Blog do Professor Márcio

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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O Garimpo em Paracatu: Uma história que precisa ser contada – Capítulo II


Quando a RioTinto Zinc do Brasil, uma transnacional inglesa, bloqueou a jazida de ouro no Morro do Ouro e iniciou o desenvolvimento e lavra do depósito, houve uma verdadeira “corrida do ouro” para os cascalhos auríferos de Paracatu. Falava-se que em Paracatu havia 90 toneladas de ouro e que ele brotava nas ruas. Não se pode precisar o número de pessoas atraídas ao garimpo, é estimativa que varia a gosto de cada um, sempre tendendo ao exagero, indo de dois mil a cinco mil.
Esse novo surto garimpeiro viria utilizar novidades tecnológicas de extração, como escavadeiras, tratores, dragas, bombas de sucção e de desmonte hidráulico; para a apuração final do ouro foi introduzida a amalgamação com mercúrio. Esse garimpo mecânico moderno exige capital e, sendo assim, o trabalho livre deu lugar às relações típicas do capitalismo entre patrão (dono do garimpo) e empregado (trabalhadores com vínculo empregatício informal).

Garimpo mecanizado no Córrego Rico. Foto de 1987.


 Os garimpos mecanizados em Paracatu funcionavam através de acordo entre o dono do garimpo e o dono do barranco, que era o proprietário do lote ou gleba onde iria ocorrer a extração. Pagava-se ao dono do barranco um valor fixo ou uma taxa sobre a produção ou ainda, como era mais comum, um valor fixo mais uma taxa sobre a produção. Nesse sistema, o garimpeiro, que antes exercia uma atividade livre, foi incorporado como empregado informal, isto é, sem registro em carteira.
No começo, existia muita mão de obra e pouca qualificação. Ninguém sabia trabalhar com as máquinas. Em média, pagava-se um salário mínimo e meio por mês, com prêmios sobre a produção que podiam chegar a 10%, distribuído para o grupo.
Uma pesquisa antropológica realizada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) por Parry Scott e outros mostrou que o assalariamento no garimpo mecanizado de Paracatu se distinguia dos outros serviços, aos olhos do garimpeiro ali empregado, por três aspectos: a figura do patrão-amigo, marcado pela proximidade e um certo companheirismo entre patrão e empregado; o crédito indireto, que se referencia ao fato de os garimpeiros poderem efetuar compra semanal no comércio local, contando com o crédito do dono do garimpo, e o regime de meia, que era a cessão das máquinas pelo proprietário a seus empregados, para que os mesmos pudessem trabalhar em horários alternativos (à noite ou final de semana), dividindo pela metade o resultado entre o empregador e o empregado.
Vários problemas sociais e ambientais ocorreram em Paracatu por conta do garimpo mecanizado, cujas consequências ainda se fazem sentir. Houve atração de aventureiros vindos de outras paragens, mas contestamos a afirmação de que uma leva de garimpeiros tenha “invadido” a cidade: é uma ideia fantasiosa, reprovada por estudos realizados. Os garimpeiros forasteiros (principalmente donos de garimpo) permaneceram pouco tempo na cidade e seu número não justifica o “inchaço” populacional de Paracatu naquela época. Esta afirmação é demonstrada pelo estudo da UFPE, que aponta a migração campo-cidade, dinâmica presente em todas as regiões brasileiras, como o fator fundamental do crescimento do número de garimpeiros dentro da cidade de Paracatu.
Na década de 1980, expandiu-se na região de Paracatu a agricultura intensiva e de alta tecnologia, com grandes investimentos direcionados pelo Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO), o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER) e o Projeto de Colonização Paracatu Entre Ribeiros (PCPER), todos eles intensivos em capital e redutores de mão-de-obra. Os trabalhadores rurais, analfabetos ou de baixa instrução, eram inadequados para a nova agricultura que se instalou e acabaram “expulsos” do campo, indo habitar a periferia da cidade, onde também não havia emprego para eles. Assim, o garimpo surgiu para essas pessoas como uma forma de vida, mas esse afluxo humano a uma cidade de infraestrutura precária não poderia acontecer sem fortes impactos sociais.
O problema ambiental mais perceptível foi a alteração da paisagem ribeirinha. Enquanto o garimpo manual trabalhou em ritmo lento durante longos anos nas aluviões superficiais, o garimpo mecanizado não apenas teve um ritmo avassalador, pelo trabalho das máquinas e pelo emprego de grande número de garimpeiros, mas também porque removeu e processou os depósitos sedimentares da superfície até chegar à camada de rocha subjacente, denominada “laje”, escavações que, não raro, chegavam a 12 metros de profundidade.
De ambos os lados da calha do Córrego Rico existem os chamados “barrancos”, que são formados por uma camada depósitos argilosos, sob os quais ocorrem os cascalhos auríferos. A prática de extração era, inicialmente, dragar o leito do córrego, até chegar à laje; nesta situação, podia-se ver em que nível se encontrava o material rico; daí, ia-se avançando lateralmente, acompanhando o material rico, que às vezes chegava até ao barranco e o penetrava. Neste momento, para atacar o barranco, o garimpeiro fazia acordo com o proprietário do terreno, que normalmente envolvia o pagamento de um valor fixo mais uma percentagem da produção.
O material a ser lavrado variava muito, com camadas de seixos estéreis. Os donos de garimpo com maiores recursos contratavam tratores, retiravam as camadas de seixos e iam apenas no material com concentração de ouro. Principalmente no Guerra, fazenda que àquela época pertencia a Rubens Lisboa, onde a praia é mais extensa e era a mais produtiva, foram instalados moinhos a martelo. O material era retirado do leito do rio, triturado no moinho e passado numa bica forrada com carpete. Ao final do dia, o carpete era lavado dentro de um tambor, para depois ser passado na bateia. Esse processo foi utilizado depois que os garimpeiros descobriram que havia ouro incrustado em quartzo.




22 anos após o fechamento do garimpo mecanizado, suas marcas ainda estão presentes ao longo do Córrego Rico. Nesta imagem, obtida em agosto/2012 junto ao bairro Santa Lúcia, observam-se restos de escavação preenchida por água pútrida, ao lado de monturo de cascalho.

Diz-se que no Guerra houve muitos bamburros, nome dado pelos garimpeiros a depósitos excepcionalmente produtivos, algo acima de 200 gramas de ouro por semana por draga, quando o comum seria uma produção de 40 a 60 gramas de ouro por draga.
Na ocasião da operação de fechamento do garimpo mecanizado de Paracatu, em outubro de 1989, estavam em ação “156 dragas, 148 moinhos, 167 bombas de sucção e cerca de 1.400 pessoas diretamente ligadas ao garimpo”, segundo Oliveira Melo, em As Minas Reveladas. As atividades intensivas de extração ocorreram nas planícies fluviais existentes nas calhas dos córregos Rico, São Domingos, São Gonçalo, Água Limpa, Angelical e Santo Antonio, assim como nos ribeirões Santa Rita e São Pedro, todas da sub-bacia do Rio Paracatu, as quais sofreram descaracterização. Entretanto, ressalte-se que todas essas áreas foram mineradas desde o século XVIII, não existindo ali, portanto, uma natureza intacta, mas seguidamente modificada pela atividade humana e regenerada por si própria.
 Afora isto, outro problema ambiental trazido pelo garimpo mecanizado foi a introdução de um elemento extremamente nocivo às pessoas e ao meio ambiente, quando conduzido sem procedimentos técnicos adequados: a utilização da amalgamação por mercúrio. É este assunto que iremos analisar em nosso próximo capítulo.

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