Quando a RioTinto Zinc do Brasil, uma transnacional inglesa, bloqueou a jazida de ouro no Morro do Ouro e iniciou o desenvolvimento e lavra do depósito, houve uma verdadeira “corrida do ouro” para os cascalhos auríferos de Paracatu. Falava-se que em Paracatu havia 90 toneladas de ouro e que ele brotava nas ruas. Não se pode precisar o número de pessoas atraídas ao garimpo, é estimativa que varia a gosto de cada um, sempre tendendo ao exagero, indo de dois mil a cinco mil.
Esse novo surto garimpeiro viria utilizar novidades tecnológicas de extração, como escavadeiras, tratores, dragas, bombas de sucção e de desmonte hidráulico; para a apuração final do ouro foi introduzida a amalgamação com mercúrio. Esse garimpo mecânico moderno exige capital e, sendo assim, o trabalho livre deu lugar às relações típicas do capitalismo entre patrão (dono do garimpo) e empregado (trabalhadores com vínculo empregatício informal).
Garimpo mecanizado no Córrego Rico. Foto
de 1987.
Os garimpos
mecanizados em Paracatu funcionavam através de acordo entre o dono do garimpo e
o dono do barranco, que era o proprietário do lote ou gleba onde iria ocorrer a
extração. Pagava-se ao dono do barranco um valor fixo ou uma taxa sobre a
produção ou ainda, como era mais comum, um valor fixo mais uma taxa sobre a
produção. Nesse sistema, o garimpeiro, que antes exercia uma atividade livre,
foi incorporado como empregado informal, isto é, sem registro em carteira.
No começo,
existia muita mão de obra e pouca qualificação. Ninguém sabia trabalhar com as
máquinas. Em média, pagava-se um salário mínimo e meio por mês, com prêmios
sobre a produção que podiam chegar a 10%, distribuído para o grupo.
Uma pesquisa
antropológica realizada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) por
Parry Scott e outros mostrou que o assalariamento no garimpo mecanizado de
Paracatu se distinguia dos outros serviços, aos olhos do garimpeiro ali
empregado, por três aspectos: a figura do patrão-amigo, marcado pela
proximidade e um certo companheirismo entre patrão e empregado; o crédito
indireto, que se referencia ao fato de os garimpeiros poderem efetuar
compra semanal no comércio local, contando com o crédito do dono do garimpo, e o
regime de meia, que era a cessão das máquinas pelo proprietário a seus
empregados, para que os mesmos pudessem trabalhar em horários alternativos (à
noite ou final de semana), dividindo pela metade o resultado entre o empregador
e o empregado.
Vários
problemas sociais e ambientais ocorreram em Paracatu por conta do garimpo
mecanizado, cujas consequências ainda se fazem sentir. Houve atração de
aventureiros vindos de outras paragens, mas contestamos a afirmação de que uma
leva de garimpeiros tenha “invadido” a cidade: é uma ideia fantasiosa, reprovada por estudos realizados. Os garimpeiros
forasteiros (principalmente donos de garimpo) permaneceram pouco tempo na
cidade e seu número não justifica o “inchaço” populacional de Paracatu naquela época.
Esta afirmação é demonstrada pelo estudo da UFPE, que aponta a migração
campo-cidade, dinâmica presente em todas as regiões brasileiras, como o fator
fundamental do crescimento do número de garimpeiros dentro da cidade de
Paracatu.
Na década de
1980, expandiu-se na região de Paracatu a agricultura intensiva e de alta
tecnologia, com grandes investimentos direcionados pelo Programa de
Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO), o Programa de Cooperação
Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER) e o Projeto de
Colonização Paracatu Entre Ribeiros (PCPER), todos eles intensivos em capital e
redutores de mão-de-obra. Os trabalhadores rurais, analfabetos ou de baixa
instrução, eram inadequados para a nova agricultura que se instalou e acabaram “expulsos”
do campo, indo habitar a periferia da cidade, onde também não havia emprego
para eles. Assim, o garimpo surgiu para essas pessoas como uma forma de vida,
mas esse afluxo humano a uma cidade de infraestrutura precária não poderia
acontecer sem fortes impactos sociais.
O problema
ambiental mais perceptível foi a alteração da paisagem ribeirinha. Enquanto o
garimpo manual trabalhou em ritmo lento durante longos anos nas aluviões
superficiais, o garimpo mecanizado não apenas teve um ritmo avassalador, pelo
trabalho das máquinas e pelo emprego de grande número de garimpeiros, mas
também porque removeu e processou os depósitos sedimentares da superfície até
chegar à camada de rocha subjacente, denominada “laje”, escavações que, não
raro, chegavam a 12 metros
de profundidade.
De ambos os
lados da calha do Córrego Rico existem os chamados “barrancos”, que são
formados por uma camada depósitos argilosos, sob os quais ocorrem os cascalhos
auríferos. A prática de extração era, inicialmente, dragar o leito do córrego,
até chegar à laje; nesta situação, podia-se ver em que nível se encontrava o
material rico; daí, ia-se avançando lateralmente, acompanhando o material rico,
que às vezes chegava até ao barranco e o penetrava. Neste momento, para atacar
o barranco, o garimpeiro fazia acordo com o proprietário do terreno, que
normalmente envolvia o pagamento de um valor fixo mais uma percentagem da
produção.
O material a
ser lavrado variava muito, com camadas de seixos estéreis. Os donos de garimpo com
maiores recursos contratavam tratores, retiravam as camadas de seixos e iam
apenas no material com concentração de ouro. Principalmente no Guerra, fazenda que àquela época
pertencia a Rubens Lisboa, onde a praia é mais extensa e era a mais produtiva,
foram instalados moinhos a martelo. O material era retirado do leito do rio,
triturado no moinho e passado numa bica forrada com carpete. Ao final do dia, o
carpete era lavado dentro de um tambor, para depois ser passado na bateia. Esse
processo foi utilizado depois que os garimpeiros descobriram que havia ouro
incrustado em quartzo.
22 anos após o fechamento do
garimpo mecanizado, suas marcas ainda estão presentes ao longo do Córrego Rico.
Nesta imagem, obtida em agosto/2012 junto ao bairro Santa Lúcia, observam-se
restos de escavação preenchida por água pútrida, ao lado de monturo de
cascalho.
Diz-se que no
Guerra houve muitos bamburros, nome dado pelos garimpeiros a depósitos
excepcionalmente produtivos, algo acima de 200 gramas de ouro por
semana por draga, quando o comum seria uma produção de 40 a 60 gramas de ouro por draga.
Na ocasião da
operação de fechamento do garimpo mecanizado de Paracatu, em outubro de 1989,
estavam em ação “156 dragas, 148 moinhos,
167 bombas de sucção e cerca de 1.400 pessoas diretamente ligadas ao garimpo”,
segundo Oliveira Melo, em As Minas Reveladas. As
atividades intensivas de extração ocorreram nas planícies fluviais existentes
nas calhas dos córregos Rico, São Domingos, São Gonçalo, Água Limpa, Angelical
e Santo Antonio, assim como nos ribeirões Santa Rita e São Pedro, todas da
sub-bacia do Rio Paracatu, as quais sofreram descaracterização. Entretanto,
ressalte-se que todas essas áreas foram mineradas desde o século XVIII, não
existindo ali, portanto, uma natureza intacta, mas seguidamente modificada pela
atividade humana e regenerada por si própria.
Afora isto, outro problema ambiental trazido
pelo garimpo mecanizado foi a introdução de um elemento extremamente nocivo às
pessoas e ao meio ambiente, quando conduzido sem procedimentos técnicos
adequados: a utilização da amalgamação por mercúrio. É este assunto que iremos
analisar em nosso próximo capítulo.
Palavras-chave: Paracatu; Kinross; mercúrio; ouro; meio ambiente; garimpo; mineração
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