Estudando
as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross
Márcio
José dos Santos
Uma verdade aceita quase unanimemente em Paracatu é que a mineradora
Kinross opera com processos cem por cento seguros e que cumpre fielmente a lei.
Garantir que esta verdade seja acolhida como parte dos discursos que funcionam
como verdadeiros é parte importante da estratégia de poder e domínio da
mineradora. Hoje vamos apresentar um fato esclarecedor dessa estratégia, o qual
ficou oculto da sociedade, para que não fosse arranhada a imagem de competência
e responsabilidade socioambiental da Kinross.
Para que o leitor compreenda o fato, vamos explicar que a Kinross tem
diversos pontos de captação de água para utilização em seu processo produtivo.
Entre eles, um ponto importante é a Estação de Captação São Domingos,
localizado abaixo da Barragem de Rejeito do Ribeirão Santo Antônio e próximo ao
povoado Lagoa de Santo Antônio.
Entre os dias 13 e 14 de novembro
de 2012 ocorreu uma chuva intensa em Paracatu, com precipitação de quase 90 mm.
Embora este volume de chuva seja apenas cerca da metade do maior valor histórico
da cidade, de 176,3 mm, ocorrido em 13/12/1953, ele foi suficiente para
destruir aquela barragem de captação. Não foram apenas as águas do Córrego São
Domingos que ali se acumularam: juntaram-se as águas do Ribeirão Santa Rita e,
o mais grave, as águas de extravasamento
da Barragem de Rejeito.
Juntando-se ao evento natural da chuva, houve uma falha de
gerenciamento. Os operadores da adutora deveriam ter aberto as comportas da
barragem, quando todos percebiam tratar-se de chuva forte, mas não o fizeram. Em
conseqüência, houve o rompimento da tubulação de 20 polegadas que liga a
captação à barragem do Santo Antônio e a destruição da estrutura da captação.
Além dos danos materiais para a mineradora, houve sobretudo danos
ambientais e patrimoniais para os proprietários vizinhos. O prefeito municipal,
na época o Sr. Vasco Praça, esteve no local, acompanhado por outros moradores.
Todos eles, inclusive o ex-prefeito, que é proprietário de imóvel rural no
Santa Rita, tiveram danos às suas propriedades. Houve mudança de curso do
Córrego São Domingos, desbarrancamentos, erosão de terras, refluxo de areia
sobre terrenos de cultura, plantações foram destruídas. Os terrenos, cobertos
pela lama, parte dela oriunda da barragem, ficaram imprestáveis para a
continuidade de suas atividades de subsistência: plantios de cana, frutas e
hortaliças. Mais que os danos em seus patrimônios, havia o medo sempre presente
na comunidade: “se a mineradora não sabe cuidar de uma pequena estrutura de
captação de águas, como estará cuidando da monstruosa barragem acima de nossas
cabeças?”
Neste momento, tenho de lhe fazer uma pergunta, caro leitor: - Você
soube deste acidente grave, inclusive envolvendo água contaminada da barragem
de rejeito?
Aqui, então, vemos como o poder opera: exceto os moradores do local,
ninguém soube do ocorrido. As malhas do poder impedem a circulação de notícias
que podem contrariar a “verdade” estabelecida, a verdade não existe fora do
poder.
Ao constatar que ocorrera um fato grave, com potencial de autuação pelo
órgão ambiental e repercussão na mídia, a Kinross acionou o seu mecanismo de
controle de crise, restringiu a entrada de pessoas no local e determinou a
forma de notificação dos órgãos ambientais, minimizando-se o acidente. Está aí
o fiel cumprimento da lei!
Nenhuma notícia vazou na mídia escrita ou falada. Em pouco tempo a
adutora voltou a funcionar, nas mesmas condições anteriores. O meio ambiente
não foi reparado e não há cuidados de prevenção para que o fato não venha a se
repetir. Ora, quem trabalha com engenharia hidráulica sabe que não apenas a
chuva intensa se repetirá, mas que pode, inclusive, alcançar o máximo já
registrado em Paracatu. O que poderá ocorrer se a chuva cair em dobro?
Resignados e dominados, nenhum proprietário pediu ou teve reparação de
danos, nenhum deles ousou reclamar. “Reclamar pra quê”, dizem eles, “tudo vai
continuar como sempre foi!”.
Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 446, de 1º a 15 de novembro de 2013, pág. 2.
Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 446, de 1º a 15 de novembro de 2013, pág. 2.
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