Refletindo-se sobre os fatos que levaram à proibição do garimpo em Paracatu, pode-se concluir que o grupo socialmente dominante da cidade, constituído por grandes proprietários de terra, e parte da classe média estavam incomodados com a presença da numerosa classe baixa desempregada, cuja alternativa econômica mais viável era o garimpo. Foram aquelas duas classes sociais que deram suporte local à campanha do Estado e da mineradora RPM contra os garimpeiros.
Uma das
formas de resistência do garimpo a essa campanha foi a criação da Cooperativa
dos Garimpeiros, que buscou uma base representativa para a mobilização social e
para a ação junto aos órgãos públicos que agiam na questão do garimpo.
Enquanto
isso, o Prefeito Municipal, Sr. Diogo Soares Rodrigues, apoiou a busca de uma
solução que atendesse a questão ambiental, a população de Paracatu e os
garimpeiros. O Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente –
CODEMA apresentou, em 1988, um plano de despoluição ambiental realizado pelo
DNPM, que contemplava testes de grandes amostras com o recuperador de mercúrio,
instalação e operação central de queima e bateiamento, caixa de bateiamento,
retorta de mercúrio e capela com ventilação. Além disso, sugeriu uma dragagem
geral dos córregos afetados pelo garimpo, eliminando-se o mercúrio.
Reunião do Prefeito Diogo (esquerda) com garimpeiros. Ao microfone, Dr. Avelino, ex-proprietário de garimpo. Fonte: Folha do Noroeste, Ed. 41, 09-02-1988, p.11. |
Havia vozes a
favor da compatibilização da atividade garimpeira com um programa de
preservação ambiental e valorização do garimpeiro, como a de Octávio Eliseo
Alves de Brito, engenheiro de minas, professor de Tratamento de Minérios da
Escola de Minas de Ouro Preto, pessoa que mais tarde ocuparia a Secretaria de
Estado do Meio Ambiente. Porém, se essa compatibilização era possível técnica e
socialmente, não havia vontade política do Estado para que isto ocorresse.
Poucos meses
após o início da lavra na Mina Morro do Ouro aconteceu um fato que iria
precipitar a decisão de fechar o garimpo em Paracatu: os garimpeiros
descobriram que os rejeitos descarregados pela RPM na barragem continham ouro
em quantidade vantajosa. A informação vazou e, em seguida, dezenas de
garimpeiros começaram a minerar no canal que segue da usina de beneficiamento
para a barragem. Mesmo tratando-se de um material rejeitado, a empresa agiu com
força bruta, acusando os garimpeiros de invasão da propriedade alheia e furto.
Em 27 de fevereiro de 1988,
a guarnição da Polícia Militar foi chamada pela empresa
ao Morro do Ouro, onde prendeu 20 garimpeiros; em 2 de março, foram 31; seis no
dia seguinte; três no dia 8; seis no dia 12 e mais sete no dia 15 de março.
Segundo a empresa, a polícia foi acionada não apenas com a intenção de evitar
invasão e furto, mas para evitar que a empresa pudesse ser acusada pela morte
de garimpeiros por intoxicação.
O noticiário da
imprensa paracatuense acrescentou uma informação curiosa, pelo menos para a
época. Até então a RPM comunicava à sociedade que seus processos eram “limpos”,
não gerando nenhum agente nocivo, exceto o cianeto, que logo era inativado na
barragem. Ainda hoje, a empresa sustenta esse discurso: por exemplo, no
processo de licenciamento ambiental da nova barragem do Machadinho, na página
9, um resumo sobre o meio biótico na barragem, afirma que o local atrairia “novas espécies de fauna, principalmente aves
aquáticas, trazendo enriquecimento da
biodiversidade, fato já observado na
barragem atual” (grifo
nosso). Isto é, a empresa apresenta a barragem, para o órgão de licenciamento
ambiental, como um local capaz de enriquecer a biodiversidade, portanto,
ecologicamente equilibrado. No entanto, para justificar a prisão dos
garimpeiros, ela apresenta a barragem como depósito de lixo tóxico. E não há
dúvida, quanto a isto, nas palavras do então responsável, pelo setor de saúde
da empresa, o médico José Guilhermo Calderón Spinoza, também veiculadas no
texto do mesmo noticiário: “os restos
químicos existentes na barragem podem provocar doenças nas pessoas (...), tais
como dermatites e um leque de outros problemas (...), em caso extremo, levar à
morte”.
Porém, a
mineradora, naquela época, ainda não detinha a propriedade de todas as terras
vizinhas à barragem e, à medida que se fazia o alteamento desta, a lama entrava
em terrenos de proprietários confrontantes. Esta informação pode parecer
absurda, pois uma das condições para o licenciamento da barragem de rejeitos
era a posse, pela mineradora, dos terrenos que seriam sepultados pelo material
tóxico. Um desses proprietários era o Sr. Antonio Olar Campos, o Dedé da
Farmácia, que permitiu aos garimpeiros a extração do ouro contido na lama que
invadia as suas terras. Informações colhidas pessoalmente dão conta de que 200 a 300 pessoas trabalhavam
no lado das terras pertencentes a Dedé.
Marchas e
contramarchas, em 18 de setembro de 1989, cerca de 100 homens da Polícia
Militar de Minas Gerais, por determinação do governador do Estado Newton
Cardoso, fecharam o garimpo em
Paracatu. Não houve resistência dos garimpeiros e os
policiais percorreram a área lavrando o termo de embargo e aplicando multas
variáveis conforme o número de bombas. As máquinas foram lacradas,
utilizando-se correntes e selos de plástico. Entretanto, a PM informou que os
garimpeiros poderiam reiniciar suas atividades desde que se credenciassem junto
aos órgãos competentes e assinassem um compromisso de cumprimento da legislação
ambiental, ficando proibidos de utilizar poluentes químicos como o mercúrio.
Depois desse
episódio o garimpo mecanizado em Paracatu refreou suas atividades por um
período, mas depois continuou, desafiando a ordem de fechamento, alternando
períodos de maior ou menor intensidade. Houve tentativas de reorganizá-lo,
atendendo às exigências ambientais, mas todos os esforços esbarravam na rigidez
e má vontade do Estado, determinado a eliminar qualquer forma de produção que
contrariasse seus interesses e os do grande capital. Isso veio a culminar com a
resolução assinada pelo Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Meio
Ambiente, Jorge Gibran, que determinou a proibição imediata do garimpo a partir
de 7 de setembro de 1990. Os empresários do garimpo abandonaram suas atividades
ou migraram para outras regiões, mas o trabalhador do garimpo – aquele de
caixotinho e bateia, pobre, desempregado e sem qualificação profissional – não
tinha outra opção que não fosse lançar-se clandestinamente na lama da barragem
de rejeito da RPM, para sustentar sua família.
Garimpeiros presos: trabalhadores desempregados, de origem negra. Fonte: Folha do Noroeste, Ed. 43, 20-03-1988, p. 13. |
O Brasil vivia
os tempos nefastos da inflação galopante e do desemprego. De repente, uma
simples “canetada” de um burocrata insensível, feita para atender ao poder e à
ganância de uma empresa estrangeira, lançou na miséria centenas de famílias
paracatuenses que sobreviviam da extração do ouro de sua terra natal, lançado
como rejeito. A partir do próximo capítulo veremos como se deu a resistência e
a dura repressão que se abateu sobre os garimpeiros de Paracatu.
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