Blog do Professor Márcio

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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O Garimpo em Paracatu Uma história que precisa ser contada – Capítulo III


Como vimos nos capítulos anteriores, quando se fala do garimpo em Paracatu é preciso distinguir o garimpo tradicional ou artesanal, cujo objetivo era a subsistência ou a complementação de renda da família do garimpeiro, e o garimpo mecanizado, empreendimento capitalista cujo objetivo era o lucro.
No garimpo mecanizado, o cascalho extraído nas praias era inicialmente passado em calhas carpetadas, onde se fazia uma primeira concentração. Os carpetes eram depois lavados num tambor de 200 litros, processo repetido durante alguns dias, ás vezes uma semana. Depois, o material do tambor era peneirado em um caixote, para diminuir a quantidade de estéril. Em seguida, o material do caixote era concentrado na bateia. Nessa fase final, pingava-se sobre o concentrado de bateia uma quantidade de mercúrio que, sendo agitada, formava um amálgama com o ouro. O resultado é uma espécie de bola ou bolacha de mercúrio-ouro e algumas impurezas. Levada para um cadinho, esse amálgama era queimado com maçarico, evaporando-se o mercúrio e restando o ouro com as impurezas, a maior parte constituída de minerais pesados.
Quando se iniciou a prática de amalgamação em Paracatu, todo o amálgama era queimado na própria área do garimpo, ao ar livre. Mais tarde alguns compradores de ouro montaram oficinas de queima do amálgama, no centro da cidade, ou simplesmente queimavam o amálgama em suas próprias casas. Há referências de oficinas que usavam retortas para conter o gás de mercúrio e exaustores de ar. Havia donos de garimpo que também eram donos de oficina de compra e queima de amálgama. Também existiam compradores de ouro de outras localidades, que adquiriam o amálgama diretamente de donos de garimpo, num esquema competitivo. Ainda assim, alguns donos de garimpo persistiam em realizar a queima ao ar livre, pelo menos de uma parte da produção, uma vez que, no ambiente inflacionário em que se vivia, a posse do ouro era mais importante do que a do dinheiro. Com o ouro, que se valorizava diariamente frente ao papel-moeda, podia-se adquirir máquinas e mercúrio pagando-se à vista e obtendo-se descontos, refletindo em maior lucro para o garimpo.
Não se sabe até que ponto a queima do amálgama em oficinas no centro da cidade afetou o ambiente, uma vez que não foram realizados estudos para dimensionar o impacto. Notícia publicada em jornal local, em janeiro de 1987, dava conta de contaminação por mercúrio de um ex-garimpeiro, que tinha virado comprador de ouro. Nas duas atividades, ele jamais se preocupara com o problema e, por isso, de modo irracional, fazia amalgamação e queimava o amálgama sem os devidos cuidados de proteção. Enfim, depois de três anos, descobriu que seus sintomas neurológicos eram ocasionados pela contaminação por mercúrio, com teor de 2,3 microgramas no sangue. Essa notícia preocupou os donos de dragas, de maneira que um deles argumentou que estava sendo feito um alvoroço, concentrando o problema da contaminação química apenas nos garimpeiros, esquecendo-se da grande mineradora que estava sendo instalada na cidade .

Fonte: Folha do Noroeste, Ed. 32, set.1987, p. 10.

A campanha para a proibição do garimpo em Paracatu coincidiu com o início das atividades da mineradora Rio Paracatu Mineração S.A., em 1987, naquela época controlada pela Rio Tinto Zinc. Embora este pareça ser o fator determinante para a proibição, contribuiu também a imagem da devastação e degradação social dos garimpos da região Norte, bastante veiculadas na mídia nacional.
Não existem dados sobre a disseminação da prática da queima ao ar livre, nem da quantidade de mercúrio que foi empregada nos garimpos de Paracatu. Os pretensos estudos, que nunca foram divulgados à população local, apenas serviram para dar base a uma campanha contra toda forma de garimpo, de maneira irracional e beirando a histeria. Essa campanha foi orquestrada pela Rio Paracatu Mineração e órgãos públicos, como a FEAM e o DNPM, e apoiada por grupos locais sensíveis à questão ambiental.
Em agosto de 1990, o jornal O Movimento transcreveu uma notícia publicada pelo jornal Estado de Minas, de Belo Horizonte, informando que a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) apresentou um relatório de estudos realizados em Paracatu, “concluindo ser evidente o elevado grau de contaminação ambiental e das próprias pessoas pelo mercúrio”. Por isso, a solução seria a retirada do local das pessoas contaminadas, encaminhando-as para tratamento intensivo, e os moradores das áreas afetadas que apresentassem taxas normais de mercúrio no sangue deveriam realizar exames médicos e psicológicos periódicos.
Quando se analisa a notícia acima citada à luz dos fatos, algumas questões precisam ser levantadas. Primeiro, se realmente houve um estudo de tal envergadura, por que a sociedade paracatuense, garimpeiros principalmente, o desconheciam? Tal estudo só poderia ser realizado a campo, entrevistando pessoas nas áreas de risco e colhendo delas material para análise, de maneira que é impossível realizá-lo sem que as pessoas se dessem conta disso. Em segundo lugar, se o estudo foi realmente realizado em base científica, por que não foram apresentados os resultados à quem mais eles poderiam interessar – a sociedade paracatuense, garimpeiros principalmente? Finalmente, se uma instituição do Estado, como é a FEAM, viu a necessidade de remover e tratar urgentemente as pessoas afetadas, quais eram essas pessoas e por que isso não foi realizado? Neste caso, estaríamos diante de uma omissão grave do poder público, passível de responsabilização.
Entretanto, estudos recentes mostram que a contaminação do solo e das águas superficiais por mercúrio na região de Paracatu não chegou a nível de contaminação generalizada. Os pesquisadores Senderowitz e Cesar, da UnB, analisaram 23 amostras de água fluviais, 17 amostras de solo e 17 amostras de sedimentos fluviais da região de Paracatu e concluíram que as concentrações de mercúrio estavam em conformidade com o valor estipulado pela OMS e da Portaria 518 do Ministério da Saúde (10 μg/L). Outro pesquisador da UnB, Gurgel, realizou um estudo geoquímico de água e sedimentos de fundo para avaliar os impactos ambientais na bacia do Córrego Rico, concluindo que os fatores de contaminação por metais são baixos, que a distribuição geoquímica do mercúrio em sedimentos é uniforme, que os sedimentos de fundo apresentaram variações dentro da normalidade, segundo a legislação, e que a deposição de esgoto doméstico sem tratamento no córrego é o principal agente contaminante.
Assim, fica evidente a mentira do “elevado grau de contaminação ambiental pelo mercúrio” na cidade de Paracatu. Entretanto, a campanha difamatória contra o garimpo foi fundamental para a condenação da prática garimpeira, origem desta cidade centenária.
Tanto as autoridades, quanto as instituições ligadas à administração pública, assim também a parte mais esclarecida da sociedade e a imprensa local, não se preocuparam em divulgar verdades científicas e, principalmente, realizar um trabalho de educação socioambiental junto à comunidade paracatuense, sobremaneira junto ao garimpo e oficinas de queima de amálgama. Um evento, até certo ponto hilário, do irracionalismo da campanha contra o garimpo, foi divulgado por um jornal local, em 1987, com o título “Porco nasce com face humana: Fetos retirados de porca assombraram Paracatu com faces de outros animais, suspeita-se de contaminação por mercúrio, usado no garimpo”, conforme imagem abaixo.
Fonte: Folha do Noroeste, Ed. 29, ago. 1987, p. 11.

 A correlação entre os fetos deformados e o garimpo correu por conta da campanha maldosa, uma vez que no final do artigo aparece um depoimento de uma pessoa, cujo nome não foi citado, que se dizia dono da porca e afirmava ser tudo mentira, que a porca tinha sido morta em uma fazenda muito distante e os fetos levados para a cidade.
Porém, a sorte estava lançada e a proibição de toda forma de garimpo em Paracatu seria a primeira vitória da mineradora que se instalara no Morro do Ouro. No próximo capítulo veremos alguns desfechos desta batalha.

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