Blog do Professor Márcio

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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Território e Poder em Paracatu - Parte I

Prezado leitor,
Apresentamos uma série de dez artigos sobre as relações de poder na cidade de Paracatu - MG. A pretensão é contribuir para a melhor compreensão da dominação exercida pela mineradora Kinross Brasil Mineração sobre a sociedade paracatuense, que desde a sua formação, vive sob o signo da exploração de suas riquezas minerais, inicialmente pelos escravistas portugueses e paulistas e, na época recente, pelas transnacionais Rio Tinto Zinc e Kinross Gold Corporation.
Os artigos foram originalmente publicados no jornal local O Movimento, entre agosto de 2013 e julho de 2014.

Estudando as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross

Márcio José dos Santos

Inicia-se aqui um despretensioso estudo das relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross. O objetivo é trazer o conhecimento de eminentes cientistas sociais para compreendermos o momento que estamos vivendo e, quiçá, trabalharmos para a construção de uma sociedade mais justa.

O viajante que chega a Paracatu, vindo de Cristalina, vê, primeiramente, aos pés da Serra da Boa Vista, a grande cava da mineração, as instalações industriais e os lagos de rejeito da Kinross; somente depois ele perceberá, ao lado, a cidade de Paracatu, que ficou pequena diante do complexo da mina. Mas é preciso uma longa permanência para ouvir os protestos isolados e quase sempre abafados daqueles que confrontam a mineradora: há os que se sentem beneficiados pelo empreendimento e uma grande maioria que prefere o silêncio: – qual seria o futuro da cidade se a mineração acabar?  – desemprego, perda de renda, perda de negócios? – como ficarão os impactos socioambientais à conta das futuras gerações?

O empreendimento mineral da RPM/Kinross em Paracatu deflagrou um processo de mudanças que interferem com várias dimensões e escalas da vida social da população do entorno: além de uma nova configuração patrimonial (mudança de proprietários), alteraram-se o regime hídrico, a morfologia do terreno, a qualidade de vida em seus aspectos sociais e ambientais e emergiram novos interesses, dinâmicas socioeconômicas e conflitos socioambientais.

Para o geógrafo Milton Santos, o espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções.

A moldagem de uma nova ordem espacial é, sobretudo, resultante de uma relação de poder. No estudo das relações de poder existem duas abordagens que se prestam melhor para esclarecer as mudanças e conflitos que ocorreram em Paracatu a partir da instalação da Mina Morro do Ouro: a teoria da organização social e econômica, do sociólogo alemão Karl MaximilianWeber, e a teoria de poder e resistência, do filósofo francês Michel Foucault.

De acordo com Weber, o conceito de poder seria simplesmente a imposição da vontade de alguém em alguma situação. Melhor, então, pensar em disciplina, obediência e dominação. A diferença entre disciplina e dominação é que a disciplina é a obediência habitual, sem resistência nem crítica, enquanto a dominação é um estado de coisas pelo qual uma vontade manifesta do dominador influi sobre os atos de outros. Em um grau socialmente relevante, esses atos têm lugar como se aquele que dita as regras tem o direito de fazê-lo e aquele que se submete à elas tem o dever de obedecer.

Assim, Weber acreditava que as relações sociais se mantinham baseadas na dominação, uma dominação legítima, segundo ele, justificada por motivos de submissão ou princípios de autoridade. Isso o levou a distinguir três tipos de dominação: carismática - ocorre quando um líder domina pelas suas virtudes pessoais, que são vistas como extraordinárias pelos seus seguidores; tradicional - refere-se à tradição, àquilo que já vem sendo realizado e continua sendo feito, quando os seguidores aceitam o comando do líder como sendo o costume ou direito adquirido; racional-legal, que se aplica a empreendimentos econômicos, políticos, religiosos e profissionais e onde a legitimidade se dá pela crença e pela legalidade das normas e direitos de mando de quem exerce a autoridade.

Weber via a burocracia e a racionalização como o principal instrumento de dominação na sociedade moderna, capaz de estabelecer uma relação de poder quase indestrutível.

O teórico organizacional britânico Gareth Morgan, adotando as visões de dominação de Weber e dos filósofos alemães Marx e Michels, aponta como aspectos da dominação, entre outros:
- o sistema de classes, onde a existência de um mercado de trabalho secundário de baixa qualificação e baixa remuneração dá a uma organização muito mais controle sobre seu ambiente interno e externo;
- os perigos, doenças ocupacionais e acidentes de trabalho, principalmente em países do Terceiro Mundo, onde empresas transnacionais envolvem-se em práticas perigosas, livres das regulamentações sobre saúde impostas em seus países de origem, e
- as limitações da legislação, onde os agentes de segurança de empreendimentos de alto risco são pagos pela empresa em questão, estabelecendo-se assim o automonitoramento.

Para Morgan, são as multinacionais que estão mais próximas de concretizar os piores medos de Max Weber com relação a como as organizações burocráticas podem tornar-se regimes totalitários servindo aos interesses das elites, onde os detentores do controle podem exercer um poder praticamente indestrutível.

A crítica ao aspecto repulsivo da atuação das multinacionais no Terceiro Mundo é assim resumido por Morgan:
- o efeito das multinacionais sobre as economias das nações anfitriãs é basicamente de exploração;
- elas exploram as populações locais, usando-as como escravos assalariados, muitas vezes substituindo o trabalho sindicalizado;
- embora aleguem que estão levando capital e tecnologia para os países anfitriões, o resultado geralmente é uma saída líquida de capitais e o controle sobre a tecnologia que introduzem;
- frequentemente disfarçam o excesso de lucros e evitam pagar os impostos devidos para as nações anfitriãs por meio de ‘preços de transferência’;
- de modo geral fazem duras barganhas com as nações e comunidades hospedeiras, jogando um grupo contra o outro para conseguir concessões excepcionais.

Segundo Morgan, os críticos radicais das organizações atribuem parte da culpa da dominação das multinacionais às classes dominantes locais, por participarem da dominação, cooperando ativamente e muitas vezes envolvendo-se em acordos que as beneficiam à custa das comunidades e da nação.

Caro leitor, continue conosco no próximo capítulo, quando faremos uma abordagem da questão segundo o pensamento de Michel Foucault.

Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 442, agosto de 2013, pág. 2.

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