A proximidade do Natal de 1990 foi marcada por um evento elucidativo da dramática situação de miséria dos garimpeiros de Paracatu, sem oportunidades de trabalho digno e honesto.
Condoído com a miséria que se espalhou, o batalhão local da Polícia
Militar cadastrou cerca de 300 famílias para receber uma “cesta de Natal”.
Contava-se com a oferta de 100 unidades de cestas a serem doadas pela PM de
Belo Horizonte e as restantes seriam oferecidas pela Prefeitura Municipal de
Paracatu, naquela época sob o comando do Prefeito Arquimedes Borges. De acordo
com o jornal O Movimento (Ed. 10,
dez/1990 a jan/1991, p. 3), no dia 11 de dezembro de 1990, desde as 6 horas da
manhã extensa fila se formou para receber as cestas e a partilha de um caminhão
de abóboras doado pelo Sr. José Abreu, sendo que a distribuição iria iniciar-se
às 10 horas. Porém, pouco depois de iniciada a distribuição, as cestas
acabaram, porque a Prefeitura não deu a contribuição esperada. Os garimpeiros
revoltaram-se e o comandante local da PM procurou contornar a situação,
recomendando aos garimpeiros que procurassem outra atividade. Então, o grupo de
garimpeiros dirigiu-se para a Prefeitura Municipal para conversar com o
Prefeito Arquimedes e eles lá ficaram até às 13 horas. Contudo, o prefeito
recusou-se a recebê-los.
A dramática
situação dessas famílias impelia os garimpeiros para os canais de rejeito da
RPM, acentuando o conflito. A empresa não apenas endurecia o discurso,
como também estreitou seus vínculos com as polícias militar e civil, utilizando
os agentes públicos para vigiar e punir os garimpeiros.
Garimpeiros se reúnem na frente da Prefeitura Municipal para protestarem contra a repressão e o desemprego. Fonte: O Movimento, Ed. 10, dez/1990 a jan/1991, p. 3. |
Ao final do
ano de 1991, uma notícia viria a assustar a opinião pública paracatuense. Sob o
título “Segurança da RPM atira em garimpeiro”, o jornal O Movimento informava que seguranças da mineradora foram
denunciados novamente de praticarem violência contra cidadãos paracatuenses no
afã de estarem resguardando o patrimônio da empresa. Desta vez, três
garimpeiros foram agredidos na área da barragem, sendo que um deles foi
atingido por tiro e levado para hospital em Brasília; os outros dois levaram
surra com cabo de aço, tendo feito exames de corpo delito, após apresentarem
denúncia ao Ministério Público. Este episódio foi bem descrito pelo jornal O Movimento (Ed. 26, dez/1991, p. 12):
"O tiro disparado pelo segurança da RPM atingiu o joelho esquerdo do
garimpeiro Romeu da Silva Pereira. Romeu está internado em Brasília, mas seu
primo José Mendanha Sobrinho presenciou o fato. Mendanha disse que o episódio
ocorreu por volta das 6 hs. do dia 7 passado. Somente ao meio dia Romeu veio a
ser socorrido pela PM, pois os agressores fugiram, deixando-o sozinho com a
vítima. Segundo ele, o tiro foi disparado pelo encarregado de segurança
Francisco Cipriano, que estava acompanhado de dois outros seguranças da
empresa, um japonês de nome Roberto e um ex-vigilante da agência local do Banco
do Brasil, de nome Antônio."
Apenas para esclarecer melhor a repressão e a resistência dos garimpeiros, os seguranças contratados pela RPM eram, na sua maior parte, pessoas truculentas, que não hesitavam em usar a tortura em suas práticas de trabalho. Odiadas pelos garimpeiros, algumas delas foram alvo de violência, como o tal Roberto "Japonês", citado acima: uma noite, após sair de uma festa no Jóquei Clube Paracatuense, ele foi agredido por um grupo de pessoas não identificadas, que o deixaram quase morto no asfalto da Av. Olegário Maciel. Depois desta agressão, Roberto "Japonês" deixou a cidade, sob risco de morte.
Analisando-se as matérias jornalísticas que envolviam a RPM, observa-se que as denúncias de danos ambientais e as práticas truculentas da empresa contra os garimpeiros se avolumavam: agressões, tiros e torturas foram incluídos no cotidiano da repressão; pior, eram tolerados pela sociedade. A imprensa, entretanto, concedia espaço livre às denúncias e também reproduzia as versões da empresa, dando curso ao contraditório. No início de 1992, diante de denúncia de poluição dos rios a jusante da barragem de rejeito, feita por moradores daquela região e encaminhada à Câmara pelo vereador José Maria Andrade Porto; das explosões na área de lavra, conforme denúncia da população dos bairros periféricos, encaminhada pelo vereador Silvano Avelar; da violência contra os garimpeiros, denunciada pelo vereador Alaor Neiva, e do desprezo da mão de obra local em favor de trabalhadores de fora, conforme argumentava o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Extrativa, Mauro Muniz, a empresa resolveu agir.
Garimpeiros são torturados a mando da RPM. Fonte: O Movimento, ed. 13, abril de 1991. |
Analisando-se as matérias jornalísticas que envolviam a RPM, observa-se que as denúncias de danos ambientais e as práticas truculentas da empresa contra os garimpeiros se avolumavam: agressões, tiros e torturas foram incluídos no cotidiano da repressão; pior, eram tolerados pela sociedade. A imprensa, entretanto, concedia espaço livre às denúncias e também reproduzia as versões da empresa, dando curso ao contraditório. No início de 1992, diante de denúncia de poluição dos rios a jusante da barragem de rejeito, feita por moradores daquela região e encaminhada à Câmara pelo vereador José Maria Andrade Porto; das explosões na área de lavra, conforme denúncia da população dos bairros periféricos, encaminhada pelo vereador Silvano Avelar; da violência contra os garimpeiros, denunciada pelo vereador Alaor Neiva, e do desprezo da mão de obra local em favor de trabalhadores de fora, conforme argumentava o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Extrativa, Mauro Muniz, a empresa resolveu agir.
Daí em
diante, observa-se que a RPM rearticulou a sua comunicação social, construindo
um discurso hegemônico, silenciador, que restringiu e em certas situações até
mesmo eliminou a voz dos atingidos: a empresa se sentia com o poder de
determinar a verdade dos fatos.
Essa mudança
na produção do discurso, a voz da verdade estabelecida pelo poder, foi
assinalada por uma visita à Câmara Municipal, no dia 6 de abril de 1992, de uma
equipe técnica da RPM, liderada pelo diretor Edson Izabella. Naquela ocasião, a
equipe da empresa refutou as denúncias e estabeleceu uma classificação
definitiva dos garimpeiros que entravam na sua área de rejeitos. De acordo com
Edson Izabella a violência contra os garimpeiros não ocorria, o fato é que se
tratavam de “bandidos e criminosos integrantes de gangues”. Essa pecha “bandidos
e criminosos”, com algumas variações iria estar presente em todas as falas da
empresa, quando se referiam aos garimpeiros, como uma maneira de justificar e
legitimar a violência da repressão.
A estratégia
do poder na produção do discurso verdadeiro, daí em diante, não incluiria
apenas reprimir e negar, mas também cooptar, através de um programa de
filantropia, apoios, doações, visitas e veiculação na mídia de tudo o que
pudesse construir uma imagem positiva de uma organização parceira da comunidade.
Por outro
lado, a brutalidade da repressão aos garimpeiros atemorizava até mesmo aos mais
corajosos que se aventuravam a penetrar a área de rejeito da RPM, de tal modo
que, em novembro de 1993, o garimpeiro Luiz Monteiro da Silva, 32 anos, morreu
em consequência de ataque cardíaco dentro da área da empresa. A nota que saiu na
imprensa paracatuense informava que um grupo de garimpeiros foi surpreendido
pela segurança e fugiu, mas um deles, que sofria do mal de Chagas, correu em
direção à guarita da Ivaí Engenharia, empreiteira da mineradora. Conduzido ao
hospital, veio a falecer. A nota também informava que os vigilantes teriam
efetuado disparos para o alto, mas que o assessor de relações públicas negara
que tivesse ocorrido qualquer disparo ou que alguém tivesse sido ferido. Na
imprensa, pela primeira vez nenhuma voz foi dada aos atingidos pela violência,
cujas versões certamente contestariam a “verdade” propagada pela mineradora.
A violência contra os garimpeiros, por mais repugnante
possa lhe parecer, caro leitor, estava apenas dando seus primeiros sinais. Veja
a sequência no próximo capítulo.
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