Blog do Professor Márcio

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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O Garimpo em Paracatu: Uma história que precisa ser contada – Capítulo IV


Refletindo-se sobre os fatos que levaram à proibição do garimpo em Paracatu, pode-se concluir que o grupo socialmente dominante da cidade, constituído por grandes proprietários de terra, e parte da classe média estavam incomodados com a presença da numerosa classe baixa desempregada, cuja alternativa econômica mais viável era o garimpo. Foram aquelas duas classes sociais que deram suporte local à campanha do Estado e da mineradora RPM contra os garimpeiros.
Uma das formas de resistência do garimpo a essa campanha foi a criação da Cooperativa dos Garimpeiros, que buscou uma base representativa para a mobilização social e para a ação junto aos órgãos públicos que agiam na questão do garimpo.
Enquanto isso, o Prefeito Municipal, Sr. Diogo Soares Rodrigues, apoiou a busca de uma solução que atendesse a questão ambiental, a população de Paracatu e os garimpeiros. O Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente – CODEMA apresentou, em 1988, um plano de despoluição ambiental realizado pelo DNPM, que contemplava testes de grandes amostras com o recuperador de mercúrio, instalação e operação central de queima e bateiamento, caixa de bateiamento, retorta de mercúrio e capela com ventilação. Além disso, sugeriu uma dragagem geral dos córregos afetados pelo garimpo, eliminando-se o mercúrio.

Reunião do Prefeito Diogo (esquerda) com garimpeiros. Ao microfone, Dr. Avelino, ex-proprietário de garimpo.
Fonte: Folha do Noroeste, Ed. 41, 09-02-1988, p.11.
Havia vozes a favor da compatibilização da atividade garimpeira com um programa de preservação ambiental e valorização do garimpeiro, como a de Octávio Eliseo Alves de Brito, engenheiro de minas, professor de Tratamento de Minérios da Escola de Minas de Ouro Preto, pessoa que mais tarde ocuparia a Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Porém, se essa compatibilização era possível técnica e socialmente, não havia vontade política do Estado para que isto ocorresse.
Poucos meses após o início da lavra na Mina Morro do Ouro aconteceu um fato que iria precipitar a decisão de fechar o garimpo em Paracatu: os garimpeiros descobriram que os rejeitos descarregados pela RPM na barragem continham ouro em quantidade vantajosa. A informação vazou e, em seguida, dezenas de garimpeiros começaram a minerar no canal que segue da usina de beneficiamento para a barragem. Mesmo tratando-se de um material rejeitado, a empresa agiu com força bruta, acusando os garimpeiros de invasão da propriedade alheia e furto. Em 27 de fevereiro de 1988, a guarnição da Polícia Militar foi chamada pela empresa ao Morro do Ouro, onde prendeu 20 garimpeiros; em 2 de março, foram 31; seis no dia seguinte; três no dia 8; seis no dia 12 e mais sete no dia 15 de março. Segundo a empresa, a polícia foi acionada não apenas com a intenção de evitar invasão e furto, mas para evitar que a empresa pudesse ser acusada pela morte de garimpeiros por intoxicação.
O noticiário da imprensa paracatuense acrescentou uma informação curiosa, pelo menos para a época. Até então a RPM comunicava à sociedade que seus processos eram “limpos”, não gerando nenhum agente nocivo, exceto o cianeto, que logo era inativado na barragem. Ainda hoje, a empresa sustenta esse discurso: por exemplo, no processo de licenciamento ambiental da nova barragem do Machadinho, na página 9, um resumo sobre o meio biótico na barragem, afirma que o local atrairia “novas espécies de fauna, principalmente aves aquáticas, trazendo enriquecimento da biodiversidade, fato já observado na barragem atual” (grifo nosso). Isto é, a empresa apresenta a barragem, para o órgão de licenciamento ambiental, como um local capaz de enriquecer a biodiversidade, portanto, ecologicamente equilibrado. No entanto, para justificar a prisão dos garimpeiros, ela apresenta a barragem como depósito de lixo tóxico. E não há dúvida, quanto a isto, nas palavras do então responsável, pelo setor de saúde da empresa, o médico José Guilhermo Calderón Spinoza, também veiculadas no texto do mesmo noticiário: “os restos químicos existentes na barragem podem provocar doenças nas pessoas (...), tais como dermatites e um leque de outros problemas (...), em caso extremo, levar à morte”.
Porém, a mineradora, naquela época, ainda não detinha a propriedade de todas as terras vizinhas à barragem e, à medida que se fazia o alteamento desta, a lama entrava em terrenos de proprietários confrontantes. Esta informação pode parecer absurda, pois uma das condições para o licenciamento da barragem de rejeitos era a posse, pela mineradora, dos terrenos que seriam sepultados pelo material tóxico. Um desses proprietários era o Sr. Antonio Olar Campos, o Dedé da Farmácia, que permitiu aos garimpeiros a extração do ouro contido na lama que invadia as suas terras. Informações colhidas pessoalmente dão conta de que 200 a 300 pessoas trabalhavam no lado das terras pertencentes a Dedé.
Marchas e contramarchas, em 18 de setembro de 1989, cerca de 100 homens da Polícia Militar de Minas Gerais, por determinação do governador do Estado Newton Cardoso, fecharam o garimpo em Paracatu. Não houve resistência dos garimpeiros e os policiais percorreram a área lavrando o termo de embargo e aplicando multas variáveis conforme o número de bombas. As máquinas foram lacradas, utilizando-se correntes e selos de plástico. Entretanto, a PM informou que os garimpeiros poderiam reiniciar suas atividades desde que se credenciassem junto aos órgãos competentes e assinassem um compromisso de cumprimento da legislação ambiental, ficando proibidos de utilizar poluentes químicos como o mercúrio.
Depois desse episódio o garimpo mecanizado em Paracatu refreou suas atividades por um período, mas depois continuou, desafiando a ordem de fechamento, alternando períodos de maior ou menor intensidade. Houve tentativas de reorganizá-lo, atendendo às exigências ambientais, mas todos os esforços esbarravam na rigidez e má vontade do Estado, determinado a eliminar qualquer forma de produção que contrariasse seus interesses e os do grande capital. Isso veio a culminar com a resolução assinada pelo Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente, Jorge Gibran, que determinou a proibição imediata do garimpo a partir de 7 de setembro de 1990. Os empresários do garimpo abandonaram suas atividades ou migraram para outras regiões, mas o trabalhador do garimpo – aquele de caixotinho e bateia, pobre, desempregado e sem qualificação profissional – não tinha outra opção que não fosse lançar-se clandestinamente na lama da barragem de rejeito da RPM, para sustentar sua família.

Garimpeiros presos: trabalhadores desempregados, de origem negra.
Fonte: Folha do Noroeste,  Ed. 43, 20-03-1988, p. 13.
O Brasil vivia os tempos nefastos da inflação galopante e do desemprego. De repente, uma simples “canetada” de um burocrata insensível, feita para atender ao poder e à ganância de uma empresa estrangeira, lançou na miséria centenas de famílias paracatuenses que sobreviviam da extração do ouro de sua terra natal, lançado como rejeito. A partir do próximo capítulo veremos como se deu a resistência e a dura repressão que se abateu sobre os garimpeiros de Paracatu.

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