Publicado em junho 10, 2016 por Redação
Tags: sociedade
O estupro é como um castigo; é o nosso “mea culpa” por termos nascido mulher.
Por mais
de 30 anos desenvolvi atividades de danças étnicas árabes com diversos grupos
de mulheres, que se mesclavam por crenças, cor e região. Conhecida no Ocidente
como sedutora, a dança do ventre, entre outras danças árabes, mexe com o
imaginário masculino e, nos corpos femininos, provoca sensações e despertares.
O que
parece ser deslumbrante entre os ritmos e o desenrolar de movimentos durante as
rodas nos exercícios aplicados é, na verdade, uma regressão ao inconsciente da
mulher pelos amores vivenciados, por suas expectativas e, especialmente, seus
muitos sofrimentos.
Ao buscar o significado destas sensações no livro “A Velha – Mulher
de idade, sabedoria e poder”, Walker revela o que existiu nas sociedades
matriarcais e explica por que as mulheres são violentadas, humilhadas e
estupradas por homens que se dizem apaixonados e atraídos por elas. A autora,
feminista, detalha fatos históricos. Pesquisa minuciosamente as razões que
fazem tantas mulheres serem vítimas da violenta agressão do estupro.
Desde sua
capacidade de gerar vida até sua sabedoria esculpida na face com as rugas do
tempo, esclarece por que o patriarcalismo tomou os espaços das poderosas
matriarcas. O estupro parece ter sido o meio de as dominar e sobre elas exercer
incontestavelmente seu poder.
A autora,
em suas pesquisas, explora a face mais cruel da realidade humana. Mostra como
as mulheres são excluídas das posições de destaque e como, os homens paridos e
por elas criados, são capazes de as oprimir e massacrar, numa relação paradoxal
de amor e ódio.
O estupro
não se materializa apenas no ato propriamente dito. Vale-se de uma maneira mais
letal e sutil: a palavra. Por ela, penetra sorrateiramente no inconsciente
coletivo feminino e nele se aloja.
Os
depoimentos de diversas mulheres durante as oficinas de dança revelam outras
formas, não menos cruéis, como a abordagem que desqualifica o corpo, a
estética, lhes rebaixa a moral e a dignidade. É evidente que a agressão física,
como fato em si, é dolorosa; lamentavelmente, essa agressão, porém, não se
limita ao aspecto físico. Nas rodas de danças há risadas, cantos, gritos,
lamentos e choradeira. Quando a regressão encontra o ponto mais sensível do
corpo, os sentimentos explodem e são compartilhados por todo o grupo. As
mulheres se solidarizam, pois a dor de uma é a dor de todas reagem em grupo
como que em defesa da “espécie”.
Combater a
cultura do estupro exige de todas nós muito mais posicionamentos políticos,
críticas e ações proativas. Exige sobretudo apoio dos homens, além de
reconhecimento e tratamento dos agressores, para reverter seus traumas e suas
experiências, para curar uma chaga tão profunda na história que faz deles
monstros.
Identificar
a doença, suas causas e suas consequências é o primeiro passo para superarmos
esse mal, que causa tantas vítimas e nos faz sentir culpadas por termos nascido
mulher.
Referências:
WALKER, Barbara G.A Velha – Mulher de idade, sabedoria e poder
Tradução: Dinah de Abreu Azevedo. A Senhora Editora. 2001.
http://www.asenhoraeditora.com.br/catalogo.html#velha
Tradução: Dinah de Abreu Azevedo. A Senhora Editora. 2001.
http://www.asenhoraeditora.com.br/catalogo.html#velha
EL KHALILI, Amyra. “Dança, Identidade e Guerra”. Carta Maior, 2009.
http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=4066
http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=4066
Assista: “Dança, Identidade e Guerra”. Movimento Mulheres pela P@Z!
http://br.youtube.com/watch?v=E2ZutMOzRPA
http://br.youtube.com/watch?v=E2ZutMOzRPA
Amyra El Khalili é Fundadora do Movimento Mulheres pela P@Z! . Ministra
a oficina de danças étnica árabes “Dança pela Água em missão de Paz” no Brasil
e no exterior.
in EcoDebate,
10/06/2016
"Barbara G. Walker: o estupro
nosso de cada dia, artigo de Amyra El Khalili," in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 10/06/2016,https://www.ecodebate.com.br/2016/06/10/67532/.
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