Blog do Professor Márcio

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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A Cidade do Peixe Bom

Caro leitor,

Temos a honra de publicar este artigo do Professor Marcos Spagnuolo, doutor em filosofia, apaixonado pela história de Paracatu, para a qual trouxe valiosas contribuições através de seus livros (Os negros em Paracatu, Paracatu: sua história e Vidas vividas em Paracatu), sempre procurando resgatar a história que ninguém quis contar. 
Achamos que o texto abaixo faz parte dessa história que ninguém quer contar. O texto do Professor não foi aceito por um órgão de imprensa, devido ao seu teor contundente contra os donos do poder, mas aqui está porque, nas palavras de George Orwell, "liberdade de imprensa é você poder dizer aquilo que o outro não quer ouvir". O resto é propaganda!

Professor Marcos Spagnuolo

Era uma vez uma região que existia quase no centro do Brasil que era habitada pelos índios Tupis. O solo era vermelho com suas árvores de galhos tortuosos oferecendo o buriti, mangaba, caju, baru, pequi, maracujá, jatobá, babaçu, cagaita, umbu, murici, araticum, bacuri e macaúba.Inúmeros animais pastavam por essa banda entre eles a anta, o cervo, onça-pintada, suçuarana, tatu-canastra, lobo-guará, lontra, tamanduá-bandeira, gambá, ariranha, gato-palheiro, veado-mateiro, macaco-prego, quati, queixada, porco-espinho, capivara, tapiti e preá.

Nos anos de 1700, inúmeros aventureiros chegaram bem no interior dessa terra descoberta pelos Portugueses e encontraram ouro em abundância, iniciando o percurso da História elaborada pelos brancos, começando a devastação dos índios, e posteriormente do cerrado. Todos os índios foram mortos, não sobrou nenhum para contar a história sendo que os rios que passavam por essa região ficaram vermelhos de tanto sangue pela matança indiscriminada dos aborígenes, ou nativos dessas terras.

Em cima do ossos dos índios construíram o arraial do Peixe Bom e a primeira capela para pedirem a Deus mais ouro com o objetivo de sufocarem suas fomes por riqueza. Para extraírem o ouro buscaram os negros que vieram de outras terras, percorrendo grandes distâncias enfileirados, a pé e acorrentados, ou então, em cima dos carros-de-boi. Muitos morreram no percurso e seus corpos foram deixados para os animais saciarem sua fome.

Os negros foram colocados nas senzalas e durante o dia, vigiados, cavavam a terra buscando ouro que eram entregues aos seus donos que passaram a construir nesse fim de mundo a Vila do Peixe Bom, agora, não somente em cima dos cadáveres dos índios, mas, também das centenas de negros que aqui foram castigados, humilhados, explorados, aniquilados e, torturados.

As negras foram usadas como instrumento de prazer pelos senhores que aos domingos iam com toda sua família rezar em uma das muitas igrejas que aqui foram construídas. Os filhos bastardos viviam a margem carregando por toda a vida o desprezo de seus irmãos consanguíneos e das esposas dos brancos. Ainda hoje podemos nos colocar em silêncio para ouvir o choro das negras, dos negros, dos seus filhos e dos bastardos por não compreenderem a causa de tamanho sofrimento e dor. Se aprofundarmos no silêncio escutaremos também os gritos dos índios sendo mortos porque estavam defendendo tudo aquilo que gostavam e amavam.

O tempo foi passando, os negros que sobreviveram foram libertados, mas, permaneceram nessa terra de sangue e aqui ergueram choupanas para abrigarem suas esposas e filhos. Continuaram fazendo o que sempre fizeram que era tirar ouro da terra sangrenta e vender, por preço barato, aos brancos endinheirados. No terreno em volta do casebre feito de terra batida plantavam suas roças que garantiam suas sobrevivências.

Arraial, Vila e agora cidade do Peixe Bom que, tendo por fundamento a extração de ouro, receberam as dragas que devastaram os rios e riachos. Garimpeiros acampados eram mortos e seus acampamentos queimados pelos jagunços dos donos da cidade. Muitos brancos enriqueceram, formaram fazendas, destruíram as matas, as nascentes e pequenos cursos de água foram substituídos pelo gado visando o abate. Boiadas e mais boiadas eram levadas para os matadouros distantes cortando o cerrado.

O tempo passou, o ouro não acabou, e os garimpeiros e as dragas foram substituídas pelo dragão avassalador, moendo milhões de toneladas de rocha para tirar o ouro. A moagem liberou e continua soltando o pó, o arsênio, os micro organismos desconhecidos que estão no interior das rochas. Tudo isso cai, como se chuva fosse, sobre a cidade. O pobre e o rico, sorrindo vão respirando esse ar pútrido, não somente o humano, mas também a vegetação, os animais e o gado que devoramos para saciar a nossa fome. Não satisfeitos criaram mais e mais barragens para aglutinar os rejeitos envenenados matando, na construção dos reservatórios, as nascentes, rios, flora e fauna. O povo alegre comemora o carnaval, a parada do dia da cidade e grita loucamente nos shows subsidiados pela casa do povo, e também, como não poderia deixar de ser, pelo dragão que tudo devora.

Descobriram que no cerrado podiam plantar utilizando muito adubo e esparamadores de água que roubam dos rios subterrâneos que é de todos. O cerrado vai diminuindo de tamanho todos os dias e os donos das plantações jogam milhões de toneladas de veneno em suas abençoadas hortas e esse veneno é levado pelo vento a todos os lugares.

A Cidade do Peixe Bom, alimentada pelos venenos, que são jogados na soja, nos milharais e nos outros tipos de plantações, associada as impurezas do dragão avassalador e pela secagem dos rios devido a criação dos pastos, eo povo vai vivendo feliz, chupando sua cerveja, comendo seu churrasco envenenado e tomando o leite branco como se fosse somente branco. Monta-se um teatro na cidade, onde a apresentação gira em torno de uma beleza fictícia. Fotografias são tiradas dos velhões casarões reformados, das cachoeiras que ainda restam ou dos rios que a cada ano desaparecem, procurando esconder as tristezas que realmente existem atrás dessas telas.

A casa da justiça, bestificada, apegada a sua rotina continua com os olhos vendados como se nada estivesse acontecendo. A casa do comandante da cidade dirigida pelo galo encantado e a casa da lei controlada pelos pintinhos que gostam dos farelos jogados pelo galo e pelo dragão avassalador fazem tudo que é contra o povo. O galo encantado mandou matar a única árvore que restou do tempo dos índios, e ainda manda construir uma casa administrativa em um terreno que é de um amigo para pagar durante toda a existência, com o dinheiro dos esfarrapados, o aluguel do terreno da construção.


Durante a noite costumo ver os fantasmas dos que morreram buscando suas casas que não mais existem, os parentes que não mais moram aqui e todos eles fazendo coro com a alma dos índios e negros suplicando por mais justiça e que diminua a fome dos nobres que somente querem ouro e mais ouro sem pensar nunca no povo que continua escravo. Agora, a Cidade do Peixe Bom não mais existe, o dragão avassalador cuspindo fogo de suas entranhas,  queima as últimas cinzas do que existiu.

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