Blog do Professor Márcio

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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Território e Poder em Paracatu- Parte IV

Estudando as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross
Márcio José dos Santos

Já mostramos que as contestações dos moradores vizinhos da mina da Kinross ocorrem desde o início da lavra, mas foram crescendo à medida que esta se aproximava de suas casas, o que os levou a buscar justiça para um direito garantido pela Constituição Brasileira (Art. 225): “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”  No entanto, seja o poder público, em suas várias instâncias, seja a própria coletividade, fingem ignorar o que ali acontece e transformam em letra morta uma das maiores conquistas da nossa Constituição.

No início de 2011, o Ministério Público de Minas Gerais anunciou em audiência pública um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Kinross, prevendo a adoção de medidas preventivas, reparatórias e compensatórias relativas aos impactos ambientais decorrentes da expansão da mina Morro do Ouro. Esse TAC foi alardeado como um novo paradigma de atuação do Ministério Público em relação aos empreendimentos minerários. As representações das sociedades civis e as comunidades dos bairros Amoreiras II, Bela Vista II e Alto da Colina, as mais impactadas pela mineração, compareceram em peso à audiência. 

Decepcionada, a população constatou que o TAC não estabeleceu medidas efetivas para mitigar ou eliminar os impactos que ela sofre; apenas medidas de monitoramento. Seus aspectos relevantes foram determinar um exame epidemiológico para constatar os efeitos da poluição ambiental (contaminação por arsênio), que seria iniciado no segundo semestre de 2011, e um investimento, a título de compensação dos danos ambientais causados pela mineradora, de apenas 12 milhões de reais. Pois bem, passados mais de dois anos, o exame epidemiológico não surgiu a público e nenhum centavo do recurso para compensar os danos ambientais beneficiou aqueles que os sofrem mais diretamente.

Em 2011, ano em que os impactos da mineração foram mais agudos, houve intensa movimentação das comunidades impactadas. Elas apresentaram uma pauta de reivindicações à Kinross, sendo a principal a de que a empresa compre os imóveis das residências adjacentes à mina, em um plano de desocupação continuada. Também a Câmara de Vereadores formou uma Comissão de Negociação, que se reuniu com a mineradora e representantes das comunidades. O único resultado foi a realização, pela Kinross, de um levantamento nos bairros. Dizem os moradores que a empresa contratada para este trabalho visitou as casas, mediu cômodos, tamanho dos lotes e benfeitorias. Ficaram todos na expectativa de uma proposta da mineradora para a aquisição dos imóveis, mas nunca houve qualquer manifestação ou resposta.

Recentemente, uma comissão integrada por pessoas que residem mais próximas da mina reuniu-se com o Prefeito, pedindo a sua intercessão. Porém, ao saberem desta iniciativa, os presidentes das associações de bairro procuraram o Prefeito e a Kinross para desqualificarem aquela comissão, afirmando que ela não representa as comunidades. Neste jogo de poder, mantê-lo parece mais importante do que dar solução às angústias e sofrimentos das pessoas.

Ao contrário, o que se vê é que a zona de impacto direto da mina transformou-se numa espécie de “Faixa de Gaza”: ali, nem mesmo a Prefeitura faz investimentos, existem várias casas sem saneamento básico, ninguém quer morar e os moradores que desejam sair não conseguem vender suas casas. Os imóveis perderam valor, pelas rachaduras, poeira, barulho, pelas doenças respiratórias e pela insegurança de quem vive esperando o pior.

Um traço comum às diversas classes e segmentos da sociedade brasileira é o pouco caso com que se tratam, ignorando os problemas que não lhes afetam diretamente. Isto é bem nítido na sociedade paracatuense, que não se importa com a situação das comunidades vizinhas à mina Morro do Ouro. Esta omissão nos parece clara quando se está vendo, assistindo, ouvindo e presenciando desfechos que são, a rigor, no sentido de remoção de comunidades que ali se estabeleceram muito antes do empreendimento da Kinross.

Existem quadras inteiras onde as habitações foram demolidas. Quando se afirma que as pessoas estão sendo “expulsas”, este termo se ajusta para melhor definir como tem se dado a apropriação desse território por parte da Kinross.  Nas propriedades adquiridas a mineradora derrubou as construções e árvores, criando um quadro de finitude e de impotência frente ao seu avanço.

     Para conhecer a realidade nua e crua das comunidades dos bairros vizinhos à mina da Kinross é preciso caminhar naquelas ruas poeirentas de casas simples e aspecto triste, conversar com as pessoas e indagar delas sobre a vida que levam. São pessoas desconfiadas, que a princípio avaliam o visitante: - será um agente da empresa, será um informante? Mas bastam alguns sorrisos e simpatia para que elas se abram a falar na vida dura que é morar ao lado daquilo que chamam “boca do inferno”.

Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 445, de 16 a 31 de outubro de 2013, pág. 2.

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