Blog do Professor Márcio

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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Território e Poder em Paracatu - Parte X

Estudando as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross
Márcio José dos Santos

Esta série de artigos chega ao seu final e a intenção é encerrá-la com uma auto-análise. O objetivo proposto no primeiro texto, publicado em agosto de 2013, foi expor as relações entre a mineradora RPM/Kinross e a sociedade paracatuense, para analisá-las à luz de teorias do poder. Mesmo reconhecendo as limitações deste autor, essas análises são pontos de vista importantes ao se considerar que não partem de um observador que tenta ser neutro, mas que expressa de maneira clara o seu próprio olhar, como forma de resistência contra a degradação ambiental de Paracatu.

Pela publicação desta série, pouquíssimas pessoas se manifestaram e algumas que o fizeram, quase como condolências, me perguntavam: - Você acha que muitas pessoas lêem seus artigos?; ou - Qual o tipo de leitor que lê os seus artigos? ou ainda, - Qual o efeito dos seus artigos?

Alguns leitores são o que se chama “formadores de opinião”: analisam, discutem, repercutem e tomam posição. Mesmo que tomem posição contrária, ninguém sai ileso de uma leitura em que os argumentos se apóiam na razão. E os artigos desta série têm sido quase o único contraponto à imensa e avassaladora propaganda da Kinross.

Durante quase um ano estivemos presentes na imprensa expondo a rede de poder da Kinross e as conseqüências nefastas da dominação imposta à sociedade paracatuense: os impactos sobre as populações dos bairros periféricos à mina, com as explosões, barulho e poeira tóxica; a demolição de bairros e expulsão de moradores; as omissões, a complacência ou até mesmo o conluio de órgãos e autoridades públicas em suas várias instâncias, como aqueles que se envolveram para maquinar um Termo de Ajustamento de Conduta da Kinross ou para contratar um estudo epidemiológico de fachada, à custa do erário público; o envolvimento da PMMG em serviços de escolta de carregamento de ouro, policiamento das áreas internas da mina e até mesmo a montagem de um absurdo e ilegal sistema via rádio, ponto a ponto, uma espécie de “telefone vermelho” entre a Kinross e a PMMG; os danos ambientais e patrimoniais resultantes do mau gerenciamento da estação de captação de água do São Domingos; a má gestão ambiental da poeira fugitiva da mina, com utilização de aspersão de água contaminada; os efluentes contendo arsênio, metais pesados e produtos químicos tóxicos que circulam em sistema aberto, ao contrário das barragens mais seguras; os efluentes contendo cianeto, que até hoje não passam por sistema de tratamento “detox”, para reduzir os custos do beneficiamento do minério e aumentar os lucros da empresa; a falta de transparência da mineradora, que esconde do público os resultados do monitoramento ambiental...

Como se vê, não é pouca coisa. Mas, vamos ser realistas: poucas pessoas lêem meus artigos e dos poucos que lêem somente alguns concordam com meus pontos de vista. Mas, para mim, não é isto que conta!

Sabe o que conta? Em menos de 20 anos, a mina Morro do Ouro estará esgotada. Restará, do ouro e do esplendor, uma cratera cheia de água tóxica, terras desoladas, ambiente contaminado e gente triste, velha, desiludida e conformada. Os jovens que ficarem por aqui ouvirão histórias fantásticas sobre o que foi levado, e alguns irão perguntar: - Ninguém brigou, ninguém protestou? Todos se iludiram? Não havia pessoas conscientes?

Sim, caro leitor, está aí uma coisa que conta: as gerações futuras certamente darão valor às vozes do passado, que não se calaram. É preciso ter um registro delas, para que não se percam, e é isto que estamos fazendo aqui.

Isto não seria possível sem o espaço democrático do jornal O Movimento. Em todos os artigos publicados, jamais houve uma palavra censurada ou questionamentos dos seus conteúdos. Portanto, tenho grande satisfação de expressar agradecimentos a O Movimento, a seus proprietários e colaboradores, que dão mostra da legítima liberdade de expressão, no dizer de George Orwell: “Liberdade de expressão é poder dizer aquilo que o outro não quer ouvir”.

Finalizando, para responder sobre o efeito desta série na sociedade, não teremos aqui uma resposta típica de jogador de futebol, cujo time está perdendo: - O jogo está difícil, mas no segundo tempo a gente ‘vamos’ lutar e virar o jogo! Não: este jogo é diferente, já se sabe desde o início quem vai ganhar e quem vai perder. A história é sempre contada pelos vencedores, e a mineradora Kinross continuará escrevendo a história da cidade. Pelo menos enquanto durar a ilusão dos perdedores, até que o ouro se esgote e a mineradora se vá. Mas, embora seja um jogo de cartas marcadas, não estamos aqui para entregar o jogo, sem luta e sem voz. 

Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 458, de 11 de junho a 20 de julho de 2014, pág. 2.

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