O surgimento de Paracatu deve-se, inegavelmente, à exploração do ouro e talvez isto seja, mais que um proveito, uma triste sina. Naqueles tempos, o povoado teve um rápido crescimento e, depois, uma longa estagnação, da qual foi arrancada pela agricultura nos anos 1980.
Crescimento econômico não se confunde com desenvolvimento. Para que este ocorra é necessário um projeto social que prepare um futuro melhor para a massa da população. Entretanto, os governos e suas agências, as empresas assim como a maioria das pessoas, supõem que o desenvolvimento econômico resulta da posse de coisas como usinas, barragens, prédios, tratores e outras, criando falsas e fúteis expectativas.
É evidente que os resultados econômicos não se traduzem automaticamente em benefícios para a maioria. Por isto, é preciso refletir sobre a natureza do desenvolvimento e estabelecer políticas estruturadas por valores que não sejam apenas os dos donos do capital.
Os Relatórios do desenvolvimento humano do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) identificam quatro capacidades para se avaliar o progresso do bem-estar humano: vida longa e saudável, conhecimento, acesso aos recursos necessários para um padrão de vida digno e participação na vida da comunidade. Eles enfatizam que o desenvolvimento depende da maneira como os recursos gerados são utilizados – se para produzir veneno ou para produzir alimentos, se para ostentar vaidades ou para fornecer água potável, por exemplo.
Para aferir o desenvolvimento humano, cerca de 200 indicadores foram consubstanciados num índice – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – obtido da média de renda, escolaridade e longevidade.
A tabela seguinte apresenta o PIB per capita, o Índice de Analfabetismo e o IDH de Paracatu, comparados aos de Unaí e do Brasil.
(*) Produto Interno Bruto dos Municípios 2002-2005. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (19 de dezembro de 2007).
(**) Ranking decrescente do IDH-M dos municípios do Brasil. Atlas do Desenvolvimento Humano. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (2000).
Se acreditássemos nos arautos das mineradoras, os resultados apresentados seriam chocantes: então, a vizinha Unaí, que não tem indústria mineral, tem PIB per capita 30% superior e IDH 6,8% superior? Comparados ao Brasil, o PIB per capita de Paracatu é a metade, a taxa de analfabetismo é 20% superior e o IDH 7% inferior?!
Onde fica o argumento dos benefícios econômicos e sociais trazidos pelas mineradoras?
A presença de duas grandes indústrias minerais, sem dúvida, faz crescer a economia, mas até onde? Se os frutos do crescimento são utilizados para reforçar uma matriz institucional exploradora, ao invés de servir para transformá-la, seus benefícios não chegam sequer a melhorar o acesso das populações mais vulneráveis aos direitos fundamentais do homem.
E nos aspectos ambientais? A indústria mineral utiliza o jargão do “desenvolvimento sustentável”. Já provamos que ela não trouxe desenvolvimento, mas o que seria então “desenvolvimento sustentável”? Sustentabilidade não é um conceito científico, mas um conceito ético: fazer ou não opções que favoreçam as gerações futuras, abrindo mão de benefícios imediatos.
Gell-Mann, prêmio Nobel de Física de 1969, ao discutir o significado do adjetivo sustentável, conclui que há uma “desejabilidade” junto com a sustentabilidade.
De maneira geral, as pessoas sabem o que é e o que não é desejável. A ausência de vida na Terra pode ser sustentável; o ar envenenado por cianeto, arsênio e outras substâncias tóxicas pode ser sustentável no planeta durante milhões de anos; o solo contaminado por agrotóxicos, arsênio, chumbo e outros metais pesados pode ser sustentável até que haja desaparecido a vida na Terra. Mas ninguém deseja ar envenenado, solo contaminado, vida destruída, água inutilizável e tantos outros produtos do crescimento econômico a qualquer custo. A sustentabilidade ambiental é baseada no imperativo ético de solidariedade com a geração atual e com as gerações futuras.
Assim, quando falamos em desenvolvimento sustentável estamos nos referindo a um desenvolvimento socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente sustentado através do tempo. Isto jamais seria compatível com as ações de mineradoras que destroem as reservas de água potável, contaminam ar, água e solo com substâncias letais, utilizam o seu enorme poder para se imporem às populações atingidas, sonegam informações sobre poluição ambiental e mascaram suas políticas predatórias com engodos e falsidades.
Como seria bom se pudesse tecer louvores sobre a mineração em Paracatu! O povoamento da cidade iniciou-se com o garimpo, que deixou seu rastro de pobreza contaminada pelo mercúrio, e, hoje, pouco está se importando com o invisível arsênio e o seu terrível e eterno legado. A febre do ouro nos lembra que muitos preferem ter uma vida curta, mas que (quem sabe?) por um breve momento possa ser excitante.
Artigo publicado no jornal "O Lábaro", Ano 03, Edição 30, abril/2010.
Marcadores: meio ambiente; paracatu; ouro; arsênio; cianureto; rejeito; drenagem acida; conflito ambiental; licenciamento; desenvolvimento.
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