Minha sala de trabalho não era um lugar confortável. Já teve tempos melhores, quando pela janela podia ver parte da cidade, e ver a cidade invadindo o cerrado por trás da Chácara dos Padres. A vista é voltada para o poente, de maneira que, antes de iniciar o dia de trabalho, eu ficava ali alguns minutos a olhar o céu e toda a paisagem sem o incômodo da luz a me ferir a vista. No batente do dia, esses minutos eram de paz e contemplação, oração silenciosa que me dava reforço para as tarefas de dirigir a escola.
As tardes eram quentes, porque o sol vinha entrando sala adentro. Eu me acostumara com ele, e somente fechava a janela quando alguma visita mais demorada se sentava incomodada na frente da minha mesa.
Depois de alguns anos foi erguida uma estrutura metálica para cobrir a quadra de esportes, bem em frente à janela. Adeus Paracatuzinho, adeus Chácara dos Padres, adeus Arraial d'Angola, adeus céu azulado! Só aquela pesada e fria estrutura de metal. Sem horizonte, sem o sol intruso, a sala ficou escura e parecia que as paredes tinham-se apertado.
Quando penso naquele lugar sinto-me como se ainda estivesse olhando pela janela e, às vezes, me vem à cabeça um episódio que presenciei lá pelo ano de 92. Naquela época, não existia qualquer barreira entre a janela e a paisagem, nem mesmo a quadra de esportes. O terreno da escola, dali até o Córrego Rico, tinha apenas mato e uma velha cerca de arame farpado, feita por um carroceiro que teimava em trazer seu cavalo para pastar o colonião que crescia com muito viço. Terreno perigoso para os alunos, porque cheio de espinhos de coco xodó, barrancos e buracos feitos pela enxurrada que descia do alto da Vila Mariana.
Pois bem, numa daquelas manhãs veio uma senhora trazendo um filho para estudar na escola. Não havia quase nada para mostrar, instalações pobres, prédio sem telhado, paredes sem reboco, mas o menino estava entusiasmado e queria convencer a mãe a deixá-lo estudar no Colégio Soma. Seu nome, Alex, filho de holandeses, uma família relativamente abastada. Alex estava mostrando a escola para a mãe, parou junto à cerca de arame farpado, olhou para o mato cheio de coco xodó e disse: - Ali vai ser a piscina!
Não sei o que a mãe pensou, talvez tolice de criança imaginar uma piscina naquela escola que nem telhado tinha. Mas, talvez a mãe tenha se convencido de que o argumento do menino era muito forte e, por isso, ela o matriculou em seguida. De fato, a piscina foi construída naquele local, no ano seguinte. Alex a viu quando ela não existia, porque ele viu aquilo em que acreditava. Alex queria ser aluno da escola e, se os olhos da mãe não podiam ver uma escola bela, ele a antevia assim.
Este episódio tem me servido, desde então, como inspiração nos momentos difíceis. O pequeno Alex me ensinou que não preciso ficar olhando os espinhos de coco xodó, buracos e dificuldades que podem impedir as minhas conquistas, se posso sonhar e acreditar que meus sonhos podem se realizar.
Em espírito, volto àquela janela: de olhos fechados vejo o céu, o Paracatuzinho, o Arraial d'Angola, o morro da Chácara dos Padres. Sei que eles estão lá, do outro lado.
Texto escrito em 14/6/2004 e reescrito em 26/7/2009.
"P.S.: Ontem (30/8/09) recebi uma mensagem da prof. Arlete Nascimento dando-me conta da morte do Alex em acidente de trânsito. Que tragédia! Que desperdício de vida! Envio meus pêsames aos seus irmãos Anneleyn e Jost, com muita tristeza."
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