Imagine, caro leitor, que você fosse professor de Engenharia Ambiental e que, para enriquecer a formação curricular de seus alunos, dirigisse uma visita técnica ao INFERNO. É isto mesmo, ao inferno, para conhecer as condições ambientais daquele lugar tão mal falado. Como pessoa da ciência, você é neutro, não é? Não importa para quê serve o inferno, para quem serve o inferno, mas como funciona o inferno, concorda? É assim que procedem muitas pessoas que se dizem cientistas, elas se fixam nos processos e não nos sistemas que geram os processos. Cientistas alienados ou pseudo-cientistas são sempre indispensáveis para manter o inferno funcionando.
Então, vamos lá! Chegando ao inferno você e a turma ficam extasiados com o seu perfeito sistema operacional, nada daquela zorra total que o pessoal daqui anda falando: departamento de recursos humanos, planejamento das operações, segurança do trabalho (afinal, quem trabalha lá tem que se cuidar!), sistema de controle de qualidade, treinamento de pessoal, enfim, um empreendimento eficiente e competitivo.
De tão entusiasmado com sua “descoberta”, você quer contar a todo mundo sobre as virtudes do inferno, uma organização que nem parece coisa de brasileiro. Lá vai um artigo de jornal: mil elogios, quem dera transformar nosso País num inferno daqueles!
Stop! Nossas digressões vão parar por aqui. O artigo, caro leitor, já foi publicado no jornal “O Lábaro”, edição 31, maio de 2010, página 21, sob o título: “Engenharia Ambiental visita mineradora de amianto crisotila”. Leia-o, é impagável!
Para quem não sabe, crisotila é amianto, também chamado de “fibra assassina”. A Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer, da Organização Mundial de Saúde, classifica o amianto ou asbesto no grupo 1 dos 75 agentes reconhecidamente cancerígenos para os seres humanos. A ação cancerígena do amianto está muito bem documentada cientificamente na literatura médica internacional há pelo menos um século. Por isto, ele já foi banido em 52 países ao redor do mundo. No Brasil por força de “lobby”, ele ainda é produzido, mas vários municípios e estados brasileiros já possuem legislação restritiva ao uso do amianto e em quatro deles já há uma proibição formal de sua exploração, utilização e comercialização, como é o caso de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Há um processo de banimento a ser votado no Congresso Nacional, talvez ainda neste ano.
Entretanto, a matéria assinada por uma professora descreve a visita com foco apenas nas condições operacionais da mina de amianto da SAMA, em Goiás, sem levantar uma única questão ambiental. Os visitantes não tiveram contato, é óbvio, com as inúmeras vítimas que ainda sobrevivem (a maioria já se foi!) da malfadada mina. O que me deixou pasmo, ao ler a citada matéria, foi a seguinte pérola: “A SAMA (...) é um exemplo que serve como padrão de desenvolvimento sustentável para mineradoras do Brasil e do exterior.” Padrão dos infernos! As câmaras de gás de Auschwitz-Birkenau ainda são referência mundial de extermínio, sua eficiência talvez jamais seja suplantada. Mas elas jamais poderão servir de padrão de Engenharia Ambiental, você não acha, caro leitor?
A verdade é que estamos “no mato sem cachorro”. Nossos cursos de engenharia ambiental não discutem o que é desenvolvimento e muito menos o significado de sustentável. Seu objetivo é formar para o "mercado", esta coisa vil e podre que não se importa com a saúde do trabalhador, com a saúde da população, e vai continuar lançando os seus amiantos, arsênios, chumbos, cianetos e toda sorte de pestilência, de modo eficiente, com a mais moderna tecnologia de produção. O importante é o lucro a qualquer custo, e para isto o sistema de exploração necessita de pessoas alienadas e eficientes para promover o inferno sustentável. Pessoas que não questionem: pra que o inferno, se ele só interessa ao diabo?
Este texto foi publicado no jornal "O Lábaro", ed. 32, junho de 2010.
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2 comentários:
gostei muito ,mais vou parar o inferno nao.ok.
Ok, Anônimo. É sempre uma questão de opção.
Para mim, o inferno só interessa ao diabo, mas tem muita gente indo pra lá.
Pelo menos você gostou da crônica. Fico grato. Um abraço.
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