Blog do Professor Márcio

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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Cavalo não (tem) mente

Outro dia, naquela hora da entrada da noite em que não consigo fazer nada, liguei a televisão num desses programas sensacionalistas de uma TV paulista. A reportagem era sobre um cavalo que estava atolado no Rio Tietê, local lamacento, coberto de uma trama vegetal de plantas aquáticas e lixo de toda espécie. Havia um grupo de pessoas na margem puxando cordas atadas ao animal e quatro pessoas em dois barcos, que o instigavam a sair dali.

Coitado do bicho, era um desses animais de carroça, criado sem pasto, tendo que encher a barriga por conta própria, já que o dono também anda de barriga vazia. Igualzinho a esses que vemos aqui em Paracatu, à cata de lotes sujos e sem muro, que, felizmente para os cavalos, temos em abundância.

(Você já reparou? Todo mês de agosto os donos de carroça ateiam fogo pela cidade para que o capim brote para os seus famintos animais!)

A operação estava no final, depois de quatro horas de salvamento, segundo o repórter. O esforço daquela gente teve sucesso, e o cavalinho saiu a passos firmes da água, o pessoal fazendo festa, o repórter emocionado, teve até foguete.

Imaginem agora, se fosse o salvamento de um ser humano qualquer. Seria também uma festa, muito maior, todo mundo querendo abraçá-lo, gente chorando de alegria, ou talvez acusando a administração pública, e a (quase) vítima desaguando as lágrimas, fazendo o papel que se espera de uma vítima.

Pois foi aí que fiquei chocado: o cavalinho, mal tirou as patas da água, estacou, baixou a cabeça e meteu a boca no capim verdinho da beira do rio. As pessoas faziam festa e tentavam puxá-lo, mas ele ficou ali, empacado, arrancando as touceiras de capim, comendo com gulodice.

Esta imagem do cavalinho não me saiu da memória, estou há dias a refletir sobre ela. Por acaso (o acaso não existe!), estou lendo o livro “O Caminho do Guerreiro Pacífico”, de Dan Millman, que me ensinou algumas coisas, que estou repassando aqui.

Para aquele cavalo, o fato de que quase morreu atolado no rio não tinha mais significado a partir do momento em que foi resgatado. Aquilo já era passado e, para ele, só importava o presente, o capim verde e fresco que ele precisava para encher a barriga. Nada de choro, lamentações, acusações, perda do apetite. Tenho certeza de que naquela noite ele dormiu bem, empanturrado.

O ser humano, por outro lado, tem o que chamamos “mente”, essa coisa estupenda que é ao mesmo tempo a sua força e fraqueza. Não se confunda com o cérebro, máquina que comanda o corpo, armazena e processa informações. O cérebro é real, mas a mente não.

Vamos generalizar da seguinte maneira: qualquer ser humano que vivencie uma experiência traumática tende a carregá-la para o resto de sua vida, e a vivencia a cada lembrança que a mente lhe traz, como se ela fosse real. Fica preso ao passado, e a mente (irreal) transforma o passado em "realidade". Uma realidade que não mais existe, que jamais voltará a existir. Portanto, uma ilusão.

Você acha que isto é consciência? Saiba que a consciência não é a mente; a consciência é o sentimento ou conhecimento que nos permite discernir e compreender aspectos da realidade. A percepção não é a mente e a atenção também não é a mente. A mente bloqueia a percepção e anula a atenção. Mente é o reflexo da excitação do cérebro, e a superexcitação do cérebro humano produz o que se chama “mente condicionada”, um afluxo de pensamentos descontrolados, às vezes aleatórios, às vezes repetitivos, que engana e ilude, que nos incapacita para conhecer o real e, assim, viver o momento presente.

De maneira geral, os seres humanos não apenas são prisioneiros da mente condicionada, mas se deleitam nesta condição e se orgulham de serem assim. Todo dia colocando um pouquinho de adubo e água nos seus vasos de dores – brigas, inimizades, acidentes, traições, decepções... -, cultivando lembranças ruins, venenos que a mente lança inesgotavelmente. Assim, seguem pela vida afora fazendo papel de vítimas, sem perceberem as oportunidades de uma vida real, verdadeira.

Se o cavalinho pode sair da lama comendo capim, por que não podemos sair das nossas experiências difíceis sem olhar para trás, aproveitando o que o presente nos oferece? Podemos, sim, mas precisamos aprender. Vamos aprender com a lição do cavalo, pois cavalo não (tem) mente!

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