Blog do Professor Márcio

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segunda-feira, 29 de junho de 2009

Nenhum a menos

O texto que você verá em seguida, caro leitor, é de autoria do economista e educador César Augusto Dionísio. Tanto gostei do texto que lhe enviei uma mensagem pedindo-lhe autorização para publicá-lo em meu blog. Veja a sua resposta:

"Obrigadíssimo pelas palavras! Autorizo, sim, a publicação do texto a que se refere. A Editora pede apenas para citar a fonte. Sou grato pelos comentários que animam a continuar a difícil caminhada. Pode usar o texto em seu site. Aliás, parabéns pelo conteúdo. É tão raro encontrar fontes com abordagem séria e confiável na net. Parabéns por compor a net um campo mais reflexivo, sério e confiável."

“Nenhum a menos” (Not one less) é um filme imenso. Aprendi com o Professor Maurício Gonçalves que o filme é, por muitas vezes, maior que o cinema. Explico: enquanto o cinema fica lá como uma estrutura técnica, paredes e pipocas, levamos o filme para casa. O cinema não cabe no nosso bolso, mas o filme cabe no bolso de nossa cabeça.

É um filme sobre uma garota de 13 anos que assume as aulas numa paupérrima aldeia da China. Ela vem a substituir um professor que precisa se ausentar e é a única disponível para o cargo na região. Não sabe dar aula, está lá pelo dinheiro. Sabe ler e escrever. E só. Mas a incumbência, que lhe valeria alguns trocados, poderia render um pouco mais se ela, como professora, não deixasse nenhum aluno desistir das aulas. Assim, na próxima vez que o antigo professor aparecesse por lá não deveria ter nenhum aluno a menos, nenhum a menos, o que justifica o título.

Um ato fílmico interessantemente guardado nos olhos e memória de quem vê este bendito filme é que a guria corre, mas corre, mas corre atrás do carro do prefeito, atrás do ônibus, corre atrás do aluno, corre até a cidade grande. Tradução minha: ela corre porque é a única maneira de se conseguir o que se quer. Corre e mira; mira e corre.

Meu olhar de economista e educador deu boas gargalhadas, com direito a rever algumas vezes a cena em que o professor que irá deixar o cargo orienta a nova “professora”. Diz ele para que a menina não escreva na lousa letras muito miúdas, pois irá prejudicar a visão dos alunos, nem muito grandes, que é para economizar o giz. Escrevo, lembro e rio. O cuidado do educador e o cuidado do economista batendo do lado direito e esquerdo da minha face, pelas mãos da grande professora pequena, que tem olhos tão fechados, que nos relevam tudo.

E a professora tem um aluno difícil, que a desafia, responde, contesta e que não quer estudar. Num dia do filme da vida da professora, um aluno não comparece para a aula. Justamente o aluno mais difícil da jovem professora (que é mais jovem do que professora). Alguém de nós será que já topou com o menino do filme por aí? Mas eis que a professora decide, primeiramente, entender porque o aluno não compareceu na escola naquele dia. Descobre que ele foi trabalhar na cidade grande, pois os pais assim precisavam. Ela decide, então, ir até a cidade grande, desconhecida por ela, para buscar seu pupilo, ou seu pimpolho. É triste. Especialmente triste porque a ‘cidade grande’ é um inferno. Gente, muita gente num trânsito desordenado, violência, pobreza, sujeira, escuridão, os ricos e os pobres, misturados como água e óleo, e muita incoerência. Em resumo, a visão urbana do inferno. E aí pergunto-me e pergunto: porque temos a sensação de que precisamos ir até o inferno para buscar nossos alunos? Ou ainda: será que estamos dispostos a ir até o inferno por nossos alunos? A guria foi.

O filme é de 1999, vencedor do Festival de Veneza daquele ano. Mas nada mais atual. A China é, ao mesmo tempo, país de Primeiro e de Terceiro mundo. Digo isso de todos os países que tem gente rica e gente pobre numa mesma fronteira.

Karla Donetti Antunes me indicou o filme, que indico a todos. Depois de assistir e de me lembrar que a senhora Antunes não é professora, lembrei-me que agora ela é mãe e tudo se explica e justifica a recomendação.

Penso ainda que “Nenhum a menos” é um filme que está estampado nos jornais sempre que leio assim: “Número de professores diminui”, “Vestibulandos optam cada vez menos por Pedagogia”, “Evasão no curso de letras vem se acentuando a cada ano”, “Magistério não é opção entre jovens”, “Salário de professores não é atrativo para adolescentes”. “Nenhum a menos” é um sensível tapa na cara da nossa sociedade que quer construir educação sem educadores. Não dá.

Não é um filme sobre assassinato. Se você quer ver sangue, esqueça. O filme nos faz lembrar que lágrimas e suor são expressão muito melhor do que é ser um sujeito humano. Se bem que podemos entender o “Nenhum a menos” como um relato das tentativas de se assassinar a educação. Não é comédia. A não ser nos momentos em que nos pegamos rindo de nós mesmos. China ou Brasil. Adultos ou crianças. Filme ou realidade. Realidade ou falsa realidade. Afinal, onde é que mora mesmo essa tal realidade? Num filme sobre uma guria que se torna professora e que mergulha no desconhecido inferno para buscar uma alma, umazinha só, que se perdeu? Ser professor pelo dinheiro, pelo amor? Não importa. Recomendo que assistam à realidade fílmica de “Nenhum a menos” para tentar compreender a nossa.


César Augusto Dionísio é economista e professor. Contato: cesar.dionisio@unavision.com.br.
Este artigo foi publicado em JORNAL VIRTUAL GESTÃO EDUCACIONAL Ano 2 Nº 116 - 16/06/09

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Pensamento do dia

"Pessoas inteligentes falam de idéias,
pessoas comuns falam de coisas,
pessoas medíocres falam de pessoas."
(Autor Desconhecido - Enviado pelo Prof. Ronaldo Santiago)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Nenzinho

Acredito que, se um dia eu partir desta cidade, o tempo poderá me levar a esquecer de coisas que um dia considerei importantes, mas não apagará algumas imagens que ainda carrego dos primeiros anos de minha vida em Paracatu.

Tem tanta gente recém-chegada que talvez quase ninguém conheça ou se recorde de Tibiqüera, Benta, Agenor, Bam-bam-bam, Benedita Formigão, Dionísio Pilão e outras figuras, que não eram apenas indivíduos relegados ao anonimato, mas faziam parte da identidade coletiva e do imaginário popular.

Já agora o leitor estará se perguntando: - Você só se recorda deste tipo de pessoas, figuras deslocadas, gente doida, pessoas rejeitadas?

Claro que não, tenho muitas e todo tipo de lembranças, mas é para isto que a memória me serve: deixar gravadas aquelas que me recordam a humanidade, a dura luta, o frágil e instável equilíbrio que nos mantém presos à existência. Quanta humanidade naqueles doidos varridos, inofensivos, quando muito xingadores, blasfemadores, para os quais olhávamos não apenas com tolerância, mas com amor!

Outro dia, estava descendo a rua em frente da Igreja Presbiteriana e a lembrança me trouxe a imagem nítida de uma manhã dos tempos em que eu morava no sobradinho da Rua Alexandre Silva, perto da Igreja Matriz. Era outubro de 1987, eu estava passando naquele mesmo lugar quando vi Nenzinho pela primeira vez. Sua figura logo me chamou a atenção, ele ali caminhando bem no meio da rua - que naquela época não tinha asfalto e sinais de trânsito -, bem vestido, o infalível boné para fugir do sol escaldante.

Desde então, o tempo mudou todas as feições do lugar: alguém mandou cobrir de asfalto as pedras seculares (!), a casa dos Faria foi derrubada para dar passagem ao trânsito, vieram as placas e as faixas de sinalização..., mas o Nenzinho ali estava, bem mais velho, assim como eu, encarando com a mesma seriedade a sua função.

Função? Papel? Qual seria o papel do Nenzinho? Guarda de trânsito, zelador da rua? Sei lá o que ele pensa. Ele sobe e desce a mesma rua, como se fosse um motorista dirigindo sem carro, olha preocupado as faixas amarelas, que mandaram pintar sobre o asfalto, recentemente. O trânsito de hoje não é como o daquela época, que seguia na velocidade da vida pacata e respeitava o costume dos paracatuenses de andarem a pé no meio da rua. Por isso, Nenzinho caminha atento, dirigindo, orientando, sabendo o risco que corre.

Dei trégua ao meu afobamento, estacionei o carro e tirei a foto que está aqui ao lado.
Nenzinho sobe e desce. Ele pára, coça a cabeça, não ousa ultrapassar a faixa contínua. Não, ele respeita as demarcações. Lá vêm vindo os carros, eles passam velozes, são muitos, gente apressada. Nenzinho recua para a calçada, alguém grita da janela do carro: - Sai da rua, seu idiota! Olho o idiota que gritou e vejo que a placa do carro não é de Paracatu, é de cidade grande, intolerante.

Fiquei ali pensando com os meus botões. De uns anos para cá uma constatação me deixa apreensivo e, confesso, pesaroso: a cidade está crescendo explosivamente e os nossos doidos estão sumindo. Será que tem a ver com o caos provocado pelo excesso de veículos no centro da cidade? O que aconteceu com este lugar, que não produz mais aqueles doidos amigos, próximos, e que nos tocavam o coração com bondade? Doidos como o Nenzinho estão dando lugar aos loucos violentos, que se organizam em quadrilhas para roubar e matar, aos loucos do trânsito, loucos das drogas, loucos estupradores, loucos ameaçadores.

A gente não vive no passado, e o nosso presente é aquilo que fazemos dele. Por isto, Nenzinho insiste, ele sobe e desce a rua, caminha bem junto à faixa dupla central, sem pisar nela, contudo, sem ultrapassá-la, jamais. Sua insistência é a sua loucura, que resiste ao processo de desumanização feito em nome do progresso. Seu papel é nos lembrar que esta é a nossa cidade, que somos gente, pessoas frágeis, num instável e perigoso equilíbrio.

Crônica publicada no jornal "O Movimento", edição 353, Maio/Junho de 2009.

"Raízes do Brasil": Holanda e o Método Weberiano

Concepção Weberiana do Tipo Ideal

Para Weber a sociedade não pode ser compreendida como um sistema natural e, no estudo sociológico ou histórico, a realidade jamais pode ser alcançada em sua totalidade, pois tem como referência uma realidade infinita e complexa, analisada, sempre, a partir de um determinado ponto de vista e com base em dados esparsos e fragmentados (SCHNEIDER e SCHIMITT, 1998). Pode-se perceber que aquilo que se considera fato histórico é, na verdade, representação de evento cuja veracidade varia de acordo com quem os registrou, quando, como, onde e porque os registrou (PORTO, 2000).

Diante disso, ele propôs a construção de tipos idealizados, ou tipos ideais, como forma de compreender a realidade. O tipo ideal não se confunde com o real; serviria, então, de instrumento de análise sociológica para o apreendimento da sociedade por parte do cientista social, destituído de tom avaliativo, oferecendo um recurso analítico baseado em conceitos. Entretanto, este recurso não permite estabelecer a neutralidade total e objetiva do cientista, pois este continua guiado pelos seus sentimentos, por suas escolhas subjetivas e seus valores. (COSTA, 2005, citado por Wikipedia, 2009; FERREIRA, 2009).

O Método Weberiano na obra de Holanda

De acordo com Schilling (2009), Buarque de Holanda transferiu-se para a Europa, em 1929, com o propósito de visitar Alemanha, Polônia e Rússia, e escrever sobre a situação daquele continente para o Diário de São Paulo, O Jornal e Agência Internacional de Notícias. Em Berlim, assistiu aulas do historiador Friedrich Meinecke e estudou Weber e Rilke. Esses fatos foram de suma importância na escrita de sua obra Raízes do Brasil.

Raízes do Brasil é um livro inovador no que diz respeito à busca da identidade nacional, onde o autor vai atrás do que se poderia chamar de essência do homem brasileiro. Para isto faz uso de um método dialético para exprimir com riqueza as contradições sociais (FERREIRA et al, 2009). Nesta obra, à semelhança dos “tipos ideais” usados por Max Weber, observa-se a introdução de dicotomias e tipologias que ajudariam na explicação dos extremos da sociedade brasileira. Embora a inspiração weberiana, Buarque de Holanda vai além de uma simples cópia, na medida em que focaliza pares e não a pluralidade de tipos. “Tais pares se interpenetram, se alimentam e se modificam com vistas a chegar a um retrato que escapa e é movido pela própria história” (SCHWARCZ, 2000).

Para Castro (2009):

A obra se move no contexto de uma problemática teórica tipicamente weberiana - a adequação de autoridade política do tipo legal racional a uma realidade onde predomina uma autoridade de molde tradicional ou carismática. A influência de Weber, entretanto, vai mais além. Penetra na própria obra onde a história comparada através de tipos ideais é o método de exposição utilizado.

Em Raízes do Brasil, Holanda traduz a metodologia weberiana através de um mapeamento de pares opostos, que o autor destaca no modo de ser ou na estrutura social e política, para analisar e compreender o Brasil e os brasileiros. São eles: trabalho e aventura; método e capricho; rural e urbano; burocracia e caudilhismo; norma impessoal e impulso afetivo; o trabalhador espanhol e o semeador português... os quais formam uma espécie de modelos contrastivos de pensar (SCHWARCZ, 2000). Conforme estabelecido por Weber, essas tipificações são ideais e não possuem existência real fora do mundo das idéias.

De acordo com Santos (2009), a composição de contrários insere na obra uma possibilidade de interpretação dinâmica do Brasil, apontando para um processo dialético de formação do país: “Sérgio pretende, com sua ‘metodologia dos contrários’, mostrar que os processos que condicionaram nossa formação social são históricos e, portanto, sujeitos a transformações.” (COSTA, 1992, citado por SANTOS, 2009).

Ainda dentro da ótica weberiana, Holanda utilizou, por meio do método comparativo, os conceitos de patrimonialismo e burocracia para analisar o Estado brasileiro e constatar que este não se enquadra no modelo estatal elaborado pelo sociólogo alemão:
para o funcionário patrimonial, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere-se relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem as especializações das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos” (HOLANDA, 2002).

É através da busca das raízes da sociedade brasileira, que vem da colonização portuguesa, de uma estrutura política, econômica e social completamente instável de famílias patriarcais e escravagistas, num jogo de idas e vindas através da história, que Sérgio Buarque inseriu seu famoso tipo ideal – o “homem cordial”. Vale dizer que o “homem cordial” é um conceito do escritor Ribeiro Couto, do qual Holanda se apropriou para denunciar a cultura patrimonialista e personalista da sociedade brasileira, como explicação para a incapacidade de se integrar à modernidade anglo-saxônica, o que lhe valeu ataques de todos os lados (FERREIRA et al, 2009).

Mas, o que é essa “cordialidade” do homem brasileiro? A cordialidade é entendida por Sérgio Buarque de Holanda como intimidade, horror à distância etc.; não quer dizer nem polidez nem civilidade. Ela enfatiza o predomínio de relações humanas mais simples e diretas que rejeitam a polidez e a padronização, características da civilidade; isto dificulta a constituição de um Estado “civil”, na medida em que vincula a essa instituição os valores familiares e patriarcais e impedem uma distinção clara entre o público e o privado (SCHWARCZ, 2008; SCHILLING, 2009).

Assim, ao reler a gênese da sociedade brasileira, Sérgio Buarque de Holanda lança mão de referências teóricas desenvolvidas pela sociologia alemã e sua obra se destaca por ser o primeiro estudo histórico brasileiro estruturado no método weberiano.

REFERÊNCIAS

CASTRO, Marcio Henrique Monteiro de. O sentido da revolução brasileira em “Raízes do Brasil”. Obtido em: https://www.esg.br/cee/ARTIGOS/mhenrique2.pdf. Acesso em: 15/5/2009.
FERREIRA, Ana Luiza; MENDES, Fernanda; NISHIYAMA, Gisele; CHAVES, Paula e CALAIS, Samira. Análise de Raízes do Brasil: uma visão sobre a obra de Sérgio Buarque de Holanda. Revista de Artes e Humanidades, Viçosa, nº 3, nov-abr 2009.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.
PORTO, Sérgio Ribeiro. Raízes do Brasil – Uma Análise Tropológica. Editora: CopyMarket.com, 2000. Obtido em: http://www.scribd.com/doc/6800833/Raizes-Do-Brasil-Resumo. Acesso em: 12/5/2009.
SANCHES, Rodrigo Ruiz. A questão da democracia em Sérgio Buarque de Holanda. 2001. 136f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - UNESP, Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara, 2001.
SANTOS, Samuel Martins. Raízes das instituições jurídicas do brasil: algumas contribuições de Sérgio Buarque de Holanda. Obtido em: http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewFile/7052/5028. Acesso em: 12/5/2009.
SCHILLING, Voltaire. Sérgio Buarque, o explicador do Brasil. Obtido em: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/brasil/2002/07/03/001.htm . Acesso em: 11/5/2009.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sérgio Buarque de Holanda e essa tal de “cordialidade”. Revista IDE, Psicanálise e Cultura, São Paulo, 2008, 31(46), 83-89.
WIKIPEDIA. Raízes do Brasil. Obtido em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ra%C3%ADzes_do_Brasil. Acesso em: 11/5/2009.

Autor: Márcio José dos Santos
Paracatu, 18 de maio de 2009