Estudando as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross
Márcio José dos Santos
A divulgação pela imprensa (O Movimento, ed. 446) de que o
Ministério Público Federal (MPF) realizou vistoria na mina e demais instalações
da Kinross, cobrando resposta a 37 quesitos do processo de extração mineral,
teve ampla repercussão em Paracatu. Para resguardar junto ao público a sua
imagem, a mineradora desencadeou uma campanha “esclarecedora”, procurando apaziguar
as preocupações quanto a suspeita de contaminação ambiental. Um dos temas desta
propaganda, o cianeto, é objeto deste artigo.
O procurador do MPF, Dr. José
Ricardo Teixeira Alves, afirma que durante a vistoria os técnicos da empresa informaram
que a solução contendo cianeto não é
totalmente destruída após o processo de produção e vem sendo armazenada nas
barragens de rejeitos. Esta informação não é novidade, pois desde o início
do Plano de Expansão da Kinross, em 2007, já denunciávamos esta situação, mas o
órgão ambiental que licenciou a Barragem do Machadinho ignorou a denúncia.
Em resposta à ação do MPF, na
sua campanha de mídia, como a Kinross resolveu tratar esta questão? Primeiro
ela expõe na sua propaganda que “O cianeto é um composto químico com degradação
natural, usado há mais de 100 anos na mineração de ouro e prata, por ser um
método mais sustentável”. É uma verdade que termina com uma mentira: a
cianetação é um método usado não por ser mais sustentável, mas por ser mais
barato e tecnologicamente mais fácil de operar. O termo sustentável, usado
abusivamente pela indústria mineral, não cabe aqui.
Entretanto, o que mais
surpreendeu o autor deste texto foi a apresentação de um sistema denominado
DETOX, que a mineradora indica como sendo de “alta tecnologia que destrói o
cianeto”. Ora, durante os 27 anos que opera a Mina Morro do Ouro a empresa
sempre afirmou (e continua afirmando) que o cianeto sofre um processo de degradação
natural, pela ação da luz solar, não sendo necessária sua inativação antes de
os efluentes seguirem para a barragem.
Ora, há mais de dez anos
publicações científicas já mostravam que na Europa todas as minas de ouro que
operam com processo de cianetação empregavam processos DETOX. Elas são
obrigadas a tratar rejeitos para reduzir os níveis de cianeto antes de serem
descarregados para tanques de armazenamento, para atender às rigorosas
diretrizes de gestão ambiental da União Europeia. Portanto, é uma tecnologia que estava disponível quando a Kinross
resolveu ampliar a mina, em 2005.
Mesmo aqui no Brasil, uma
pequena mina de ouro, implantada no município de Riacho dos Machados, norte de
MG, por outra empresa canadense (Carpathian), iniciou sua atividade com o
processo DETOX funcionando...
Então, caro leitor, nós que
sempre demos ouvidos à comunicação social da Kinross, admitindo que o processo
DETOX tenha sido instalado nestes últimos dias (?), vamos perguntar por que a
mineradora não destruía o cianeto após o beneficiamento, se a tecnologia já
estava disponível? Para diminuir custos? Não basta que a empresa afirme ter
sido a primeira mineradora brasileira a assinar o Código Internacional de Gestão
do Cianeto, é preciso ter boas práticas de gestão.
É fato que os países chamados
“desenvolvidos” têm legislação rígida sobre mineração versus meio ambiente, o que não acontece no Brasil, onde além de
uma legislação fraca, são as próprias mineradoras que se automonitoram. Mas, se
a atuação da Kinross é focada em responsabilidade e transparência junto à
comunidade, como afirma sua comunicação social, este descaso sobre o potencial
tóxico do cianeto é condizente com o que ela afirma?
E quando falamos em
transparência, será que todos nos entendemos sobre o significado disto? Quando
é, caro leitor, que você teve acesso aos dados de monitoramento da poeira
fugitiva da mina e das águas superficiais e subterrâneas do seu entorno? Se
meio ambiente saudável é direito do cidadão, consagrado pela Constituição
Brasileira, não teria ele direito a ter acesso a esses dados? Sendo assim, este
direito não estaria sendo violado? Existem caminhos legais (e autoridades
responsáveis) para cobrar este direito?
A iniciativa do Ministério
Público Federal é, sem dúvida, digna de louvor, neste poço de omissões,
meias-verdades e deslavadas mentiras onde afunda o meio ambiente de Paracatu.
Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 448, de 1º a 15 de dezembro de 2013, pág. 2.
Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 448, de 1º a 15 de dezembro de 2013, pág. 2.
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