitigação é outro. Monitoramento jamais pode ser classificado como medida mitigadora.

Medidas mitigadoras seriam diminuir a poeira fugitiva da mina, as detonações, o consumo de água; seria substituir a tecnologia com uso de cianeto por outra menos agressiva ao ambiente; seria não soterrar com lama tóxica o Córrego Machadinho; seria não lançar arsênio na barragem de rejeitos; medida mitigadora seria estocar, em local seguro e bem distante da zona urbana, o arsênio recuperado no beneficiamento; seria melhorar o gerenciamento dos lagos de drenagem ácida, pois eles são pessimamente gerenciados; seria também agir com transparência acerca dos riscos ao invés de escondê-los, envolvendo a comunidade no enfrentamento do risco etc. Isto seria mitigar!

Monitoramento é apenas uma ferramenta de controle de gestão; neste caso, o que vale monitorar se não há uma gestão integrada de risco? E, mesmo que houvesse, o que valeria monitorar apenas um parâmetro – a poeira fugitiva da mina? E os outros parâmetros, talvez ainda mais importantes, e que deveriam ser do conhecimento da comunidade paracatuense: os efluentes da usina de tratamento, a água e os sedimentos à jusante da barragem, a água dos poços do entorno, a infiltração da drenagem ácida na área da lavra, a saúde dos trabalhadores da mina e das pessoas do entorno da mina tendo em vista a possibilidade de contaminação...?

Por que o acordo MPMG/Kinross não se refere explicitamente ao problema do estoque de arsênio? A população continuará sem saber em que quantidade ele foi até agora gerado, que quantidade foi para a barragem, que quantidade foi estocada na mina, em que locais e como é estocado, quais as medidas de segurança em caso de acidente e, principalmente, qual o destino do arsênio no fechamento da mina. É isto que apavora a cidade!

Existem três formas de se posicionar frente a um problema: reconhecer o problema; negar o problema e desqualificar o problema. A Kinross já negou o problema do arsênio; não podendo continuar a negá-lo, passou a desqualificá-lo como risco. Essa desqualificação está bem à mostra neste TAC: um probleminha na poeira da mina, basta monitorá-la... Quando é que vamos reconhecer o problema do arsênio e tratá-lo como risco de alta periculosidade? Quando é que teremos uma gestão integrada de risco?


2.2. Além disso, foi ratificada a obrigação legal, prevista no licenciamento ambiental da empresa, de elaboração de um detalhado Projeto de Recuperação de Área Degradada (Prad), de um Plano de Fechamento da Mina (Pafen) e de desativação das barragens, integrados com um projeto de reabilitação das áreas mineradas e impactadas. A reabilitação ambiental deverá ser executada ao longo da vida do empreendimento, de forma a garantir à área impactada uma condição estável, produtiva e autossustentável, com foco no uso futuro.

Passaram-se 23 anos desde que se iniciou o empreendimento da Kinross. Teremos mais 27 anos de atividade, aproximadamente, até que se esgotem as reservas. Portanto, numa história que começou em 1987, estamos quase na metade da vida total do empreendimento. A história desses 23 anos estabelece o prognóstico que teremos para o restante dos anos. A reabilitação ambiental não foi executada ao longo da vida do empreendimento conforme a obrigação legal ratificada pela empresa. Ela está ratificando fazer uma coisa que nunca fez. Precisamos de respostas honestas para as seguintes questões:
- O que aconteceu com os impactos ambientais ao longo desses anos? A área impactada ficou em condição estável?
- Como se pode falar em condição estável da área impactada se bilhões de toneladas de minério ainda serão retiradas e processadas?
- O empreendimento da Kinross pode garantir que a área impactada seja produtiva e autossustentável, com foco no futuro?
Isto soa aos nossos ouvidos como a repetição da falácia do “desenvolvimento sustentável”, que não passa de um jargão para disfarçar uma política agressiva ao ambiente.


2.3. Para assegurar a recuperação da área, a Kinross apresentará uma garantia financeira, por meio de aportes anuais (em depósito, aplicação bancária ou carta de crédito), no valor de 01 (um) milhão de reais cada, durante todo o período de exploração mineral.

A primeira observação é que a empresa deveria ter feito os aportes financeiros para a recuperação da área ao longo de todo o empreendimento. Observe-se que o empreendimento previa uma vida útil da mina de 15 anos, implicando-se que a mina já estaria desativada. O Plano de Expansão ampliou a vida útil da mina em 30 anos.

Pergunta-se:
- De 1987 até hoje, qual foi o aporte financeiro da empresa para garantir a recuperação da área degradada, uma vez que esse aporte não é feito ao final, mas ao longo da vida da mina?
Obrigando-se a empresa a fazer um aporte financeiro de 1 milhão de reais por ano, teremos, daqui a 27 anos, 27 milhões de reais. Então:
- A promotoria considera este valor adequado para a recuperação da área degradada, tendo em conta que o volume de minério a ser extraído será muitas vezes superior ao que foi retirado até agora? Que uma enorme cava, muitas vezes superior à que vemos agora ainda será aprofundada?
- Levou em conta que recuperação da degradação ambiental não implica em recuperar apenas a área lavrada e os depósitos de rejeito, onde temos destruição de vegetação, destruição e contaminação de nascentes de água, soterramento de vales, mas principalmente os recursos sócio-ambientais do entorno da mina?


2.4. O acordo também solidifica a adoção de várias medidas já tomadas pela Kinross para garantir a integridade da barragem de rejeitos, inclusive com a apresentação de um Plano de Ações Emergenciais (PAE), mapas de inundação, ações preventivas, protocolos a serem seguidos em caso de acidente, obras de emergência, sistemas de comunicação, acesso aos locais, estoques de materiais e suprimentos, definição de grupos de trabalho e de responsabilidades.

A primeira barragem da RPM/Kinross foi elevada muito acima do projeto original, apresentado no primeiro processo de licenciamento, potencializando assim os riscos daquela obra. Portanto, o acordo não solidifica medidas já tomadas pela Kinross para garantir a integridade das barragens. Então, é importante saber:
1. Existem garantias de que a elevação da nova barragem de rejeitos, a qual represará um volume muito maior de material tóxico, obedecerá a projeto seguro e aprovado por órgãos competentes, ou poderá a empresa refazê-lo, aumentando a cota da barragem para atender seus estritos interesses?
2. Foi contratado seguro das duas barragens que inclua a vida e os recursos sociais e econômicos da população à jusante? Em caso positivo, qual o valor atribuído no seguro aos danos econômicos e à vida das pessoas em caso de acidente? Qual é a valoração que se dá à vida dessas pessoas?


3. Medidas compensatórias

3.1. A empresa vai custear integralmente a realização de estudo epidemiológico/ambiental, para avaliar os índices de arsênio na área de influência direta do empreendimento, a ser conduzido por instituição autonôma.

Este é um ponto positivo, conquista do TMMG. Porém, o estudo epidemiológico, embora seja fundamental e tenha que ser bancado pelo ‘criador do risco’ e não pelos cofres públicos, não pode ser classificado como medida compensatória. Custeado pelo criador do risco, ele é uma medida justa, mas é uma avaliação e um monitoramento e não compensa as populações atingidas pelos impactos, especialmente aquelas dos bairros pobres da periferia, que, ao final, pagarão a conta com suas vidas.

3.2. Além disso, a título de compensação ambiental, a Kinross investirá R$ 12 milhões em projetos de relevância ambiental na Bacia do Rio São Francisco e/ou na implantação e manutenção de Unidade de Conservação de Proteção Integral no Município de Paracatu.

Vemos aqui que o MPMG e a Kinross estabeleceram 12 milhões de reais como valor para compensar os danos sócio-ambientais que serão causados a Paracatu, deixando de lado os que já foram causados. Como se chegou a esse número mágico sem permitir à população, aqueles que sofreram os danos, se posicionassem nas negociações?

Quais os critérios de valoração utilizados para se chegar a 12 milhões de reais? Foram considerados os danos ambientais, como a destruição de nascentes, o impedimento do acesso à água para o abastecimento da cidade? A contaminação da água, do solo e do ar? A poluição sonora? A morte dos garimpeiros pelos seguranças da mineradora? A pressão sobre as pessoas, a destruição de valores culturais, a eliminação de comunidades, o esfacelamento das relações sociais? Foi considerada a destruição de valores estéticos, com a transformação do morro em buraco, uma enorme cratera na cara da cidade?

Podemos falar de riscos cuja materialidade encontra-se no mundo físico, químico ou biológico, que afetam os sistemas de suporte à vida, mas também podemos falar de riscos no mundo social, cultural e das relações.

Sim, como dizem os versos da letra musical ‘Comida’: “A gente não quer / Só dinheiro / A gente quer dinheiro / E felicidade. / A gente não quer / Só dinheiro / A gente quer inteiro / E não pela metade...
Entretanto, este acordo, ao estabelecer um valor tão distante das expectativas da sociedade, vem confirmar o ditado: “Pobre é barato”.

Por que a população desta cidade se sentiria compensada com um valor tão irrisório, ainda mais destinado a pesquisa ambiental na Bacia do São Francisco, que se estende além da Bahia e Pernambuco e vai até ao Atlântico? Por que, se a bomba explode ali no Morro do Ouro, nos bairros Alto da Colina e Amoreiras II, se a bomba explode sobre os humildes, na cara de Paracatu?

Este acordo – Termo de Ajuste de Conduta -, tal como foi negociado, sem a participação das comunidades atingidas, não colabora para que se faça justiça ambiental em Paracatu. Pelo contrário, serve de instrumento para a continuidade da exploração das riquezas da terra, produzindo injustiças ambientais e gerando riscos moralmente inaceitáveis. Prevalece o modelo ganhador/perdedor, onde o perdedor é a população de Paracatu.


Marcadores: paracatu; mineração; ministério publico; kinross; arsenio; ouro;