Blog do Professor Márcio

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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Território e Poder em Paracatu - Parte VIII

Estudando as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross
Márcio José dos Santos

O relacionamento da mineradora Kinross com as instituições públicas é uma peça chave do exercício do poder. Já afirmamos inicialmente que dominação não pode ser entendida apenas como o poder de uns sobre outros, mas as variadas formas de dominação que são exercidas na sociedade, incluindo o sistema de direito e o campo judiciário. O poder não seria obedecido, não se manteria, se utilizasse apenas a repressão e a negação; muito além disto, ele se organiza em linhas de penetração no tecido social e exerce um fascínio sobre aqueles que pretende conquistar.

Já transcorreram quase três décadas desde que a lavra iniciou-se no Morro do Ouro. Durante esse período, a mineradora enfrentou momentos difíceis, em conflitos socioambientais com proprietários e comunidades vizinhas à mina. Entretanto, ela sempre teve ao seu lado os aparelhos do Estado, em todos os níveis, o que lhe garantiu triunfar sobre os adversários.

Vamos tratar aqui da relação especial da mineradora Kinross com a guarnição local da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG). Estamos falando de uma instituição pública, cuja missão é promover a segurança pública, com respeito aos direitos humanos e participação social.

Não é a primeira vez que este assunto é abordado na imprensa paracatuense. Uma denúncia bastante enfática do jornal local Noroeste News, de fevereiro de 2012, afirmava que a PMMG deslocava parte de seu efetivo para vigiar as dependências da empresa, para reprimir garimpeiros, e deixava a cidade desguarnecida. O autor da nota claramente denunciava desvio de conduta da polícia e pedia investigação.

Embora a denúncia acima referida tenha sido realizada em fevereiro de 2012, a PMMG não apenas a ignorou, mas continuou a prestação de serviços à mineradora Kinross, conforme esclareceremos em seguida.

No decorrer de cada mês, cerca de dez a doze viagens são feitas para transportar a produção da Mina Morro do Ouro. Como se trata de empresa particular, cujos lucros são apropriados pelos detentores de seu capital, seria de esperar que o serviço de transporte de valores fosse integralmente assumido pela mineradora. Porém, todos os carregamentos são acompanhados por uma escolta da PMMG, em suas viaturas. Naquele ano de 2012, a mineradora pagou, para cada serviço de escolta, incluindo os custos dos deslocamentos das viaturas, uma “taxa de segurança” no valor R$326,12 (trezentos e vinte e seis reais e doze centavos).

Em 2012 foram registrados, apenas no período janeiro a outubro, 102 escoltas da PMMG. Por outro lado, como ficou a segurança pública na cidade de Paracatu? Viveu-se aqui um clima de tranqüilidade, de diminuição dos índices de violência, do crescimento da proteção que a Polícia Militar deve proporcionar à sociedade?

Essas perguntas são procedentes. Fazer dez escoltas por mês, deslocando efetivos e viaturas, para proteger bens privados, poderia ser compreensível (mas não é) se estivéssemos em uma comunidade segura, bem protegida. A PMMG continua a fazer escolta nos dias atuais; enquanto isso, temos assistido a cidade se transformar num local cada dia mais violento e crescer a desconfiança generalizada da população sobre a competência das forças policiais na redução da criminalidade.

Além dos serviços de escolta dos carregamentos da produção aurífera, a mineradora conta com a participação efetiva da PMMG na proteção do território da mina. Para agilizar sua presença, em segundos pode ser acionada a policia, via rádio. Voltando ao ano 2012, na noite de 20 de agosto a segurança da mina chamou a PM para reprimir pessoas que se arriscavam a retirar ouro da lama do rejeito, tendo a polícia alvejado um garimpeiro. No dia seguinte, a PM já estava pronta para escoltar mais um carregamento da Kinross.

É certo que nenhum cidadão ou empresa paracatuense tem tais privilégios, oferecidos pelo Estado a preços tão ridículos. Mas, acredite caro leitor, isto é feito de maneira legal. Tudo se torna compreensível quando se entende como e para quem a lei funciona, penalizando uns e beneficiando outros.

Voltando à análise dos fatos, fica claro que a rede de poder funciona em canais de mão dupla. Não se trata de puro privilégio, mas de troca. Benefícios são concedidos pela empresa à instituição policial (veículos, equipamentos) e à associação dos policiais, de maneira que a opulência do ouro também exerce o seu fascínio sobre a gloriosa Polícia Militar de Minas Gerais. 

Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 451, de 1º a 15 de fevereiro de 2014, pág. 2.

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