Como vimos nos capítulos anteriores, quando se fala do garimpo em Paracatu é preciso distinguir o garimpo tradicional ou artesanal, cujo objetivo era a subsistência ou a complementação de renda da família do garimpeiro, e o garimpo mecanizado, empreendimento capitalista cujo objetivo era o lucro.
No garimpo
mecanizado, o cascalho extraído nas praias era inicialmente passado em calhas
carpetadas, onde se fazia uma primeira concentração. Os carpetes eram depois
lavados num tambor de 200
litros , processo repetido durante alguns dias, ás vezes
uma semana. Depois, o material do tambor era peneirado em um caixote, para
diminuir a quantidade de estéril. Em seguida, o material do caixote era
concentrado na bateia. Nessa fase final, pingava-se sobre o concentrado de
bateia uma quantidade de mercúrio que, sendo agitada, formava um amálgama com o
ouro. O resultado é uma espécie de bola ou bolacha de mercúrio-ouro e algumas
impurezas. Levada para um cadinho, esse amálgama era queimado com maçarico,
evaporando-se o mercúrio e restando o ouro com as impurezas, a maior parte
constituída de minerais pesados.
Quando se
iniciou a prática de amalgamação em Paracatu, todo o amálgama era queimado na
própria área do garimpo, ao ar livre. Mais tarde alguns compradores de ouro
montaram oficinas de queima do amálgama, no centro da cidade, ou simplesmente
queimavam o amálgama em suas próprias casas. Há referências de oficinas que
usavam retortas para conter o gás de mercúrio e exaustores de ar. Havia donos
de garimpo que também eram donos de oficina de compra e queima de amálgama.
Também existiam compradores de ouro de outras localidades, que adquiriam o
amálgama diretamente de donos de garimpo, num esquema competitivo. Ainda assim,
alguns donos de garimpo persistiam em realizar a queima ao ar livre, pelo menos
de uma parte da produção, uma vez que, no ambiente inflacionário em que se
vivia, a posse do ouro era mais importante do que a do dinheiro. Com o ouro,
que se valorizava diariamente frente ao papel-moeda, podia-se adquirir máquinas
e mercúrio pagando-se à vista e obtendo-se descontos, refletindo em maior lucro
para o garimpo.
Não se sabe
até que ponto a queima do amálgama em oficinas no centro da cidade afetou o
ambiente, uma vez que não foram realizados estudos para dimensionar o impacto.
Notícia publicada em jornal local, em janeiro de 1987, dava conta de
contaminação por mercúrio de um ex-garimpeiro, que tinha virado comprador de
ouro. Nas duas atividades, ele jamais se preocupara com o problema e, por isso,
de modo irracional, fazia amalgamação e queimava o amálgama sem os devidos
cuidados de proteção. Enfim, depois de três anos, descobriu que seus sintomas
neurológicos eram ocasionados pela contaminação por mercúrio, com teor de 2,3
microgramas no sangue. Essa notícia preocupou os donos de dragas, de maneira
que um deles argumentou que estava sendo feito um alvoroço, concentrando o
problema da contaminação química apenas nos garimpeiros, esquecendo-se da
grande mineradora que estava sendo instalada na cidade .
Fonte: Folha do Noroeste, Ed. 32, set.1987, p. 10. |
A campanha
para a proibição do garimpo em Paracatu coincidiu com o início das atividades
da mineradora Rio Paracatu Mineração S.A., em 1987, naquela época controlada
pela Rio Tinto Zinc. Embora este pareça ser o fator determinante para a
proibição, contribuiu também a imagem da devastação e degradação social dos
garimpos da região Norte, bastante veiculadas na mídia nacional.
Não existem
dados sobre a disseminação da prática da queima ao ar livre, nem da quantidade
de mercúrio que foi empregada nos garimpos de Paracatu. Os pretensos estudos,
que nunca foram divulgados à população local, apenas serviram para dar base a
uma campanha contra toda forma de garimpo, de maneira irracional e beirando a
histeria. Essa campanha foi orquestrada pela Rio Paracatu Mineração e órgãos
públicos, como a FEAM e o DNPM, e apoiada por grupos locais sensíveis à questão
ambiental.
Em agosto de
1990, o jornal O Movimento
transcreveu uma notícia publicada pelo jornal Estado de Minas, de Belo
Horizonte, informando que a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM)
apresentou um relatório de estudos realizados em Paracatu, “concluindo ser evidente o elevado grau de
contaminação ambiental e das próprias pessoas pelo mercúrio”. Por isso, a
solução seria a retirada do local das pessoas contaminadas, encaminhando-as
para tratamento intensivo, e os moradores das áreas afetadas que apresentassem
taxas normais de mercúrio no sangue deveriam realizar exames médicos e psicológicos
periódicos.
Quando se
analisa a notícia acima citada à luz dos fatos, algumas questões precisam ser
levantadas. Primeiro, se realmente houve um estudo de tal envergadura, por que
a sociedade paracatuense, garimpeiros principalmente, o desconheciam? Tal
estudo só poderia ser realizado a campo, entrevistando pessoas nas áreas de
risco e colhendo delas material para análise, de maneira que é impossível
realizá-lo sem que as pessoas se dessem conta disso. Em segundo lugar, se o estudo
foi realmente realizado em base científica, por que não foram apresentados os
resultados à quem mais eles poderiam interessar – a sociedade paracatuense,
garimpeiros principalmente? Finalmente, se uma instituição do Estado, como é a
FEAM, viu a necessidade de remover e tratar urgentemente as pessoas afetadas,
quais eram essas pessoas e por que isso não foi realizado? Neste caso,
estaríamos diante de uma omissão grave do poder público, passível de
responsabilização.
Entretanto,
estudos recentes mostram que a contaminação do solo e das águas superficiais
por mercúrio na região de Paracatu não chegou a nível de contaminação
generalizada. Os pesquisadores Senderowitz e Cesar, da UnB, analisaram 23
amostras de água fluviais, 17 amostras de solo e
17 amostras de sedimentos fluviais da região de Paracatu e concluíram
que as concentrações de mercúrio estavam em conformidade com o valor estipulado
pela OMS e da Portaria 518 do Ministério da Saúde (10 μg/L). Outro pesquisador
da UnB, Gurgel, realizou um estudo geoquímico de água e sedimentos de fundo
para avaliar os impactos ambientais na bacia do Córrego Rico, concluindo que os
fatores de contaminação por metais são baixos, que a distribuição geoquímica do
mercúrio em sedimentos é uniforme, que os sedimentos de fundo apresentaram
variações dentro da normalidade, segundo a legislação, e que a deposição de
esgoto doméstico sem tratamento no córrego é o principal agente contaminante.
Assim, fica
evidente a mentira do “elevado grau de
contaminação ambiental pelo mercúrio” na cidade de Paracatu. Entretanto, a
campanha difamatória contra o garimpo foi fundamental para a condenação da
prática garimpeira, origem desta cidade centenária.
Tanto as
autoridades, quanto as instituições ligadas à administração pública, assim também
a parte mais esclarecida da sociedade e a imprensa local, não se preocuparam em
divulgar verdades científicas e, principalmente, realizar um trabalho de
educação socioambiental junto à comunidade paracatuense, sobremaneira junto ao
garimpo e oficinas de queima de amálgama. Um evento, até certo ponto hilário,
do irracionalismo da campanha contra o garimpo, foi divulgado por um jornal
local, em 1987, com o título “Porco
nasce com face humana: Fetos retirados de porca assombraram Paracatu com faces
de outros animais, suspeita-se de contaminação por mercúrio, usado no garimpo”, conforme imagem abaixo.
Fonte: Folha do Noroeste, Ed. 29, ago. 1987, p. 11. |
A correlação entre os fetos deformados e o garimpo correu por conta da campanha
maldosa, uma vez que no final do artigo aparece um depoimento de uma pessoa,
cujo nome não foi citado, que se dizia dono da porca e afirmava ser tudo
mentira, que a porca tinha sido morta em uma fazenda muito distante e os fetos
levados para a cidade.
Porém, a
sorte estava lançada e a proibição de toda forma de garimpo em Paracatu seria a
primeira vitória da mineradora que se instalara no Morro do Ouro. No próximo
capítulo veremos alguns desfechos desta batalha.
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