Blog do Professor Márcio

Seja bem vindo. Gosto de compartilhar ideias e sua visita é uma contribuição para isto. Volte sempre!

sábado, 19 de janeiro de 2013

O Garimpo em Paracatu Uma história que precisa ser contada – Capítulo V

A proximidade do Natal de 1990 foi marcada por um evento elucidativo da dramática situação de miséria dos garimpeiros de Paracatu, sem oportunidades de trabalho digno e honesto.
Condoído com a miséria que se espalhou, o batalhão local da Polícia Militar cadastrou cerca de 300 famílias para receber uma “cesta de Natal”. Contava-se com a oferta de 100 unidades de cestas a serem doadas pela PM de Belo Horizonte e as restantes seriam oferecidas pela Prefeitura Municipal de Paracatu, naquela época sob o comando do Prefeito Arquimedes Borges. De acordo com o jornal O Movimento (Ed. 10, dez/1990 a jan/1991, p. 3), no dia 11 de dezembro de 1990, desde as 6 horas da manhã extensa fila se formou para receber as cestas e a partilha de um caminhão de abóboras doado pelo Sr. José Abreu, sendo que a distribuição iria iniciar-se às 10 horas. Porém, pouco depois de iniciada a distribuição, as cestas acabaram, porque a Prefeitura não deu a contribuição esperada. Os garimpeiros revoltaram-se e o comandante local da PM procurou contornar a situação, recomendando aos garimpeiros que procurassem outra atividade. Então, o grupo de garimpeiros dirigiu-se para a Prefeitura Municipal para conversar com o Prefeito Arquimedes e eles lá ficaram até às 13 horas. Contudo, o prefeito recusou-se a recebê-los.
A dramática situação dessas famílias impelia os garimpeiros para os canais de rejeito da RPM, acentuando o conflito. A empresa não apenas endurecia o discurso, como também estreitou seus vínculos com as polícias militar e civil, utilizando os agentes públicos para vigiar e punir os garimpeiros.


O canal de rejeito conduz  a lama que sai da Usina de Beneficiamento da RPM  para  a área da barragem. O ouro não recuperado no beneficiamento, por sua maior densidade, acaba se depositando no fundo do canal. É ali que os garimpeiros procuram retirá-lo.
Em abril de 1991, notícia publicada em O Movimento relatava que cinco pessoas foram presas pela Polícia Civil, às quais o Juizado determinou prisão temporária de cinco dias, apontados pela RPM por roubo de concentrado de ouro. A Polícia não apenas deteve os acusados além do prazo determinado pelo juiz, como também torturou um dos presos, Esmeraldo Rodrigues Andrade, ex-funcionário da RPM. Relatou Esmeraldo que os policiais o levaram algemado para uma área de cerrado próxima a Unaí e lá teve sua perna esquerda imobilizada com um pedaço de pau; em seguida, os policiais espancaram a sua perna com uma palmatória que tinha uma lona de pneu afixada, e depois passaram a espancar seus rins. Esmeraldo foi examinado pelo médico legista, Dr. Ricardo Guazelli, que confirmou o espancamento.


Garimpeiros se reúnem na frente da Prefeitura Municipal para protestarem contra a repressão e o desemprego. Fonte: O Movimento, Ed. 10, dez/1990 a jan/1991, p. 3.
Preocupado com a situação local, que tinha de um lado a poluição ambiental e a proibição legal do garimpo, que ainda continuava ativo na clandestinidade, e de outro o problema social do desemprego, o juiz da comarca, Fernando Humberto dos Santos, convocou uma reunião com as principais lideranças políticas e comunitárias da cidade para a discussão do problema. Esta reunião redundou na formação de uma comissão, a qual nunca chegou a funcionar.
Ao final do ano de 1991, uma notícia viria a assustar a opinião pública paracatuense. Sob o título “Segurança da RPM atira em garimpeiro”, o jornal O Movimento informava que seguranças da mineradora foram denunciados novamente de praticarem violência contra cidadãos paracatuenses no afã de estarem resguardando o patrimônio da empresa. Desta vez, três garimpeiros foram agredidos na área da barragem, sendo que um deles foi atingido por tiro e levado para hospital em Brasília; os outros dois levaram surra com cabo de aço, tendo feito exames de corpo delito, após apresentarem denúncia ao Ministério Público. Este episódio foi bem descrito pelo jornal O Movimento (Ed. 26, dez/1991, p. 12):
"O tiro disparado pelo segurança da RPM atingiu o joelho esquerdo do garimpeiro Romeu da Silva Pereira. Romeu está internado em Brasília, mas seu primo José Mendanha Sobrinho presenciou o fato. Mendanha disse que o episódio ocorreu por volta das 6 hs. do dia 7 passado. Somente ao meio dia Romeu veio a ser socorrido pela PM, pois os agressores fugiram, deixando-o sozinho com a vítima. Segundo ele, o tiro foi disparado pelo encarregado de segurança Francisco Cipriano, que estava acompanhado de dois outros seguranças da empresa, um japonês de nome Roberto e um ex-vigilante da agência local do Banco do Brasil, de nome Antônio."
Apenas para esclarecer melhor a repressão e a resistência dos garimpeiros, os seguranças contratados pela RPM eram, na sua maior parte, pessoas truculentas, que não hesitavam em usar a tortura em suas práticas de trabalho. Odiadas pelos garimpeiros, algumas delas foram alvo de violência, como o tal Roberto "Japonês", citado acima: uma noite, após sair de uma festa no Jóquei Clube Paracatuense, ele foi agredido por um grupo de pessoas não identificadas, que o deixaram quase morto no asfalto da Av. Olegário Maciel. Depois desta agressão, Roberto "Japonês" deixou a cidade, sob risco de morte. 
Garimpeiros são torturados a mando da RPM. Fonte: O Movimento, ed. 13, abril de 1991.

Analisando-se as matérias jornalísticas que envolviam a RPM, observa-se que as denúncias de danos ambientais e as práticas truculentas da empresa contra os garimpeiros se avolumavam: agressões, tiros e torturas foram incluídos no cotidiano da repressão; pior, eram tolerados pela sociedade. A imprensa, entretanto, concedia espaço livre às denúncias e também reproduzia as versões da empresa, dando curso ao contraditório. No início de 1992, diante de denúncia de poluição dos rios a jusante da barragem de rejeito, feita por moradores daquela região e encaminhada à Câmara pelo vereador José Maria Andrade Porto; das explosões na área de lavra, conforme denúncia da população dos bairros periféricos, encaminhada pelo vereador Silvano Avelar; da violência contra os garimpeiros, denunciada pelo vereador Alaor Neiva, e do desprezo da mão de obra local em favor de trabalhadores de fora, conforme argumentava o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Extrativa, Mauro Muniz, a empresa resolveu agir.
Daí em diante, observa-se que a RPM rearticulou a sua comunicação social, construindo um discurso hegemônico, silenciador, que restringiu e em certas situações até mesmo eliminou a voz dos atingidos: a empresa se sentia com o poder de determinar a verdade dos fatos.
Essa mudança na produção do discurso, a voz da verdade estabelecida pelo poder, foi assinalada por uma visita à Câmara Municipal, no dia 6 de abril de 1992, de uma equipe técnica da RPM, liderada pelo diretor Edson Izabella. Naquela ocasião, a equipe da empresa refutou as denúncias e estabeleceu uma classificação definitiva dos garimpeiros que entravam na sua área de rejeitos. De acordo com Edson Izabella a violência contra os garimpeiros não ocorria, o fato é que se tratavam de “bandidos e criminosos integrantes de gangues”. Essa pecha “bandidos e criminosos”, com algumas variações iria estar presente em todas as falas da empresa, quando se referiam aos garimpeiros, como uma maneira de justificar e legitimar a violência da repressão.
A estratégia do poder na produção do discurso verdadeiro, daí em diante, não incluiria apenas reprimir e negar, mas também cooptar, através de um programa de filantropia, apoios, doações, visitas e veiculação na mídia de tudo o que pudesse construir uma imagem positiva de uma organização parceira da comunidade.
Por outro lado, a brutalidade da repressão aos garimpeiros atemorizava até mesmo aos mais corajosos que se aventuravam a penetrar a área de rejeito da RPM, de tal modo que, em novembro de 1993, o garimpeiro Luiz Monteiro da Silva, 32 anos, morreu em consequência de ataque cardíaco dentro da área da empresa. A nota que saiu na imprensa paracatuense informava que um grupo de garimpeiros foi surpreendido pela segurança e fugiu, mas um deles, que sofria do mal de Chagas, correu em direção à guarita da Ivaí Engenharia, empreiteira da mineradora. Conduzido ao hospital, veio a falecer. A nota também informava que os vigilantes teriam efetuado disparos para o alto, mas que o assessor de relações públicas negara que tivesse ocorrido qualquer disparo ou que alguém tivesse sido ferido. Na imprensa, pela primeira vez nenhuma voz foi dada aos atingidos pela violência, cujas versões certamente contestariam a “verdade” propagada pela mineradora. 
A violência contra os garimpeiros, por mais repugnante possa lhe parecer, caro leitor, estava apenas dando seus primeiros sinais. Veja a sequência no próximo capítulo.

Nenhum comentário: