Quando discutíamos o problema da
contaminação ambiental de Paracatu pelo arsênio disseminado a partir da
mineração de ouro, uma amiga resumiu para mim o pensamento de uma boa parcela
da população de Paracatu: - “Não quero fazer exame de arsênio, porque se eu
estiver contaminada terei que me mudar da cidade. Como iria sobreviver com
minha família em outra cidade?”.
Será que é assim que você também
pensa? Não teríamos outra alternativa, a não ser fechar olhos e ouvidos, fingir
que nada está acontecendo?
Tem gente buscando outras
alternativas, mesmo porque é difícil ficar quieto quando estão envolvidas as
vidas dos nossos filhos e somos nós que decidimos por eles. Tem gente que está
buscando reparação através de processos judiciais, mas aqui vamos apresentar um
caso de quem teve que se mudar de Paracatu, por conta do envenenamento por
arsênio, e resolveu entrar com uma ação judicial contra a mineradora.
Apresento a vocês um resumo do
caso referido no Processo 16.4097-3, que corre na comarca de Paracatu, de uma
moça de 19 anos que, durante a gestação, acabou parando na UTI e perdeu o feto.
Seus problemas, de acordo com o laudo médico, começaram com 8 semanas de
gravidez, quando foi atendida no Hospital Municipal de Paracatu, e percebeu
fraqueza leve nas pernas, ao caminhar. Com a piora progressiva do quadro
(vômitos e enjôos, perda de 30 kg, necessidade de cadeira de rodas, zumbido nos
ouvidos) foi encaminhada ao Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB).
A documentação demonstra que ela
passou 17 dias na UTI/HMIB de Brasília, diagnosticada com neuropatia hipocalêmica
(paralisia flácida), que evoluiu para abortamento com 22 semanas de gestação. Devido
a persistência de fraqueza em membros inferiores e superiores, além da
incapacidade em deambular, foi encaminhada ao Setor de Neurologia do HBDF para
investigação.
Não cansarei o leitor com todos
os males que afligiram esta pessoa. O importante é ressaltar o que
transcrevemos, a seguir, do laudo médico:
Durante a internação iniciado investigação, sendo realizado diversos
exames complementares (segue abaixo resultados de exames e exame físico da
paciente). Devido ao relato de residir próximo a mineradora, solicitado dosagem
de Chumbo e Arsênlo, sendo esta última elevada em relação aos valores de
referência. Caso discutido com equipe de Neurologia juntamente com o Centro de
Referência em Toxicologla, sendo aventada como principal hipótese diagnóstico
Polineuropatia secundária à intoxicação crônica por Arsênio. (...) Orientado à
paciente e à familiares necessidade de interrupção de exposição ao provável
agente tóxico.
Por recomendação médica, conforme
orientação acima, a paciente mudou-se de Paracatu. Este é um caso bem
documentado, porque a paciente foi tratada em Brasília, por médicos competentes
e conscientes do problema da contaminação
crônica pelo arsênio. Quantos casos semelhantes podemos ter em Paracatu e
dos quais jamais teremos ciência?
Em 22/março
deste ano realizou-se uma reunião, a portas fechadas, na Prefeitura de
Paracatu, para discutir um erro grosseiro do CETEM no levantamento sobre a
contaminação da população de Paracatu pelo arsênio. Os participantes foram
notificados (mas até agora escondem da população) que os níveis de arsênio são,
na verdade, quase cinco vezes o anunciado e que cerca de 1,4% da população está
contaminada em níveis agudos. Assim, hoje sabemos que há uma
probabilidade estatística da existirem cerca de 1.300 casos de contaminação aguda pelo arsênio em
Paracatu e um sem-número de contaminados crônicos. Este fato foi denunciado em
audiência pública na Câmara de Vereadores, mas nenhum jornal de Paracatu quis
noticiá-la. Por que?
Existem outras alternativas além
do “Se correr o bicho pega; se ficar o bicho come”. Nossa alternativa tem sido
“enfrentar o bicho”.
Ou vamos fingir que nada está
acontecendo...?
3 comentários:
Continue, professor, com sua luta em defesa do povo!
Tem competência e credibilidade para isso e que Deus lhe dê muita força.
Muito obrigado, Filipe. Entretanto, como mostrei no texto, as pessoas, em sua maioria, preferem fingir que nada está acontecendo, para não se sentirem obrigadas a tomar uma posição. Mal sabem elas que ignorar propositadamente um problema já é uma tomada de posição em relação a ele. E a ignorância custa caro!
Caro professor, também tenho um blog, mas não tão bom quanto o seu.
Recomendo-lhe um post.
Clique em (ou digite):
http://feldades.blogs.sapo.pt/a-olimpiada-de-aline-28852
Abraços.
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