Estudando
as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross
Márcio
José dos Santos
Já mostramos que
as contestações dos moradores vizinhos da mina da Kinross ocorrem desde o
início da lavra, mas foram crescendo à medida que esta se aproximava de suas
casas, o que os levou a buscar justiça para um direito garantido pela
Constituição Brasileira (Art. 225): “Todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.” No entanto, seja o poder
público, em suas várias instâncias, seja a própria coletividade, fingem
ignorar o que ali acontece e transformam em letra morta uma das maiores
conquistas da nossa Constituição.
No início de
2011, o Ministério Público de Minas Gerais anunciou em audiência pública um
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Kinross, prevendo a adoção de
medidas preventivas, reparatórias e compensatórias relativas aos impactos
ambientais decorrentes da expansão da mina Morro do Ouro. Esse TAC foi
alardeado como um novo paradigma de atuação do Ministério Público em relação
aos empreendimentos minerários. As representações das sociedades civis e as comunidades
dos bairros Amoreiras II, Bela Vista II e Alto da Colina, as mais impactadas
pela mineração, compareceram em peso à audiência.
Decepcionada, a
população constatou que o TAC não estabeleceu medidas efetivas para mitigar ou
eliminar os impactos que ela sofre; apenas medidas de monitoramento. Seus
aspectos relevantes foram determinar um exame epidemiológico para constatar os
efeitos da poluição ambiental (contaminação por arsênio), que seria iniciado no
segundo semestre de 2011, e um investimento, a título de compensação dos danos
ambientais causados pela mineradora, de apenas 12 milhões de reais. Pois bem, passados
mais de dois anos, o exame epidemiológico não surgiu a público e nenhum centavo
do recurso para compensar os danos ambientais beneficiou aqueles que os sofrem
mais diretamente.
Em 2011, ano em
que os impactos da mineração foram mais agudos, houve intensa movimentação das
comunidades impactadas. Elas apresentaram uma pauta de reivindicações à
Kinross, sendo a principal a de que a empresa compre os imóveis das residências
adjacentes à mina, em um plano de desocupação continuada. Também a Câmara de
Vereadores formou uma Comissão de Negociação, que se reuniu com a mineradora e
representantes das comunidades. O único resultado foi a realização, pela
Kinross, de um levantamento nos bairros. Dizem os moradores que a empresa
contratada para este trabalho visitou as casas, mediu cômodos, tamanho dos
lotes e benfeitorias. Ficaram todos na expectativa de uma proposta da
mineradora para a aquisição dos imóveis, mas nunca houve qualquer manifestação
ou resposta.
Recentemente,
uma comissão integrada por pessoas que residem mais próximas da mina reuniu-se
com o Prefeito, pedindo a sua intercessão. Porém, ao saberem desta iniciativa,
os presidentes das associações de bairro procuraram o Prefeito e a Kinross para
desqualificarem aquela comissão, afirmando que ela não representa as comunidades.
Neste jogo de poder, mantê-lo parece mais importante do que dar solução às
angústias e sofrimentos das pessoas.
Ao contrário, o
que se vê é que a zona de impacto direto da mina transformou-se numa espécie de
“Faixa de Gaza”: ali, nem mesmo a Prefeitura faz investimentos, existem várias
casas sem saneamento básico, ninguém quer morar e os moradores que desejam sair
não conseguem vender suas casas. Os imóveis perderam valor, pelas rachaduras,
poeira, barulho, pelas doenças respiratórias e pela insegurança de quem vive
esperando o pior.
Um traço comum
às diversas classes e segmentos da sociedade brasileira é o pouco caso com que
se tratam, ignorando os problemas que não lhes afetam diretamente. Isto é bem
nítido na sociedade paracatuense, que não se importa com a situação das comunidades
vizinhas à mina Morro do Ouro. Esta omissão nos parece clara quando se está
vendo, assistindo, ouvindo e presenciando desfechos que são, a rigor, no
sentido de remoção de comunidades que ali se estabeleceram muito antes do
empreendimento da Kinross.
Existem quadras
inteiras onde as habitações foram demolidas. Quando se afirma que as pessoas
estão sendo “expulsas”, este termo se ajusta para melhor definir como tem se
dado a apropriação desse território por parte da Kinross. Nas propriedades adquiridas a mineradora
derrubou as construções e árvores, criando um quadro de finitude e de impotência
frente ao seu avanço.
Para conhecer a
realidade nua e crua das comunidades dos bairros vizinhos à mina da Kinross é
preciso caminhar naquelas ruas poeirentas de casas simples e aspecto triste,
conversar com as pessoas e indagar delas sobre a vida que levam. São pessoas
desconfiadas, que a princípio avaliam o visitante: - será um agente da empresa,
será um informante? Mas bastam alguns sorrisos e simpatia para que elas se abram
a falar na vida dura que é morar ao lado daquilo que chamam “boca do inferno”.
Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 445, de 16 a 31 de outubro de 2013, pág. 2.
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