Blog do Professor Márcio

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quarta-feira, 17 de junho de 2009

"Raízes do Brasil": Holanda e o Método Weberiano

Concepção Weberiana do Tipo Ideal

Para Weber a sociedade não pode ser compreendida como um sistema natural e, no estudo sociológico ou histórico, a realidade jamais pode ser alcançada em sua totalidade, pois tem como referência uma realidade infinita e complexa, analisada, sempre, a partir de um determinado ponto de vista e com base em dados esparsos e fragmentados (SCHNEIDER e SCHIMITT, 1998). Pode-se perceber que aquilo que se considera fato histórico é, na verdade, representação de evento cuja veracidade varia de acordo com quem os registrou, quando, como, onde e porque os registrou (PORTO, 2000).

Diante disso, ele propôs a construção de tipos idealizados, ou tipos ideais, como forma de compreender a realidade. O tipo ideal não se confunde com o real; serviria, então, de instrumento de análise sociológica para o apreendimento da sociedade por parte do cientista social, destituído de tom avaliativo, oferecendo um recurso analítico baseado em conceitos. Entretanto, este recurso não permite estabelecer a neutralidade total e objetiva do cientista, pois este continua guiado pelos seus sentimentos, por suas escolhas subjetivas e seus valores. (COSTA, 2005, citado por Wikipedia, 2009; FERREIRA, 2009).

O Método Weberiano na obra de Holanda

De acordo com Schilling (2009), Buarque de Holanda transferiu-se para a Europa, em 1929, com o propósito de visitar Alemanha, Polônia e Rússia, e escrever sobre a situação daquele continente para o Diário de São Paulo, O Jornal e Agência Internacional de Notícias. Em Berlim, assistiu aulas do historiador Friedrich Meinecke e estudou Weber e Rilke. Esses fatos foram de suma importância na escrita de sua obra Raízes do Brasil.

Raízes do Brasil é um livro inovador no que diz respeito à busca da identidade nacional, onde o autor vai atrás do que se poderia chamar de essência do homem brasileiro. Para isto faz uso de um método dialético para exprimir com riqueza as contradições sociais (FERREIRA et al, 2009). Nesta obra, à semelhança dos “tipos ideais” usados por Max Weber, observa-se a introdução de dicotomias e tipologias que ajudariam na explicação dos extremos da sociedade brasileira. Embora a inspiração weberiana, Buarque de Holanda vai além de uma simples cópia, na medida em que focaliza pares e não a pluralidade de tipos. “Tais pares se interpenetram, se alimentam e se modificam com vistas a chegar a um retrato que escapa e é movido pela própria história” (SCHWARCZ, 2000).

Para Castro (2009):

A obra se move no contexto de uma problemática teórica tipicamente weberiana - a adequação de autoridade política do tipo legal racional a uma realidade onde predomina uma autoridade de molde tradicional ou carismática. A influência de Weber, entretanto, vai mais além. Penetra na própria obra onde a história comparada através de tipos ideais é o método de exposição utilizado.

Em Raízes do Brasil, Holanda traduz a metodologia weberiana através de um mapeamento de pares opostos, que o autor destaca no modo de ser ou na estrutura social e política, para analisar e compreender o Brasil e os brasileiros. São eles: trabalho e aventura; método e capricho; rural e urbano; burocracia e caudilhismo; norma impessoal e impulso afetivo; o trabalhador espanhol e o semeador português... os quais formam uma espécie de modelos contrastivos de pensar (SCHWARCZ, 2000). Conforme estabelecido por Weber, essas tipificações são ideais e não possuem existência real fora do mundo das idéias.

De acordo com Santos (2009), a composição de contrários insere na obra uma possibilidade de interpretação dinâmica do Brasil, apontando para um processo dialético de formação do país: “Sérgio pretende, com sua ‘metodologia dos contrários’, mostrar que os processos que condicionaram nossa formação social são históricos e, portanto, sujeitos a transformações.” (COSTA, 1992, citado por SANTOS, 2009).

Ainda dentro da ótica weberiana, Holanda utilizou, por meio do método comparativo, os conceitos de patrimonialismo e burocracia para analisar o Estado brasileiro e constatar que este não se enquadra no modelo estatal elaborado pelo sociólogo alemão:
para o funcionário patrimonial, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere-se relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem as especializações das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos” (HOLANDA, 2002).

É através da busca das raízes da sociedade brasileira, que vem da colonização portuguesa, de uma estrutura política, econômica e social completamente instável de famílias patriarcais e escravagistas, num jogo de idas e vindas através da história, que Sérgio Buarque inseriu seu famoso tipo ideal – o “homem cordial”. Vale dizer que o “homem cordial” é um conceito do escritor Ribeiro Couto, do qual Holanda se apropriou para denunciar a cultura patrimonialista e personalista da sociedade brasileira, como explicação para a incapacidade de se integrar à modernidade anglo-saxônica, o que lhe valeu ataques de todos os lados (FERREIRA et al, 2009).

Mas, o que é essa “cordialidade” do homem brasileiro? A cordialidade é entendida por Sérgio Buarque de Holanda como intimidade, horror à distância etc.; não quer dizer nem polidez nem civilidade. Ela enfatiza o predomínio de relações humanas mais simples e diretas que rejeitam a polidez e a padronização, características da civilidade; isto dificulta a constituição de um Estado “civil”, na medida em que vincula a essa instituição os valores familiares e patriarcais e impedem uma distinção clara entre o público e o privado (SCHWARCZ, 2008; SCHILLING, 2009).

Assim, ao reler a gênese da sociedade brasileira, Sérgio Buarque de Holanda lança mão de referências teóricas desenvolvidas pela sociologia alemã e sua obra se destaca por ser o primeiro estudo histórico brasileiro estruturado no método weberiano.

REFERÊNCIAS

CASTRO, Marcio Henrique Monteiro de. O sentido da revolução brasileira em “Raízes do Brasil”. Obtido em: https://www.esg.br/cee/ARTIGOS/mhenrique2.pdf. Acesso em: 15/5/2009.
FERREIRA, Ana Luiza; MENDES, Fernanda; NISHIYAMA, Gisele; CHAVES, Paula e CALAIS, Samira. Análise de Raízes do Brasil: uma visão sobre a obra de Sérgio Buarque de Holanda. Revista de Artes e Humanidades, Viçosa, nº 3, nov-abr 2009.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.
PORTO, Sérgio Ribeiro. Raízes do Brasil – Uma Análise Tropológica. Editora: CopyMarket.com, 2000. Obtido em: http://www.scribd.com/doc/6800833/Raizes-Do-Brasil-Resumo. Acesso em: 12/5/2009.
SANCHES, Rodrigo Ruiz. A questão da democracia em Sérgio Buarque de Holanda. 2001. 136f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - UNESP, Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara, 2001.
SANTOS, Samuel Martins. Raízes das instituições jurídicas do brasil: algumas contribuições de Sérgio Buarque de Holanda. Obtido em: http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewFile/7052/5028. Acesso em: 12/5/2009.
SCHILLING, Voltaire. Sérgio Buarque, o explicador do Brasil. Obtido em: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/brasil/2002/07/03/001.htm . Acesso em: 11/5/2009.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sérgio Buarque de Holanda e essa tal de “cordialidade”. Revista IDE, Psicanálise e Cultura, São Paulo, 2008, 31(46), 83-89.
WIKIPEDIA. Raízes do Brasil. Obtido em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ra%C3%ADzes_do_Brasil. Acesso em: 11/5/2009.

Autor: Márcio José dos Santos
Paracatu, 18 de maio de 2009

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Professor Márcio!
Você sabe se o autor (Sérgio Buarque), tem alguma contribuição para o direito na modernidade?
joel.walley@hotmail.com

Márcio José dos Santos disse...

Olá, Joel.
Recomendo-lhe a leitura do artigo através do seguinte link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922014000300008

Atenciosamente,
Márcio