Estudando
as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross
Márcio
José dos Santos
No artigo anterior, vimos como
o poder burocrático das grandes empresas transnacionais se impõe, especialmente
em países mais fracos, e se torna quase indestrutível. Outra abordagem sobre
dominação é a teoria de poder e resistência, em Foucault. Foi esse intelectual
francês quem pela primeira vez dissecou as entranhas do poder, para nos revelar
seu duplo aspecto.
Para Foucault, o poder não é
somente repressão, barreira ou proibição, porque se assim fosse ele não seria
obedecido, não se manteria; isto só é possível porque o poder permeia a
sociedade, organiza-se em rede de apoio e de penetração, incita, seduz, forma
saber e produz discurso. Seu elemento fundamental é a produção da verdade, isto
é, tudo que emana do poder é acolhido como verdade, e esta verdade circula
ligada ao sistema, produzindo efeitos de poder.
Foucault combate a ideia de
que o poder é emanado de determinado ponto, que exista algo que seja um poder,
porque isso não possibilita entender grande número de fenômenos. Para ele, ninguém
é o seu único titular; no entanto, ele se exerce em determinada direção; não se
sabe quem o detém, mas se sabe quem não o possui, pois onde há poder ele se
exerce; vê-se quem explora, quem lucra, quem governa, mas o poder é algo ainda
mais difuso, permeando as relações.
Por dominação, Foucault não
entende apenas a dominação de um sobre os outros, mas sobretudo as variadas
formas de dominação que são exercidas na sociedade, como o sistema do direito e
o campo judiciário. Ao analisar o poder é preciso, então, evitar a questão da
soberania e da obediência dos indivíduos e fazer aparecer em seu lugar o
problema da dominação e da sujeição.
Para isto, o poder deve ser
captado em suas extremidades, nas suas formas e instituições mais regionais e
locais, principalmente no ponto em que, ultrapassando as regras de direito que
o organizam e delimitam, ele se prolonga, penetra em instituições,
corporifica-se em técnicas e se mune de instrumentos de intervenção
eventualmente violenta. Ele é algo que circula, que só funciona em cadeia,
nunca está localizado aqui ou ali, nas mãos de alguns, mas funciona e se exerce
em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em
posição de exercer este poder e de sofrer sua ação, como centros de
transmissão.
Ora, é então preciso fazer uma
análise ascendente do poder a partir dos mecanismos infinitesimais e depois
examinar como estes mecanismos de poder foram e ainda são investidos,
utilizados, subjugados, desdobrados, etc., por mecanismos cada vez mais gerais
e por formas de dominação global; investigar como o poder, para exercer-se
nestes mecanismos sutis, forma e põe em circulação um saber, que produz o
discurso da verdade.
Para investigar o poder é
fundamental, então, investigar as resistências contra os dispositivos de poder,
observar as estratégias antagônicas que se colocam, de uma ou outra forma,
contra o mesmo. Sem resistência, não há relações de poder e tudo se resumiria a
obediência.
Se o poder existe numa rede
vasta e multiforme de relações, os pontos de resistência também se apresentam
como multiplicidade ou como “focos”, fragmentos que se distribuem no jogo das
relações de poder. A resistência luta contra os saberes (do poder) que
pretendem tomar para si todos os discursos que enunciam a verdade sobre o
sujeito; faz oposição contra as formas de poder que separam os indivíduos entre
si e daquilo que eles produzem e luta contra os dispositivos do poder que
controlam as relações dos indivíduos.
Porém, constata-se que ainda
hoje pouca atenção tem sido dada a um dos pontos centrais do pensamento de
Foucault, qual seja investigar os novíssimos dispositivos de poder
contemporâneos, por exemplo, os poderes midiáticos e as multinacionais como mecanismos
de dominação fundamentais do mundo global, e também investigar os movimentos
de resistência.
Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 443, de 1º a 15 de setembro de 2013, pág. 9.
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