Estudando
as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross
Márcio
José dos Santos
Esta
série de artigos chega ao seu final e a intenção é encerrá-la com uma
auto-análise. O objetivo proposto no primeiro texto, publicado em agosto de
2013, foi expor as relações entre a mineradora RPM/Kinross e a sociedade
paracatuense, para analisá-las à luz de teorias do poder. Mesmo reconhecendo as
limitações deste autor, essas análises são pontos de vista importantes ao se
considerar que não partem de um observador que tenta ser neutro, mas que expressa
de maneira clara o seu próprio olhar, como forma de resistência contra a
degradação ambiental de Paracatu.
Pela
publicação desta série, pouquíssimas pessoas se manifestaram e algumas que o
fizeram, quase como condolências, me perguntavam: - Você acha que muitas
pessoas lêem seus artigos?; ou - Qual o tipo de leitor que lê os seus artigos? ou
ainda, - Qual o efeito dos seus artigos?
Alguns
leitores são o que se chama “formadores de opinião”: analisam, discutem,
repercutem e tomam posição. Mesmo que tomem posição contrária, ninguém sai
ileso de uma leitura em que os argumentos se apóiam na razão. E os artigos desta
série têm sido quase o único contraponto à imensa e avassaladora propaganda da
Kinross.
Durante
quase um ano estivemos presentes na imprensa expondo a rede de poder da Kinross
e as conseqüências nefastas da dominação imposta à sociedade paracatuense: os
impactos sobre as populações dos bairros periféricos à mina, com as explosões,
barulho e poeira tóxica; a demolição de bairros e expulsão de moradores; as
omissões, a complacência ou até mesmo o conluio de órgãos e autoridades
públicas em suas várias instâncias, como aqueles que se envolveram para maquinar
um Termo de Ajustamento de Conduta da Kinross ou para contratar um estudo
epidemiológico de fachada, à custa do erário público; o envolvimento da PMMG em
serviços de escolta de carregamento de ouro, policiamento das áreas internas da
mina e até mesmo a montagem de um absurdo e ilegal sistema via rádio, ponto a
ponto, uma espécie de “telefone vermelho” entre a Kinross e a PMMG; os danos
ambientais e patrimoniais resultantes do mau gerenciamento da estação de
captação de água do São Domingos; a má gestão ambiental da poeira fugitiva da
mina, com utilização de aspersão de água contaminada; os efluentes contendo
arsênio, metais pesados e produtos químicos tóxicos que circulam em sistema
aberto, ao contrário das barragens mais seguras; os efluentes contendo cianeto,
que até hoje não passam por sistema de tratamento “detox”, para reduzir os
custos do beneficiamento do minério e aumentar os lucros da empresa; a falta de
transparência da mineradora, que esconde do público os resultados do
monitoramento ambiental...
Como
se vê, não é pouca coisa. Mas, vamos ser realistas: poucas pessoas lêem meus
artigos e dos poucos que lêem somente alguns concordam com meus pontos de
vista. Mas, para mim, não é isto que conta!
Sabe o
que conta? Em menos de 20 anos, a mina Morro do Ouro estará esgotada. Restará,
do ouro e do esplendor, uma cratera cheia de água tóxica, terras desoladas,
ambiente contaminado e gente triste, velha, desiludida e conformada. Os jovens
que ficarem por aqui ouvirão histórias fantásticas sobre o que foi levado, e
alguns irão perguntar: - Ninguém brigou, ninguém protestou? Todos se iludiram?
Não havia pessoas conscientes?
Sim,
caro leitor, está aí uma coisa que conta: as gerações futuras certamente darão
valor às vozes do passado, que não se calaram. É preciso ter um registro delas,
para que não se percam, e é isto que estamos fazendo aqui.
Isto
não seria possível sem o espaço democrático do jornal O Movimento. Em todos os artigos publicados, jamais houve uma
palavra censurada ou questionamentos dos seus conteúdos. Portanto, tenho grande
satisfação de expressar agradecimentos a O Movimento, a seus proprietários e
colaboradores, que dão mostra da legítima liberdade de expressão, no dizer de
George Orwell: “Liberdade de expressão é poder dizer aquilo que o outro não
quer ouvir”.
Finalizando,
para responder sobre o efeito desta série na sociedade, não teremos aqui uma
resposta típica de jogador de futebol, cujo time está perdendo: - O jogo está
difícil, mas no segundo tempo a gente ‘vamos’ lutar e virar o jogo! Não: este
jogo é diferente, já se sabe desde o início quem vai ganhar e quem vai perder. A
história é sempre contada pelos vencedores, e a mineradora Kinross continuará
escrevendo a história da cidade. Pelo menos enquanto durar a ilusão dos
perdedores, até que o ouro se esgote e a mineradora se vá. Mas, embora seja um
jogo de cartas marcadas, não estamos aqui para entregar o jogo, sem luta e sem
voz.
Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 458, de 11 de junho a 20 de julho de 2014, pág. 2.
Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 458, de 11 de junho a 20 de julho de 2014, pág. 2.
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