Estudando
as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross
Márcio
José dos Santos
Nos artigos
anteriores fizemos uma breve exposição das teorias de poder com as quais
pretendemos clarear as relações entre a mineradora RPM/Kinross e a sociedade
paracatuense. Agora iremos discutir os conflitos gerados pela expansão desta
empresa, as resistências contra os dispositivos de poder e as variadas formas
de dominação que expressam essas relações.
O principal
conflito provocado pela mineração no Morro do Ouro, e que permanece nos dias
atuais, ocorre com as populações dos bairros vizinhos à mina, as quais, ao
longo de mais de 25 anos, vêm sofrendo impactos negativos diretos em sua
qualidade de vida e perda de patrimônio e território.
Nos primeiros
anos de atividade da mina raramente se utilizavam explosivos, porque o minério
era extraído em rocha alterada, desmontada apenas com uso de escavadeiras.
Porém, nos locais onde aflorava a rocha dura, eram feitas detonações,
utilizando-se pequenas cargas de explosivos. A zona de lavra ficava a uma
distância de mais de 500
metros da zona urbana; entretanto, havia grande
quantidade de poeira levantada pelas máquinas e caminhões, e o acesso à mina
atravessava o bairro Amoreiras II.
Na imprensa, o
primeiro registro deste conflito apareceu em 1991. Com o título “Explosões
deixam crianças em pânico”, o jornal O
Movimento publicou uma matéria em que o Defensor Público expôs as
reclamações dos moradores quanto a rachaduras nas paredes e danos aos tetos das
residências, com ameaças de desabamentos. Os moradores também reclamaram à
reportagem dos estampidos das explosões que estariam colocando as crianças, em
desespero. A matéria jornalística expôs a crítica de uma moradora, Abadia dos
Santos, dizendo que a RPM era uma constante ameaça, pois seus gabaritados
técnicos não avaliaram os prejuízos a serem causados às residências ou “será
que acham que vamos ter de mudar de nossa terra para continuarem a explorar
gananciosamente nosso ouro?”. Defendendo-se das acusações, o gerente de
relações públicas da mineradora afirmou que o fogo utilizado nas explosões era
de pouca potência – menos de uma tonelada de explosivos, o que não causaria os
transtornos alegados pelos moradores. Porém, o fato é que o Defensor Público,
apesar de afirmar que iria entrar com uma ação judicial contra a RPM, nunca o
fez.
Com a expansão
da lavra para as cercanias da zona urbana e alcançando zonas mais profundas do
subsolo, o desmonte de rocha fresca passou a exigir cargas de fogo sempre mais
potentes e o barulho das máquinas, trabalhando dia e noite sem interrupção,
tendeu a aumentar. Vários movimentos de contestações foram surgindo, mas foram
prontamente arrefecidos, seja pela ação da mineradora, seja pelo isolamento e
espontaneidade das ações de resistência.
Exemplo
persuasivo dos efeitos de poder da mineradora pode ser observado através dos
autos do processo judicial 047006027038-1, instalado na Vara Criminal da
Justiça Local no dia 10/04/2006, a partir denúncias feitas à
Auditoria/Ouvidoria Linha Verde, órgão subordinado ao IBAMA, da poluição
ambiental resultante das explosões na área de lavra, que estariam atingindo a
população dos bairros periféricos à mina.
O BO 325/06 da PMMG
afirma que foram realizadas medições sonoras, constatando-se ruído acima do
permitido pela legislação. Apresenta também as justificativas da mineradora,
alegando que o índice acima do limite legal provavelmente ocorreu por erro do
aparelho ou procedimento inadequado de leitura. O histórico é concluído com a
afirmação da engenheira de que a mineradora estaria comprando as propriedades
vizinhas e isto levaria algumas pessoas a pressionarem a empresa “para venderem
seus imóveis por um valor bem acima do valor de mercado, podendo ser o motivo
que está ocasionando as denúncias”. Isto é, os moradores vizinhos é que
estariam fazendo “barulho”.
Os autos foram
conclusos para despacho do juiz em 17/04/2006, pedindo-se vista ao Ministério
Público (MP) quanto ao pedido de prorrogação de 30 dias de prazo, solicitado
pela Autoridade Policial, para a conclusão do Inquérito; logo a seguir, em 19
de abril, o MP opinou favoravelmente à concessão do prazo solicitado. Daí em
diante, a tramitação deste processo é uma repetição cansativa de “autos conclusos
para despacho”, pedidos de dilatação de prazo para conclusão do inquérito e
concessão do prazo solicitado, de maneira que foram contados 45 andamentos do
tipo “delegado-juiz-promotor-juiz-delegado”, sem que o processo tenha saído de
onde começou... o inquérito policial.
Quando, em
fevereiro de 2012, passados seis anos da instauração, o autor deste artigo
pediu ao Fórum de Paracatu acesso ao processo criminal, foi informado de que
este estava retido na Delegacia de Polícia desde 11 de março de 2010, isto é,
“engavetado” durante quase dois anos pela autoridade policial.
Os fatos até
aqui expostos exemplificam o funcionamento do poder que permeia a sociedade e
se organiza em rede de apoio e de penetração; um poder que não precisa
reprimir, uma vez que, ultrapassando as regras de direito que o organizam e
delimitam, ele se prolonga, penetra em instituições e as sujeita. No próximo
artigo prosseguiremos no caminho dessa gente simples da vizinhança do Morro do
Ouro, conhecendo melhor seus sofrimentos e suas lutas em busca de justiça e
paz.
Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 444, de 16 a 30 de setembro de 2013, pág. 2.
Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 444, de 16 a 30 de setembro de 2013, pág. 2.
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