Blog do Professor Márcio

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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Construindo uma amizade

Gosto de caminhar e tenho feito disto um hábito. Que bom quando se tem um hábito recomendável, ainda mais na minha idade, em que a gente fica vigiando tudo e as coisas mais inofensivas acabam em desastre. Saio no início da noite, que sempre foi uma hora improdutiva para mim. Entre 17 e 20 horas não consigo me concentrar no trabalho ou no estudo, nada melhor que uma caminhada pela cidade, descongestionar o corpo e a mente. E a gente sempre pode encontrar pessoas que andavam sumidas ou fazer novos conhecidos.

Um ano atrás eu estava caminhando, descendo a Rua Goiás, quando passei por um casal que seguia a passos lentos, discutindo. Quando ouviram meus passos apressados, suspenderam a discussão e viraram-se para mim. Ali estava minha amiga Inês, cumprimentamo-nos e ela me apresentou o companheiro - Este é o Antonio! -, conversamos rapidamente e nos separamos.

Na semana seguinte encontrei-me com o Antonio numa locadora de filmes e começamos a falar sobre caminhada. Como ele justificava seu sedentarismo por falta de companhia para caminhar, acabei convidando-o, o que deu início a uma amizade cada vez mais estreita.

Nossas caminhadas acabaram servindo de meio para que pudéssemos falar de coisas pessoais, vida, esperanças, frustrações, assuntos que os homens geralmente não conversam. Bicho homem, que não se revela para não mostrar fraqueza!

O Antonio estava mesmo precisando conversar com alguém, vivendo uma crise muito séria em seu casamento. Ele cometera um erro que magoou profundamente a sua esposa, que não o perdoara a despeito dos pedidos de perdão e das penitências que vinha sofrendo no convívio conjugal. Fazia alguns anos que ele vinha se dedicando à mulher como o maior dos apaixonados, mas só colhia desconsideração e ofensas.

Um dia ele me disse: - Estou sempre dizendo a ela que a amo. Procuro todas as ocasiões para lhe demonstrar carinho, mas não sou correspondido. Não suporto pensar que ela não me ama.

Então, saí com essa: - Antônio, amor não se pede; amor se conquista.

Não é que ele entendeu minha observação ao pé da letra? A partir daí, redobrou os carinhos, tantas atenções que não tinha mais tempo para cuidar de si. Mas os efeitos no coração de Inês foram opostos ao que ele esperava, ela tornou-se mais arrogante e não perdia ocasião para ofendê-lo, depreciá-lo.

A relação de confiança que tínhamos era a válvula de escape dos tormentos em que vivia. Comigo ele se abria e soltava os demônios que lhe oprimiam a mente: - Por que me arrasto desse jeito na frente dela? Por que depois de ser humilhado, repudiado, vou docemente atender seus caprichos?

É fácil ministrar remédio para os males dos outros, quando não é a gente que tem que engoli-lo, não é? Por isto, muitas vezes eu ficava sem resposta, ou saía com observações que pudessem desviá-lo desse caminho perigoso da autopiedade. Porém, eu o alertava: - Cuidado, Antônio, quando você se acha um coitadinho é que já cavou a própria cova. Só falta você se jogar nela!

A sua inquietação cresceu a ponto de se virar contra mim: - Pensei que você fosse meu amigo, que se interessasse pelos meus problemas. Não vê que estou precisando achar uma saída? Por que você não me ajuda a encontrá-la?

Então me dei conta de que estava ali à minha frente um ser humano em completo desespero, cego na sua dor, implorando ajuda. Mas como dar orientação, prescrever atitudes, se nem mesmo sabemos ao certo enfrentar nossos próprios problemas?

Naquela noite não consegui dormir. Fiquei às claras, remoendo os problemas dele e os meus, mas a teia que foi se tecendo em meus pensamentos deixou-me clara a visão de que todos os problemas do mundo – os meus, os do Antonio, os de Inês, os seus e de todos os seres – estão conectados. Os Gigantes da Humanidade já nos mostraram isto: somos parte do Todo, o Todo está em nós, assim como cada um de nós traz o Todo dentro de si. Seus ensinamentos nos mostram os caminhos que, segundo o entendimento que possamos alcançar, podem nos dar a cura de nossos sofrimentos e a relativa felicidade que todos almejamos.

Voltei ao Antônio com a boa nova: – Você quer uma saída, não há mistério. Existem várias saídas, mas qualquer uma delas vai exigir duas coisas de você: disciplina e persistência para conter seu ego.
– Como, conter meu ego? – ele foi logo reagindo. - Ela me espezinha e você acha que o meu problema é ser egoísta?
– Egoístas somos todos nós, Antônio. Enquanto temos a mente condicionada, reagindo mecanicamente aos fatos, entendendo que os problemas são os outros, vamos colhendo os frutos da nossa incompreensão. Se você quer uma saída daquilo que está vivendo, se quer trocar sofrimento por felicidade, precisará ouvir o que os Mestres nos ensinaram. O seu caminho será feito por você mesmo, mas é melhor que seja clareado pela luz que vem de cima.

Depois de muitos questionamentos, Antônio aceitou minhas ponderações. Propus a ele o conhecimento de dois caminhos, para que ele avaliasse se algum deles lhe convinha: o Caminho de Buda e o Caminho de Jesus. Expliquei-lhe que, seja um ou qualquer outro, só conhecemos o Caminho ao entrar nele e caminhando por ele. Não é uma atitude intelectual, mas de envolvimento, esforço e coragem para prosseguir.

No momento, Antônio está estudando e assimilando o Caminho de Buda, conhecido como o Caminho do Meio. Já fez grandes progressos no autoconhecimento, está mais equilibrado. Os problemas no casamento não acabaram, mas ele não sofre tanto com eles, desde que descobriu que os problemas reais e a solução estão dentro dele mesmo.

Começamos com uma caminhada, que virou caminho em busca da felicidade. Estou aprendendo junto com ele e, aprendendo juntos, estamos construindo uma verdadeira amizade.

Eu o convido, caro(a) leitor(a), a tomar contato com o Caminho do Meio, que será postado neste blog. É uma continuação da nossa postagem anterior – "A Busca da Felicidade: a via de Chuang Tzu". Depois, vamos tomar contato com o Caminho de Jesus, certamente de uma maneira diferente daquela que tem sido abordada pelas religiões dominantes.

Se você quer seguir na caminhada em busca da felicidade, venha comigo, também ando à procura dela.

sábado, 29 de agosto de 2009

Declaração de Amor

A cidade grande sempre exerce um fascínio sobre a gente do interior. De lá vêm as novidades, as tendências da moda e do consumo, são tantas as opções para todos os tipos de gosto. Confesso que não sou imune a esse fascínio, frequentemente me pego pensando nas opções culturais, turnês de artistas famosos, lançamentos de filmes premiados, concertos musicais, teatros etc.

Quando viajo, meus destinos são, quase sempre, Belo Horizonte ou Brasília, onde morei vários anos e ainda tenho lá a maior parte dos familiares. O fascínio logo se desmancha quando chego a essas cidades, tudo lá é difícil, caro, concorrido e estressante. Desabituado como estou, depois de tantos anos nesta “pequena” Paracatu, fogem da minha cabeça todos os planos de lazer naquele emaranhado de gente, prédios e automóveis. No caminho de volta sinto o alívio do retorno à vida mais simples, rotineira e previsível deste lugar.

Porém, sempre que tenho oportunidade de receber a visita de alguém vindo da cidade grande, observo uma genuína satisfação com Paracatu. São referências elogiosas em relação às pessoas, à estrutura e à dinâmica desta cidade que guarda, de um lado, aspectos e costumes da vida de pequenas comunidades e, de outro, atrativos e oportunidades comuns aos grandes centros.

Se você acha que estou exagerando reafirmo que são opiniões de meus visitantes, que talvez possam estar enganados. Mas, deixando de lado nossas opiniões já formadas, vou desafiá-lo com algumas observações, que o levarão a admitir que há um lado encantador em Paracatu.

Por aqui eu preciso andar de cabeça erguida para cumprimentar a maioria das pessoas que passam por mim, pois sou identificado e as pessoas se mostram contentes se eu também as identifico e cumprimento. Estou certo de que elas me achariam grosseiro se eu passasse sem um aceno ou sorriso. Portanto, aqui somos gente, não um simples anônimo na multidão.

Não sou natural de Paracatu, mas fui recebido como tal. A única vez em que me lembraram que sou de fora foi para me homenagearem, quando a Câmara Municipal me outorgou o título de “Cidadão Paracatuense”. Não é lindo?

E quanta gente “arrumou” a vida em Paracatu, não é? Ficaram bem de vida, fixaram raízes, geraram filhos, montaram negócio e se misturaram, sem conflitos, sem discriminação. Isto não acontece em todo lugar!

Veja os bailes no Jóquei, as baladas no Arena, as festas universitárias, as multidões que passeiam nas praças: é uma mistura fina, indistinta, pessoas que se aproximam por afinidades, sem separatismos baseados em preconceitos. E eu lhe pergunto: em quantos lugares as pessoas podem viver assim, sair às ruas com a família, as mulheres passeando livres e despreocupadas, os jovens vivendo suas festas sem medo?

E quanto à vida cultural? Garanto-lhe que aqui freqüento mais eventos culturais que meus conhecidos das metrópoles, que vivem de casa pro trabalho. Em Paracatu são freqüentes as apresentações artísticas de músicos, pintores, grupos de dança, shows de bandas, vários eventos preparados pela Casa da Cultura e bailes. Agora mesmo está vindo mais um Festival de Música.

E mais: muitos eventos culturais são de acesso livre ao público, como a recente apresentação do pianista Arthur Moreira Lima. Eu jamais esperei ver esse virtuose do piano, mas ele aportou em frente ao Chafariz da Traiana com seu Caminhão Teatro e fez uma apresentação magistral de música clássica temperada com a música popular brasileira. E, para orgulho de todos nós, no mesmo show apresentaram-se a Banda Lyra Paracatuense e o violonista Didi (Adailton).

Pois é, cheguei aqui há 22 anos, esperava não ficar mais de seis meses. Mas fui tomado pela cidade, este é meu pouso. Aqui me sinto bem.

Eu amo Paracatu! Reclamações, quem não as tem?

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A Busca da Felicidade: a via de Chuang Tzu

Ninguém está tão errado como
aquele que sabe todas as soluções
”.
Chuang Tzu

O mundo contemporâneo é marcado pela racionalidade. Entretanto, estamos vivendo uma crise de sentido ético, crise de valores e de significado, a falta de um modelo bem definido que dê sentido e direção à busca do que seja correto fazer e do que seja errado praticar.

A evolução do conhecimento humano, especialmente das novas teorias físicas, trouxe mudanças na forma do homem ver, entender e se relacionar com o mundo. As referências tradicionais desapareceram, assim também os fundamentos da ética e da moral. Daí, a necessidade de restabelecer o sentido da nossa vida e da forma como nos relacionamos com tudo que nos cerca, para que possamos dar significado às coisas e à nossa própria existência.

Diante disso, o que significa felicidade? Exatamente aí reside a questão: devido à crise de sentido que vivemos não existe, na contemporaneidade, um modelo filosófico ou ético que nos dê o significado preciso de felicidade e de como alcançá-la. Certamente por isto, as pessoas reflexivas têm procurado nos sistemas filosóficos e/ou religiosos mais antigos o conhecimento que possa ajudá-las a orientar, compreender, dar significado e justificar suas ações no mundo.

O sistema capitalista tem nos levado a um modo de vida em que ser feliz é uma obrigação. No contrapasso desse modelo, as pessoas estão sendo empurradas para a depressão. No livro “A Euforia Perpétua”, o escritor francês Pascal Bruckner afirma que "A depressão é o mal de uma sociedade que decidiu ser feliz a todo preço”.

Uma perspectiva muito distinta do modelo filosófico/religioso cristão, que é a base da nossa cultura, nos é apresentado pelo taoísmo, através de Chuang Tzu, considerado o mais espiritual dos filósofos chineses. Foi ele o grande divulgador dos ensinamentos de Lao Tzu, fundador do taoísmo, e seus escritos revelam excepcional sabedoria, grande senso de sátira e penetrante capacidade de análise do ser, sendo, por isto, de caráter atemporal.

Não obstante meus escassos conhecimentos desta doutrina, achei oportuno apresentar algumas referências de Chuang Tzu acerca da felicidade, abordadas no livro “A Via de Chuang Tzu”, de Thomas Merton. Fica claro, desde já, que não é uma defesa da filosofia taoísta, uma pretensão muita acima dos meus limitados conhecimentos. Por outro lado, as colocações que serão feitas são interessantes porque podem dar o vislumbre de um ponto de vista em extrema oposição às nossas tradicionais concepções e assim provocarem questionamentos mais profundos das nossas crenças e modelos de vida.

Chuang Tzu acredita que os conceitos felicidade, virtude, justiça e outros são ambíguos desde o início, pois se colocam no mundo dos objetos. Desde que são tratados como objetos a serem atingidos, estes valores conduzem à desilusão e à alienação. Portanto, Chuang Tzu se identifica com o paradoxo de Lao Tzu: “Quando todo mundo reconhece o bem, enquanto bem, ele se torna o mal, porque se torna algo que não se tem, e que temos sempre de procurar, até que, na verdade, ele se torna inacessível".

Chuang Tzu nega que a felicidade possa ser encontrada pelo hedonismo (busca do prazer) ou pelo utilitarismo (busca do lucro). A vida de riquezas, de ambição, de prazeres, é, de fato, uma intolerável servidão, na qual vivemos para o que está sempre fora do nosso alcance, ansiando pela sobrevivência futura, e incapazes de viver o presente. Ele também critica o homem público heróico e pronto a se sacrificar, o “Homem Superior”, virtuoso. Para ele, o herói da virtude e do dever, em última análise, encontra-se nas mesmas ambigüidades que o hedonista ou o utilitarista. Por quê? É que ele procura atingir o bem como objetivo. Envolve-se numa campanha deliberada e autoconsciente, a fim de cumprir com o seu dever, acreditando que isto é o certo, e, por conseguinte, o que produz a felicidade. Ele vê a felicidade e o bem como algo a ser atingido e, dessa maneira, coloca-os fora de si mesmo, no mundo dos objetos. Assim procedendo, deixa-se envolver por uma divisão da qual não há escapatória: de um lado, o presente, no qual ele ainda não está de posse do que procura e, de outro, o futuro, no qual ele acredita que terá o que desejar, sua fonte de ilusão.

Procurando o bem fora de nós mesmos, como algo a ser adquirido, somos forçados à necessidade de discutir, estudar, entender e analisar a natureza do bem e nos envolvemos em abstrações e na confusão de opiniões divergentes. Quanto mais o bem for analisado objetivamente, quanto mais for ele tratado como algo a ser atingido por técnicas virtuosas especiais, menos real e mais inacessível se torna. E, na medida que o fim vai se tornando mais remoto e mais dificultoso, torna-se mais rebuscado e complexo, até que, finalmente, o simples estudo do meio se torna tão problemático que todos os esforços devem concentrar-se nesse meio e, então, nos esquecemos do fim. Isto nada mais é do que o desespero organizado: o bem pregado e teorizado pelo moralista torna-se, assim, um mal, e isso levado a um extremo cada vez maior, porque a busca desenfreada do bem desvia-o do bem verdadeiro, que já possuímos dentro de nós mesmos, e que, agora, abandonamos ou ignoramos.

As doutrinas judaico-cristãs afirmam que o homem traz em si o pecado, o pecado original, e que ele precisa purificar-se através da prática consciente do bem. O taoísmo, ao contrário, afirma que, pelo próprio fato da nossa existência, somos dotados do bem. A diretriz do Tao é começarmos com este bem, mas ao invés de cultivá-lo autoconscientemente (pois ele desaparece quando para ele olhamos e torna-se intocável, quando tentamos pegá-lo), vamos progredindo calmamente na humildade de uma vida simples, corriqueira. É mais uma questão de acreditar no bem, do que de contemplá-lo como o fruto do nosso esforço pessoal.

Portanto, Chuang Tzu não propõe a acumulação da virtude e do mérito, mas o não-fazer ou a inação, que não almeja resultados, e não se preocupa com planos conscientemente estabelecidos, nem com tentativas deliberadamente organizadas: "A minha maior felicidade consiste precisamente em não fazer nada que seja calculado a fim de obter a felicidade... A perfeita alegria é não se estar alegre... se você me perguntar "o que deve ser feito", e "o que não deve ser feito", na terra, para produzir a felicidade, eu responderia que estas perguntas não possuem uma resposta" (fixa e predeterminada) que se adapte a cada caso. Se estamos em harmonia com o Tao - o Tao cósmico, o "Grande Tao" - a resposta tornar-se-á clara, quando o tempo começar a atuar, pois, aí, não agiremos de acordo com uma maneira de agir humana e autoconsciente, mas segundo a maneira espontânea e divina do wu wei (não-agir), que é a maneira de agir do próprio Tao, e, portanto, a fonte de todo o bem.

Tudo de que o peixe necessita
É de perder-se na água.
Tudo de que o homem necessita
É de perder-se no Tao
”.

Embora o ensinamento de Chuang Tzu, de que "você nunca encontrará a felicidade, a não ser quando cessar de procurá-la", seja paradoxal, ele não é pessimista. Ele não prega o afastamento de uma existência intensa, ativa, humana, para a inércia e o quietismo. Está apenas afirmando que a felicidade pode ser encontrada, mas apenas pela não-procura e pela inação. Pode ser encontrada, mas não por meio de um sistema ou de um programa. Um programa ou um sistema tendem a colocar a felicidade em uma só espécie de ação e tendem a procurá-la apenas naquela situação dada. Mas a felicidade e a liberdade que Chuang Tzu viu no Tao é encontrada em toda parte, pois o Tao está em toda parte.

Fonte de Pesquisa: MERTON, Thomas. A via de Chuang Tzu. Petrópolis: Vozes, 2002.

Minhas Reflexões:

1. Imerso numa racionalidade azeda e corrosiva, preocupamo-nos com a busca da felicidade, fazendo planos, estipulando metas, com a vista presa ao futuro. Mas a felicidade parece estar na ponta do arco-íris, quando ansiosos caminhamos em direção a ela, percebendo que ela se afasta, inalcançável.

2. No entanto, somos felizes quando vivemos o presente, despreocupados e livres, e não procuramos transformar a vida em uma meta. A vida não é uma meta!

3.Há um ensinamento de Jesus que, aparentemente, se confronta diretamente com o taoísmo; “Buscai e achareis”. Digo aparentemente porque, para mim, o significado moral desta máxima é: buscai a luz que vos clareie o caminho e a achareis. O significado material é, obviamente, outro.

4. Porém, há dois outros ensinamentos evangélicos que, em relação a este, são aparentemente paradoxais, mas, no meu entender, são os paradoxos que encerram as mais importantes lições. O Evangelho ensina: “Digo-vos, em verdade, que, se não vos converterdes e tornardes quais crianças, não entrareis no reino dos céus” (Mateus, cap. XVIII). O outro, na poética passagem evangélica “Observai os pássaros no céu”, em que Jesus afirma: “Assim, pois, não vos ponhais inquietos pelo dia de amanhã, porquanto o amanhã cuidará de si”. Ora, se para entrar no reino dos céus (suprema felicidade) é preciso se converter e tornar criança, isto significa ser espontâneo, não premeditado, não inquieto pelo dia de amanhã, despreocupado de planos conscientemente estabelecidos e não se afainar numa busca deliberadamente organizada da felicidade, exatamente conforme ensina Chuang Tzu.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Serra do Cipó

Você já sentiu o gosto de fazer alguma coisa inusitada? Como num final de semana que se antevia monótono e, de repente, aparece algo que você, lá no fundo, estava desejando fazer, mas já havia descartado como muito difícil? Pois bem, no sábado passado, 1º de agosto, minha filha Helga me fez o convite: - Eu e Juan estamos indo para a Serra do Cipó; quer ir com a gente?

Há muitos anos eu tinha feito planos de ir à Serra do Cipó. Já tinha andado ali por perto – Lagoa Santa, Gruta da Lapinha -, mas desde que foi criado o Parque Nacional da Serra do Cipó me deu vontade de fazer uma visita. Se você não sabe, o Parque preserva uma vegetação de grande diversidade, sendo que muitas espécies somente são encontradas ali; além disso, sua fauna inclui espécies ameaçadas de extinção e ostenta uma bela paisagem de cerrados, cachoeiras, cavernas e sítios arqueológicos.

Saímos cedo, em direção a Cardeal Mota, localizada a uns 100 km a norte de Belo Horizonte. Nossa expectativa era fazer uma caminhada com um grupo de turistas. Logo vi que meus companheiros estavam bem preparados, com roupa adequada e levando uma sacola cheia de “víveres” – turista não anda no mato sem comida e, ninguém sabe explicar porquê, sem celular.

A estrada pra lá é ótima, do jeito que turista gosta, mas, ao passar por Lagoa Santa, senti uma grande decepção: desde que estive naquele lugar, uns 20 anos atrás, a cidade atropelou-se num trânsito intenso, expansão urbana desordenada, especulação imobiliária e lixo por toda parte. Daí, a gente começou um papo em cima de uma reflexão: os moradores das cidades grandes estão ávidos por um pedaço de natureza, ar puro, água limpa, mas têm que buscá-lo cada vez mais longe; entretanto, só conseguem isto por pouco tempo, porque logo virão mais pessoas que acabam destruindo aquilo que encontraram. Lagoa Santa já foi um refúgio da natureza, agora não é mais e dá pena ver no que se transformou.

(Não é isto em que Paracatu está se transformando? Na velocidade da ambição dos grandes negócios? Na degradação social e ambiental que nos amedronta?).

Até que chegamos a Cardeal Mota, no caminho repetem-se os lançamentos imobiliários, condomínios fechados, loteamentos mal estruturados e algumas placas indicativas de pousadas, clubes e hotéis-fazenda.

Pois bem, chegamos a este aglomerado de agências turísticas, bares, restaurantes e lojinhas de souvenires, que se chama Cardeal Mota. Daí, tirei a foto abaixo, pra mostrar “ondéqueutava”.

Lá na agência nos avisaram que três pessoas haviam desistido de cavalgar e que poderíamos tomar os seus lugares. A Helga e Juan, que estavam desanimados por terem que caminhar 14 km, ficaram entusiasmadíssimos com a cavalgada, e eu também, porque caminhada já faço por aqui. Tivemos apenas que fazer um pequeno percurso de carro até uma fazenda próxima aos limites do Parque, onde um grupo já nos aguardava.

A gente estava mesmo disposto a encarar com bom humor qualquer coisa que viesse, mas a nossa noção de cavalo era bem diferente dos pangarés que tivemos que montar. A Helga não se conteve: - É nesse aqui que eu vou montar? O bicho era o mais mirrado de todos, pequeno, magro, aspecto cansado, e trajando uma cela feia e suja.

Fomos em direção à Cachoeira da Farofa, a uma hora e quarenta minutos de cavalgada, acompanhados por dois guias, um à frente e outro atrás do grupo. Eles montavam os bons cavalos. Os outros cavalos só andavam se o da frente andasse, corriam se o da frente corresse, mas paravam se não viam cavalo à frente.
Assim, gastamos muita energia tentando fazer cavalo andar, agitando cabresto, cutucando com os pés, mas tudo isso não nos impediu de sentir o gosto atávico do ser humano de montar esse “portentoso” animal, muito embora eles às vezes agissem como mulas de presépio, ali plantados e nós aos berros: Ahaaa!

O Parque, embora venha sofrendo incêndios criminosos, retirada ilegal de madeira e invasões, recupera aos poucos sua vegetação. Nas áreas baixas, predominam os campos rupestres pontilhados de palmeiras, talvez porque foram extensivamente exploradas pela pecuária. Ao longo das vertentes íngremes da Serra do Cipó, são vistas, em grande número, cachoeiras que despencam dos paredões de quartzito, cortando as matas ciliares.

A Cachoeira da Farofa, que fomos visitar, não tem muita água nesta época do ano, mas é bela e cai de 80m, esfarelando-se nas pedras (daí o nome Farofa) e formando uma piscina natural. Se você quiser entrar nessa piscina não pode ficar pensando muito e nem testando a água gelada. Entre sem pensar, seu pulmão vai puxar fundo e, mesmo que seus ossos queiram se congelar, você vai sentir o choque energético de um banho de cachoeira.

Além disso, o que dá mais para apreciar são as águas límpidas do córrego das Pedras e do ribeirão Mascates (onde tomei água com as mãos), a lagoa Comprida e, se você gostar de plantas, o cerrado com belas palmeiras. Mas não conte com os guias para lhe fornecerem qualquer explicação. Perguntei para um deles: - Qual o nome dessa palmeira? Ele me respondeu: - Não sei, a gente chama isso de coquinho! Infelizmente, essas agências de turismo dito ecológico nada sabem sobre ecologia, natureza, planta e animais silvestres; o objetivo é o negócio, mas eles não se dão conta de que precisamos de ciência para fazer negócio com a natureza.

Interessante, na volta os cavalinhos iam se animando à medida que o passeio terminava, eles pareciam ansiosos para se livrarem daqueles incômodos turistas.
Quando saímos do parque precisamos segurá-los nas rédeas para que não disparassem. Nós, por outro lado, estávamos exaustos e mal conseguíamos mover as pernas quando apeamos. Mas - quer saber de uma coisa? - valeu, valeu mesmo deixar na cidade o monótono e previsível sábado para curtir a liberdade, as águas límpidas, o ar puro e a bela paisagem da Serra do Cipó. Sentir que, apesar de todas as agressões, a Mãe-Natureza ainda está por aí, esperando de nós o amor com que ela nos recebe.

No pêlo, trouxe alguns carrapatos (vou terminar, tem um me coçando!).

Carta a um amigo

Caro leitor,

O texto abaixo é transcrição de uma carta pessoal, feita em resposta a uma carta que meu cunhado José Emiliano Lopes endereçou à sua sogra, já falecida. Achei interessante apresentá-lo em meu blog porque tenho certeza de que ele trata de coisas que nos são comuns: família, recordações e a perda dos vínculos familiares, doença que se espalha como um grande mal. Estou certo de que você também irá refletir sobre isto e, quem sabe?, procurar maneiras de melhorar suas relações.

"Prezado Emiliano,

Sou muito grato por ter compartilhado comigo a “Carta para minha sogra”. Ao lê-la senti uma comoção, misto de alegria e tristeza: vieram-me lembranças de familiares que faleceram e da felicidade dos tempos inocentes da infância. Entretanto, sua carta me incomodou porque me revelou coisas que não sabia a respeito da infância difícil de meus irmãos mais velhos, e fico ainda sem compreender o fato de que pouco conheço a respeito de TODOS os meus irmãos e também quão pouco eles conhecem a meu respeito.

Considero que minha família - irmãos, primos, tios, cunhados, sobrinhos - é excelente, pessoas que se respeitam, trabalhadores e honestos, mas são pessoas fechadas, que se tratam como parentes e não como amigos do peito. Não é verdade?

Nunca meus irmãos mais velhos me revelaram as lembranças da mãe, eu nem mesmo sabia que ela faleceu em Belo Horizonte. No entanto, sempre nos demos muito bem, aliás tive relacionamento mais estreito com o Gil do que com o Mauro e o Maurício. Com certeza, meus irmãos também pouco sabem uns dos outros, das lembranças boas e más.

Quase nada sei do meu pai, ele nunca se revelou para mim. Onde estão as vidas de Mauro e Maurício, desde que deixaram este mundo?

Lamento, mas o mesmo está acontecendo com meus filhos, que vivem próximos mas não se vêem. Eles só se reúnem quando vou a Belo Horizonte e os chamo para jantar comigo. As notícias que eles têm uns dos outros são as que eu lhes passo.

Será que isto é geral entre os seres humanos? Sempre foi assim ou está se agravando?

Uma vez li uma frase que me doeu: "Cem anos após a sua morte não restará vestígio de você na Terra". Mas acho que temos a obrigação de deixar vestígios da nossa existência nas pessoas que conviveram conosco, nossos parentes e amigos, porque senão de que ela terá valido?

Ao reproduzir as lembranças do Gil, Gilda e Gildete, assim como as suas lembranças, sua “Carta para minha sogra” nos dá oportunidade de nos conhecermos melhor e valorizarmos o vínculo familiar que se desfaz com as perdas inevitáveis da vida. Sem memória não há vínculo!

Divagando sobre isto, lembrei-me de um filme excelente - Minha Vida -, estrelado por Michael Keaton e Nicole Kidman. Conta a história de um homem que recebe, ao mesmo tempo, duas notícias: que será pai pela primeira vez e que tem um câncer em estado terminal. Sua angústia é saber que não poderá conhecer o filho e que o filho não poderá conhecê-lo. Então, ele resolve gravar um vídeo, e nele registrar não apenas a sua imagem e nota biográfica: ele quer se mostrar para o filho como gente, uma pessoa que sofre, que se alegra, que tem esperança e desespero. Enfim, ele queria que o filho soubesse QUEM era o seu pai.

Infelizmente, às vezes é preciso uma doença terminal para que as pessoas compreendam que a vida terrena é passagem breve e que o melhor tempo dela é este que estamos vivendo, agora, o único em que podemos fazer algo para aproveitá-la.

Portanto, caro Emiliano, ao levantar a poeira do tempo, sua carta me incomodou porque me fez pensar em como somos frágeis, a brevidade da vida, a importância de nos revelarmos para quem está ao nosso lado e a necessidade de melhorarmos nossas vidas e relações.

Um grande abraço.

Márcio"