Blog do Professor Márcio

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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Se correr o bicho pega. Se ficar o bicho come.

Quando discutíamos o problema da contaminação ambiental de Paracatu pelo arsênio disseminado a partir da mineração de ouro, uma amiga resumiu para mim o pensamento de uma boa parcela da população de Paracatu: - “Não quero fazer exame de arsênio, porque se eu estiver contaminada terei que me mudar da cidade. Como iria sobreviver com minha família em outra cidade?”.

Será que é assim que você também pensa? Não teríamos outra alternativa, a não ser fechar olhos e ouvidos, fingir que nada está acontecendo?

Tem gente buscando outras alternativas, mesmo porque é difícil ficar quieto quando estão envolvidas as vidas dos nossos filhos e somos nós que decidimos por eles. Tem gente que está buscando reparação através de processos judiciais, mas aqui vamos apresentar um caso de quem teve que se mudar de Paracatu, por conta do envenenamento por arsênio, e resolveu entrar com uma ação judicial contra a mineradora.

Apresento a vocês um resumo do caso referido no Processo 16.4097-3, que corre na comarca de Paracatu, de uma moça de 19 anos que, durante a gestação, acabou parando na UTI e perdeu o feto. Seus problemas, de acordo com o laudo médico, começaram com 8 semanas de gravidez, quando foi atendida no Hospital Municipal de Paracatu, e percebeu fraqueza leve nas pernas, ao caminhar. Com a piora progressiva do quadro (vômitos e enjôos, perda de 30 kg, necessidade de cadeira de rodas, zumbido nos ouvidos) foi encaminhada ao Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB).

A documentação demonstra que ela passou 17 dias na UTI/HMIB de Brasília, diagnosticada com neuropatia hipocalêmica (paralisia flácida), que evoluiu para abortamento com 22 semanas de gestação. Devido a persistência de fraqueza em membros inferiores e superiores, além da incapacidade em deambular, foi encaminhada ao Setor de Neurologia do HBDF para investigação.
Não cansarei o leitor com todos os males que afligiram esta pessoa. O importante é ressaltar o que transcrevemos, a seguir, do laudo médico:

Durante a internação iniciado investigação, sendo realizado diversos exames complementares (segue abaixo resultados de exames e exame físico da paciente). Devido ao relato de residir próximo a mineradora, solicitado dosagem de Chumbo e Arsênlo, sendo esta última elevada em relação aos valores de referência. Caso discutido com equipe de Neurologia juntamente com o Centro de Referência em Toxicologla, sendo aventada como principal hipótese diagnóstico Polineuropatia secundária à intoxicação crônica por Arsênio. (...) Orientado à paciente e à familiares necessidade de interrupção de exposição ao provável agente tóxico.

Por recomendação médica, conforme orientação acima, a paciente mudou-se de Paracatu. Este é um caso bem documentado, porque a paciente foi tratada em Brasília, por médicos competentes e conscientes do problema da contaminação crônica pelo arsênio. Quantos casos semelhantes podemos ter em Paracatu e dos quais jamais teremos ciência?

Em 22/março deste ano realizou-se uma reunião, a portas fechadas, na Prefeitura de Paracatu, para discutir um erro grosseiro do CETEM no levantamento sobre a contaminação da população de Paracatu pelo arsênio. Os participantes foram notificados (mas até agora escondem da população) que os níveis de arsênio são, na verdade, quase cinco vezes o anunciado e que cerca de 1,4% da população está contaminada em níveis agudos. Assim, hoje sabemos que há uma probabilidade estatística da existirem cerca de 1.300 casos de contaminação aguda pelo arsênio em Paracatu e um sem-número de contaminados crônicos. Este fato foi denunciado em audiência pública na Câmara de Vereadores, mas nenhum jornal de Paracatu quis noticiá-la. Por que?

Existem outras alternativas além do “Se correr o bicho pega; se ficar o bicho come”. Nossa alternativa tem sido “enfrentar o bicho”.


Ou vamos fingir que nada está acontecendo...?

3 comentários:

filipe disse...

Continue, professor, com sua luta em defesa do povo!
Tem competência e credibilidade para isso e que Deus lhe dê muita força.

Márcio José dos Santos disse...

Muito obrigado, Filipe. Entretanto, como mostrei no texto, as pessoas, em sua maioria, preferem fingir que nada está acontecendo, para não se sentirem obrigadas a tomar uma posição. Mal sabem elas que ignorar propositadamente um problema já é uma tomada de posição em relação a ele. E a ignorância custa caro!

filipe disse...

Caro professor, também tenho um blog, mas não tão bom quanto o seu.
Recomendo-lhe um post.
Clique em (ou digite):
http://feldades.blogs.sapo.pt/a-olimpiada-de-aline-28852
Abraços.