Blog do Professor Márcio

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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Território e Poder em Paracatu - Parte VI

Estudando as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross

Márcio José dos Santos

A divulgação pela imprensa (O Movimento, ed. 446) de que o Ministério Público Federal (MPF) realizou vistoria na mina e demais instalações da Kinross, cobrando resposta a 37 quesitos do processo de extração mineral, teve ampla repercussão em Paracatu. Para resguardar junto ao público a sua imagem, a mineradora desencadeou uma campanha “esclarecedora”, procurando apaziguar as preocupações quanto a suspeita de contaminação ambiental. Um dos temas desta propaganda, o cianeto, é objeto deste artigo.

O procurador do MPF, Dr. José Ricardo Teixeira Alves, afirma que durante a vistoria os técnicos da empresa informaram que a solução contendo cianeto não é totalmente destruída após o processo de produção e vem sendo armazenada nas barragens de rejeitos. Esta informação não é novidade, pois desde o início do Plano de Expansão da Kinross, em 2007, já denunciávamos esta situação, mas o órgão ambiental que licenciou a Barragem do Machadinho ignorou a denúncia.

Em resposta à ação do MPF, na sua campanha de mídia, como a Kinross resolveu tratar esta questão? Primeiro ela expõe na sua propaganda que “O cianeto é um composto químico com degradação natural, usado há mais de 100 anos na mineração de ouro e prata, por ser um método mais sustentável”. É uma verdade que termina com uma mentira: a cianetação é um método usado não por ser mais sustentável, mas por ser mais barato e tecnologicamente mais fácil de operar. O termo sustentável, usado abusivamente pela indústria mineral, não cabe aqui.

Entretanto, o que mais surpreendeu o autor deste texto foi a apresentação de um sistema denominado DETOX, que a mineradora indica como sendo de “alta tecnologia que destrói o cianeto”. Ora, durante os 27 anos que opera a Mina Morro do Ouro a empresa sempre afirmou (e continua afirmando) que o cianeto sofre um processo de degradação natural, pela ação da luz solar, não sendo necessária sua inativação antes de os efluentes seguirem para a barragem.

Ora, há mais de dez anos publicações científicas já mostravam que na Europa todas as minas de ouro que operam com processo de cianetação empregavam processos DETOX. Elas são obrigadas a tratar rejeitos para reduzir os níveis de cianeto antes de serem descarregados para tanques de armazenamento, para atender às rigorosas diretrizes de gestão ambiental da União Europeia. Portanto, é uma tecnologia que estava disponível quando a Kinross resolveu ampliar a mina, em 2005.

Mesmo aqui no Brasil, uma pequena mina de ouro, implantada no município de Riacho dos Machados, norte de MG, por outra empresa canadense (Carpathian), iniciou sua atividade com o processo DETOX funcionando...

Então, caro leitor, nós que sempre demos ouvidos à comunicação social da Kinross, admitindo que o processo DETOX tenha sido instalado nestes últimos dias (?), vamos perguntar por que a mineradora não destruía o cianeto após o beneficiamento, se a tecnologia já estava disponível? Para diminuir custos? Não basta que a empresa afirme ter sido a primeira mineradora brasileira a assinar o Código Internacional de Gestão do Cianeto, é preciso ter boas práticas de gestão.

É fato que os países chamados “desenvolvidos” têm legislação rígida sobre mineração versus meio ambiente, o que não acontece no Brasil, onde além de uma legislação fraca, são as próprias mineradoras que se automonitoram. Mas, se a atuação da Kinross é focada em responsabilidade e transparência junto à comunidade, como afirma sua comunicação social, este descaso sobre o potencial tóxico do cianeto é condizente com o que ela afirma?

E quando falamos em transparência, será que todos nos entendemos sobre o significado disto? Quando é, caro leitor, que você teve acesso aos dados de monitoramento da poeira fugitiva da mina e das águas superficiais e subterrâneas do seu entorno? Se meio ambiente saudável é direito do cidadão, consagrado pela Constituição Brasileira, não teria ele direito a ter acesso a esses dados? Sendo assim, este direito não estaria sendo violado? Existem caminhos legais (e autoridades responsáveis) para cobrar este direito?


A iniciativa do Ministério Público Federal é, sem dúvida, digna de louvor, neste poço de omissões, meias-verdades e deslavadas mentiras onde afunda o meio ambiente de Paracatu. 

Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 448, de 1º a 15 de dezembro de 2013, pág. 2.

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