Estudando
as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross
Márcio
José dos Santos
O
relacionamento da mineradora Kinross com as instituições públicas é uma peça
chave do exercício do poder. Já afirmamos inicialmente que dominação não pode
ser entendida apenas como o poder de uns sobre outros, mas as variadas formas
de dominação que são exercidas na sociedade, incluindo o sistema de direito e o
campo judiciário. O poder não seria obedecido, não se manteria, se utilizasse
apenas a repressão e a negação; muito além disto, ele se organiza em linhas de
penetração no tecido social e exerce um fascínio sobre aqueles que pretende
conquistar.
Já
transcorreram quase três décadas desde que a lavra iniciou-se no Morro do Ouro.
Durante esse período, a mineradora enfrentou momentos difíceis, em conflitos
socioambientais com proprietários e comunidades vizinhas à mina. Entretanto,
ela sempre teve ao seu lado os aparelhos do Estado, em todos os níveis, o que
lhe garantiu triunfar sobre os adversários.
Vamos
tratar aqui da relação especial da mineradora Kinross com a guarnição local da
Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG). Estamos falando de uma instituição
pública, cuja missão é promover a segurança pública, com respeito aos direitos
humanos e participação social.
Não é
a primeira vez que este assunto é abordado na imprensa paracatuense. Uma
denúncia bastante enfática do jornal local Noroeste News, de fevereiro de 2012,
afirmava que a PMMG deslocava parte de seu efetivo para vigiar as dependências
da empresa, para reprimir garimpeiros, e deixava a cidade desguarnecida. O
autor da nota claramente denunciava desvio de conduta da polícia e pedia
investigação.
Embora
a denúncia acima referida tenha sido realizada em fevereiro de 2012, a PMMG não
apenas a ignorou, mas continuou a prestação de serviços à mineradora Kinross,
conforme esclareceremos em seguida.
No
decorrer de cada mês, cerca de dez a doze viagens são feitas para transportar a
produção da Mina Morro do Ouro. Como se trata de empresa particular, cujos
lucros são apropriados pelos detentores de seu capital, seria de esperar que o
serviço de transporte de valores fosse integralmente assumido pela mineradora.
Porém, todos os carregamentos são acompanhados por uma escolta da PMMG, em suas
viaturas. Naquele ano de 2012, a mineradora pagou, para cada serviço de
escolta, incluindo os custos dos deslocamentos das viaturas, uma “taxa de
segurança” no valor R$326,12 (trezentos e vinte e seis reais e doze centavos).
Em
2012 foram registrados, apenas no período janeiro a outubro, 102 escoltas da
PMMG. Por outro lado, como ficou a segurança pública na cidade de Paracatu?
Viveu-se aqui um clima de tranqüilidade, de diminuição dos índices de
violência, do crescimento da proteção que a Polícia Militar deve proporcionar à
sociedade?
Essas
perguntas são procedentes. Fazer dez escoltas por mês, deslocando efetivos e
viaturas, para proteger bens privados, poderia ser compreensível (mas não é) se
estivéssemos em uma comunidade segura, bem protegida. A PMMG continua a fazer
escolta nos dias atuais; enquanto isso, temos assistido a cidade se transformar
num local cada dia mais violento e crescer a desconfiança generalizada da
população sobre a competência das forças policiais na redução da criminalidade.
Além
dos serviços de escolta dos carregamentos da produção aurífera, a mineradora
conta com a participação efetiva da PMMG na proteção do território da mina. Para
agilizar sua presença, em segundos pode ser acionada a policia, via rádio. Voltando
ao ano 2012, na noite de 20 de agosto a segurança da mina chamou a PM para
reprimir pessoas que se arriscavam a retirar ouro da lama do rejeito, tendo a polícia
alvejado um garimpeiro. No dia seguinte, a PM já estava pronta para escoltar mais
um carregamento da Kinross.
É
certo que nenhum cidadão ou empresa paracatuense tem tais privilégios,
oferecidos pelo Estado a preços tão ridículos. Mas, acredite caro leitor, isto
é feito de maneira legal. Tudo se torna compreensível quando se entende como e
para quem a lei funciona, penalizando uns e beneficiando outros.
Voltando
à análise dos fatos, fica claro que a rede de poder funciona em canais de mão
dupla. Não se trata de puro privilégio, mas de troca. Benefícios são concedidos
pela empresa à instituição policial (veículos, equipamentos) e à associação dos
policiais, de maneira que a opulência do ouro também exerce o seu fascínio
sobre a gloriosa Polícia Militar de Minas Gerais.
Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 451, de 1º a 15 de fevereiro de 2014, pág. 2.
Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 451, de 1º a 15 de fevereiro de 2014, pág. 2.
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