A atual crise ecológica atinge de modo generalizado toda a população da Terra, a despeito das fronteiras e das acentuadas diferenças entre países ricos e pobres. É, portanto, de natureza coletiva e, como tal, configura-se como uma contradição do atual modelo de desenvolvimento capitalista pois atinge também as elites privilegiadas, uma força destrutiva diante da qual elas estão impotentes.
Esta crise não pode ser resolvida mediante uma simples mudança de tecnologia, mudanças nas leis ou ajustes econômicos, que apenas a atenuam. É o próprio sistema capitalista a origem e o motor da crise, baseado na exploração dos recursos naturais e humanos com o fim exclusivo de gerar lucro. Sem uma profunda reconfiguração social, incluindo a superação do estado de miséria material e espiritual que prevalece no mundo, a crise tende a agravar-se.
No Brasil, em geral, os debates sobre a crise ecológica circulam muito mais no campo das diferenças do que no campo das identidades e as ações são estanques e pontuais, pois não se consegue consenso, por exemplo, a respeito de um projeto público de combate à miséria. Embora a Constituição Brasileira de 1988 tenha fomentado algumas mudanças estruturais importantes, tais como a instalação de conselhos de gestores de políticas públicas, estes tomaram como base um raríssimo perfil de conselheiro: o cidadão. O ser humano não passa de indivíduo a cidadão por decreto legal, mas pela experiência democrática e, para que a democracia sobreviva, é preciso contar com um número cada vez maior de cidadãos ativos. Desta maneira, o fato de existirem conselhos nem sempre garante qualidade, eficácia e eficiência às políticas públicas.
Desde a Revolução Industrial, os Estados têm desempenhado o papel de agentes do desenvolvimento industrial e também o de promotores do estilo de vida individualista e consumista. Muito embora persista a idéia de que os Estados representam o interesse público, sejam as nações ricas ou pobres, eles são na verdade o instrumento de poder que mantém o “status quo” e busca riqueza material acima de tudo, violando regras e restrições ambientais.
Quando cooperam entre si, os Estados têm como objetivo obterem maior acesso aos recursos naturais ou removerem obstáculos comuns ao desenvolvimento industrial. Suas políticas refletem a preocupação de manter ou estimular o desenvolvimento industrial diante das limitações ecológicas.
Um exemplo claro da afirmação acima é o empreendimento mineral da RPM/Kinross em Paracatu - MG, para o qual o órgão ambiental do Estado concede licenças ambientais sem a devida consideração aos riscos envolvidos. Além disso, num escárnio ao direito da população paracatuense à saúde e à segurança ambiental, o Estado concedeu à mineradora o auto-monitoramento ambiental de suas atividades. Consequentemente, ali não são implementadas ações condizentes com os princípios legais da Prevenção e da Precaução que deveriam reger o processo de licenciamento, o que poderá provocar uma catástrofe ambiental na região.
O Estado cuida dos interesses do Estado, em primeiro lugar: crescimento econômico para gerar impostos e postos de trabalho (que geram mais impostos e arrefece as tensões sociais). O apelo ao crescimento econômico exacerbado não contribui para que as empresas invistam em um planejamento que contemple as questões ambientais e o respeito à diversidade cultural. Desta maneira, os Estados converteram-se em um grande problema para a sustentabilidade ecológica do planeta, pois, além de uma conduta ofensiva ao ambiente, eles se transformaram em empecilhos quando se procura uma saída para a crise ecológica global.
Há três décadas que os organismos internacionais, como, por exemplo, a Conferência das Nações Unidas sobre Ecologia e Desenvolvimento (UNCED), vêm fazendo um esforço considerável para associar, ao lado das organizações representativas dos Estados, as organizações não-governamentais (ONGs) nas negociações que envolvem as questões ambientais. Isto se processa dentro de um conceito que hoje é conhecido como governança global, onde a presença de diferentes atores possibilitaria estimular o contraditório.
O resultado dessa associação foi o enorme crescimento de uma grande gama de entidades ambientalistas financiadas pelo Estado e de organizações do próprio Estado onde funcionários públicos encarnam as questões ambientais, tudo isto formando uma verdadeira "ecoburocracia".
Entretanto, essa associação não muda o quadro das discussões e das negociações, porque a atuação das ONGs não combate, mas apenas reforça o Estado e seus sistemas. São ONGs chapa-branca, ONGs de um indivíduo (INGs - Indivíduos Não-Governamentais?) que, por viverem sob proteção financeira do Estado, defendem as posições do Estado ou pressionam seus delegados, consolidando o modelo implícito fusão-difusão com o Estado como ator central. A governança global, portanto, não tenta romper com os paradigmas do Estado, mas os reforça.
Aqui no Brasil, os Comitês de Bacia, por exemplo, que discutem decisões importantes para o meio ambiente, abrigam essas ONGs e INGs, cujos votos garantem a aprovação de projetos destruidores do meio ambiente, mas que interessam ao Estado e às grandes empresas. Além disso, é frequente ver essas ONGs caça-níqueis, verdadeiros gigolôs ambientais, celebrar convênios com empresas poluidoras a troco de lhes dar "legitimidade" para continuarem suas agressões à natureza e à saúde humana.
Em qualquer dos mundos, as relações de poder são mais fortes que as representações sociais e não será a criação de um neologismo – governança global – que poderá mudar a correlação de forças. Nas mesas de discussões têm-se, então, os Estados incapazes de resolver a crise ecológica, porque seus objetivos são o crescimento econômico a qualquer custo e o modelo individualista-consumista, as ONGs que os reforçam e os organismos internacionais que os legitimam como possíveis solucionadores do problema.
Os resultados conquistados até agora em várias rodadas de negociações para resolver a crise ecológica global não passam de acordos de metas para uma melhor eficiência dos processos industriais. Mas todos sabem que a melhoria do desenvolvimento industrial não é a solução para a crise ecológica, apenas uma medida paliativa que não dará sustentabilidade ao planeta.
Através de uma governança global busca-se praticar coletivamente a gestão internacional dos recursos ambientais. Porém, mantendo-se na condição de atores centrais, os Estados, como agentes do desenvolvimento industrial, convertem-se em organismos que reagem para defender um modo de vida insustentável. Surgem os protocolos e suas metas ambientais conformadas à condição de manutenção dos padrões de desenvolvimento industrial e de consumo.
Sair da governança dos governos para a governança social requer a aprendizagem coletiva para afastar-se do atual processo nocivo de crescimento econômico e desenvolvimento industrial, do qual todos somos parte, e alijar o Estado do papel central das discussões. Enquanto isto não ocorrer, a governança global pode ser assim resumida: mudar para que tudo continue como está.
CONSULTAS
ECO-GREEN. El papel Del Estado em La crisis ecológica global de nuestros dias. In Ecología Política. Cuadernos de debate internacional 3. Barcelona: Icaria Editorial, 1991, p. 23-26.
LIMA JÚNIOR, Olavo Brasil de. Instituições Políticas Democráticas: o segredo da legitimidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
RESENDE, Carolina Costa. O papel do conselheiro no processo de governança social. Revista de Governança Social, Ano I, Ed. 2, Belo Horizonte, junho-2008, p. 40-47.
Nota: A charge acima foi obtida em: www.panoramablogmario.blogger.com.br/ong_nani.jpg
Marcadores: governança; crise ecológica; crise ambiental; prevenção; precaução; sustentabilidade.
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