Blog do Professor Márcio

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sábado, 14 de agosto de 2010

Minha querida Mantiqueira



Desde que eu era criança, a Serra da Mantiqueira me fascina. Nasci na Zona da Mata de Minas Gerais (Vilas Boas, Guiricema), porção norte da Mantiqueira, na base de uma montanha conhecida como Mutuca. Minha vida, sonhos e emoções ainda hoje são dominados por aqueles picos agrestes, a silhueta verde cinza das elevações recortada sobre o céu azul, despenhadeiros que lembravam a morte dos incautos, cachoeiras, sumidouros e socavões. Na escola humilde onde estudei até a quarta série a gente tinha que decorar os topônimos dos maiores acidentes geográficos: Serra Geral, Pedra da Mina, Pico das Agulhas Negras, Serra do Itatiaia, Serra de Ouro Preto etc.

Meus avós paternos e alguns tios moravam na Mutuca, onde cultivavam pequeno cafezal e produziam para consumo próprio arroz, feijão, milho, legumes, porcos, galinhas e rapadura. Era assim, naquela época tinha-se que produzir o sustento; o café e o fumo eram as moedas de troca. A minha família raramente ia até lá, pois era difícil subir a serra com a criançada. Porém, à medida que eu crescia, passei a subir a serra com mais frequência, acompanhado por um dos irmãos ou mesmo sozinho. A escalada era forte, mas as minhas pernas pareciam de cabrito montês. No meio da escalada, a gente parava para um fôlego e admirar a paisagem maravilhosa do terreno lá em baixo, a pequena vila do Córrego Preto e a vista que se perdia no horizonte. Lá no sítio, o que eu mais apreciava era chupar as sementinhas maduras do café, comer rapadura e tomar água geladinha e cristalina que corria de uma bica.

Tenho boas lembranças desses passeios, embora eu os fizesse sempre com temor, pois se falava de alguns lugares mal-assombrados naquelas bandas. E havia precipícios de onde um ou outro se jogara para a morte. Por isso, sempre que o medo me arrepiava, eu me benzia mil vezes com o sinal-da-cruz e estugava os passos para deixar o capeta para trás.

O que eu não gostava era dormir lá no sítio. O sol se escondia muito cedo, atrás de um paredão, e logo o ar se esfriava. Antes que a noite caísse, os mosquitos borrachudos vinham vorazes atrás de sangue, sucedidos ao anoitecer pelos pernilongos e pulgas. As cobertas eram escassas e curtas, de maneira que a gente ficava “pedalando” a noite inteira, sentindo o frio gelar os ossos. Assim, se eu pudesse escolher, minha passagem era curta e, ante os protestos dos parentes, descia a serra, mais rápido que o sol poente.

Marcadores: Mantiqueira; Vilas Boas; Guiricema; Mutuca.Minas Gerais.

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