Blog do Professor Márcio

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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Território e Poder em Paracatu - Parte III

Estudando as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross
Márcio José dos Santos

Nos artigos anteriores fizemos uma breve exposição das teorias de poder com as quais pretendemos clarear as relações entre a mineradora RPM/Kinross e a sociedade paracatuense. Agora iremos discutir os conflitos gerados pela expansão desta empresa, as resistências contra os dispositivos de poder e as variadas formas de dominação que expressam essas relações.

O principal conflito provocado pela mineração no Morro do Ouro, e que permanece nos dias atuais, ocorre com as populações dos bairros vizinhos à mina, as quais, ao longo de mais de 25 anos, vêm sofrendo impactos negativos diretos em sua qualidade de vida e perda de patrimônio e território.

Nos primeiros anos de atividade da mina raramente se utilizavam explosivos, porque o minério era extraído em rocha alterada, desmontada apenas com uso de escavadeiras. Porém, nos locais onde aflorava a rocha dura, eram feitas detonações, utilizando-se pequenas cargas de explosivos. A zona de lavra ficava a uma distância de mais de 500 metros da zona urbana; entretanto, havia grande quantidade de poeira levantada pelas máquinas e caminhões, e o acesso à mina atravessava o bairro Amoreiras II.

Na imprensa, o primeiro registro deste conflito apareceu em 1991. Com o título “Explosões deixam crianças em pânico”, o jornal O Movimento publicou uma matéria em que o Defensor Público expôs as reclamações dos moradores quanto a rachaduras nas paredes e danos aos tetos das residências, com ameaças de desabamentos. Os moradores também reclamaram à reportagem dos estampidos das explosões que estariam colocando as crianças, em desespero. A matéria jornalística expôs a crítica de uma moradora, Abadia dos Santos, dizendo que a RPM era uma constante ameaça, pois seus gabaritados técnicos não avaliaram os prejuízos a serem causados às residências ou “será que acham que vamos ter de mudar de nossa terra para continuarem a explorar gananciosamente nosso ouro?”. Defendendo-se das acusações, o gerente de relações públicas da mineradora afirmou que o fogo utilizado nas explosões era de pouca potência – menos de uma tonelada de explosivos, o que não causaria os transtornos alegados pelos moradores. Porém, o fato é que o Defensor Público, apesar de afirmar que iria entrar com uma ação judicial contra a RPM, nunca o fez.

Com a expansão da lavra para as cercanias da zona urbana e alcançando zonas mais profundas do subsolo, o desmonte de rocha fresca passou a exigir cargas de fogo sempre mais potentes e o barulho das máquinas, trabalhando dia e noite sem interrupção, tendeu a aumentar. Vários movimentos de contestações foram surgindo, mas foram prontamente arrefecidos, seja pela ação da mineradora, seja pelo isolamento e espontaneidade das ações de resistência.

Exemplo persuasivo dos efeitos de poder da mineradora pode ser observado através dos autos do processo judicial 047006027038-1, instalado na Vara Criminal da Justiça Local no dia 10/04/2006, a partir denúncias feitas à Auditoria/Ouvidoria Linha Verde, órgão subordinado ao IBAMA, da poluição ambiental resultante das explosões na área de lavra, que estariam atingindo a população dos bairros periféricos à mina.

O BO 325/06 da PMMG afirma que foram realizadas medições sonoras, constatando-se ruído acima do permitido pela legislação. Apresenta também as justificativas da mineradora, alegando que o índice acima do limite legal provavelmente ocorreu por erro do aparelho ou procedimento inadequado de leitura. O histórico é concluído com a afirmação da engenheira de que a mineradora estaria comprando as propriedades vizinhas e isto levaria algumas pessoas a pressionarem a empresa “para venderem seus imóveis por um valor bem acima do valor de mercado, podendo ser o motivo que está ocasionando as denúncias”. Isto é, os moradores vizinhos é que estariam fazendo “barulho”.

Os autos foram conclusos para despacho do juiz em 17/04/2006, pedindo-se vista ao Ministério Público (MP) quanto ao pedido de prorrogação de 30 dias de prazo, solicitado pela Autoridade Policial, para a conclusão do Inquérito; logo a seguir, em 19 de abril, o MP opinou favoravelmente à concessão do prazo solicitado. Daí em diante, a tramitação deste processo é uma repetição cansativa de “autos conclusos para despacho”, pedidos de dilatação de prazo para conclusão do inquérito e concessão do prazo solicitado, de maneira que foram contados 45 andamentos do tipo “delegado-juiz-promotor-juiz-delegado”, sem que o processo tenha saído de onde começou... o inquérito policial.

Quando, em fevereiro de 2012, passados seis anos da instauração, o autor deste artigo pediu ao Fórum de Paracatu acesso ao processo criminal, foi informado de que este estava retido na Delegacia de Polícia desde 11 de março de 2010, isto é, “engavetado” durante quase dois anos pela autoridade policial.

Os fatos até aqui expostos exemplificam o funcionamento do poder que permeia a sociedade e se organiza em rede de apoio e de penetração; um poder que não precisa reprimir, uma vez que, ultrapassando as regras de direito que o organizam e delimitam, ele se prolonga, penetra em instituições e as sujeita. No próximo artigo prosseguiremos no caminho dessa gente simples da vizinhança do Morro do Ouro, conhecendo melhor seus sofrimentos e suas lutas em busca de justiça e paz.

Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 444, de 16 a 30 de setembro de 2013, pág. 2.

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