Blog do Professor Márcio

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quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A POLÍTICA DE AUSTERIDADE DESTRÓI A ECONOMIA


Que lições podem ser aprendidas sobre o impacto das crises econômicas na saúde das pessoas? O uso de evidências científicas está sendo decisório no processo de construção de políticas públicas? Como mitigar os efeitos negativos das crises para a saúde? Estas e muitas outras questões foram colocadas pelo professor David Stuckler, na noite da segunda-feira, dia 9, no 10º Congresso Brasileiro de Epidemiologia da Abrasco, em Florianópolis.
Stuckler, professor de Economia Política na Universidade de Oxford e que mais recentemente passou a integrar o quadro docente do Departamento de Análise Política e Gestão Pública na italiana Universitá Bocconi – começou sua apresentação com uma fotografia da violência imposta pela polícia espanhola aos manifestantes pela independência da Catalunha: -“Este exemplo de ataque à democracia aconteceu esta semana”. A próxima imagem mostrava um Donald Trump sorridente e David comentou: – “No meu país (David é norte-americano) vimos a ascensão de um líder demagogo que não tem tolerância pelos direitos de gênero, igualdade e, claro, pelos pobres. Recentemente quando o furacão Maria arrasou Porto Rico, numa série de tuítes, Trump atacou a prefeita da capital San Juan, Carmen Yulin Cruz, por criticar o governo de Washington por sua falta de resposta aos estragos provocados pelo furacão. Cruz afirmou que o governo dos EUA ‘está nos matando com sua ineficiência’. Em sua réplica, Trump fustigou a ‘medíocre capacidade de liderança da prefeita de San Juan e outros em Porto Rico que não conseguem que seus trabalhadores ajudem’. E é aqui que a Epidemiologia é criticamente importante: os políticos estão atacando aqueles que ficam na linha de frente. Estão me atacando também. Trump teve coragem de culpar as vítimas de Porto Rico pelo déficit norte-americano e chegou a dizer ‘Porto Rico, vocês estão atrapalhando nosso orçamento’, explicou David.
“Meu trabalho começa com os princípios fundamentais de que a saúde precisa acontecer nas comunidades e não nos consultórios médicos, acontecer onde vivemos, trabalhamos, brincamos e descansamos: o CEP é um dos fatores mais poderosos para a saúde. Hoje, na voz dos epidemiologistas está a voz dos marginalizados, daqueles que sofrem pelas forças poderosas que vão muito além do seu controle. Estamos vivendo um momento da história em que esta voz da epidemiologia é mais necessária”, disse o pesquisador.
O pesquisador disse a seguir que iria compartilhar o que tem aprendido com os números da Europa e EUA pois sabe que o Brasil está adentrando neste caminho, ele mostrou um gráfico com os dados da recessão brasileira e ainda a capa de uma reportagem do Washington Post de dezembro passado – Brazil passes the mother of all austerity plans. “Soubemos então que o Brasil era agora a mãe de todos os planos de austeridade, com cortes gigantescos, numa escala que nunca vimos na Europa até agora. Acredito que uma das coisas mais importantes que podemos fazer é desmistificar e mostrar as mentiras que são ditas pelos governos. Tenham muita atenção aos constantes ‘Não há alternativa, só a austeridade”, pediu David.
Stuckler mostrou gráficos com o atual posicionamento do FMI diante da austeridade “We underestimated the negative effect of austerity on employment and spending power” diz o artigo Growth Forecast Errors and Fiscal Multipliers, de Olivier Blanchard e Daniel Leigh. O Fundo Monetário Internacional já foi um dos maiores defensores da austeridade mas mudou bastante de opinião. Neste artigo eles fizeram uma avaliação da situação da Grécia onde, imaginavam eles, após 8% de cortes em investimentos haveria um crescimento de 4%, entretanto tal crescimento não aconteceu. Então eles decidiram que o melhor seria cortar mais ainda: e cortaram, mas a economia continuou afundando: – “Foi aí que eles se deram conta de que havia um erro no modelo deles e voltaram a examinar o multiplicador fiscal (que nos mostra qual o retorno econômico para cada dólar gasto) e souberam que na Grécia, durante a recessão, para cada dólar gasto o retorno era de 1,7 dólares! Então no final de 2013 o FMI declarou que na crise o importante é investir e demos um passo além, pois mesmo que os políticos decidam pelos cortes existem agora evidências que mostram qual é a melhor forma de fazer isso: diante de qualquer cenário, protejam o orçamento universal de saúde e educação. Infelizmente não é isso que tem acontecido, na verdade é o oposto que tem acontecido”, disse Stuckler.
David mostrou então como se deu o início dos cortes em saúde por toda a Europa e fez um alerta: -“Nós, epidemiologistas, precisamos entender estes dados econômicos porque no final desta cadeia, está a vida das pessoas. Pois mesmo que toda esta informação econômica pareça muito distante da Epidemiologia, é preciso e é urgente documentar todos estes danos causados pela austeridade. Ainda na Grécia, um jornalista perguntou ao ministro da Saúde se eles realmente teriam coragem de cortar em 40% o orçamento da saúde. É claro que as consequências foram previsíveis. Num artigo que publicamos no Lancet há poucos dias, documentamos um número muito alto da mortalidade infantil na Grécia. Um sinal que o acesso à saúde estava despencando – é como se a saúde pública na Grécia fosse um barco e de repente o governo começasse a enfiar várias lanças no casco e a começasse a afundar a embarcação”, comparou David.
O professor disse então que todos os números comprovam o sofrimento da Grécia: – “E diante disto começamos a documentar todo o impacto da austeridade. Sem os dados, os danos ficariam ocultos e o debate público não teria acontecido. Mas aviso: quando vocês começarem a documentar todos os danos que a austeridade causa na saúde da população, serão atacados, preparem-se. Também fizemos um mapa dos bancos de alimentos que existem no Reino Unido e que até pouco tempo não existiam. Estes bancos se proliferaram no Reino Unido e os ministros conservadores dizem que eles surgiram 'Porque as pessoas não conseguem administrar suas finanças' – um padrão que temos observado nas políticas de cortes, as vítimas são sempre as culpadas. Precisamos, e devemos, enquanto epidemiologistas documentar esses dados. Mas não basta só documentar, temos que buscar uma narrativa alternativa , uma voz diferente para pintar esse quadro de alternativas verdadeiras, é uma das coisas mais importantes que nós, epidemiologistas, podemos fazer. Para o triunfo do mal só basta que homens e mulheres do bem não façam nada”, arrematou David.

Texto obtido em: ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva