Caro leitor,
Temos a honra de publicar este artigo do Professor Marcos Spagnuolo, doutor em filosofia, apaixonado pela história de Paracatu, para a qual trouxe valiosas contribuições através de seus livros (Os negros em Paracatu, Paracatu: sua história e Vidas vividas em Paracatu), sempre procurando resgatar a história que ninguém quis contar.
Achamos que o texto abaixo faz parte dessa história que ninguém quer contar. O texto do Professor não foi aceito por um órgão de imprensa, devido ao seu teor contundente contra os donos do poder, mas aqui está porque, nas palavras de George Orwell, "liberdade de imprensa é você poder dizer aquilo que o outro não quer ouvir". O resto é propaganda!
Professor Marcos Spagnuolo
Era
uma vez uma região que existia quase no centro do Brasil que era habitada pelos
índios Tupis. O solo era vermelho com suas árvores de galhos tortuosos oferecendo
o buriti, mangaba, caju, baru, pequi, maracujá, jatobá, babaçu, cagaita, umbu,
murici, araticum, bacuri e macaúba.Inúmeros animais pastavam por essa banda
entre eles a anta, o cervo, onça-pintada, suçuarana, tatu-canastra, lobo-guará,
lontra, tamanduá-bandeira, gambá, ariranha, gato-palheiro, veado-mateiro,
macaco-prego, quati, queixada, porco-espinho, capivara, tapiti e preá.
Nos
anos de 1700, inúmeros aventureiros chegaram bem no interior dessa terra
descoberta pelos Portugueses e encontraram ouro em abundância, iniciando o
percurso da História elaborada pelos brancos, começando a devastação dos índios,
e posteriormente do cerrado. Todos os índios foram mortos, não sobrou nenhum
para contar a história sendo que os rios que passavam por essa região ficaram vermelhos
de tanto sangue pela matança indiscriminada dos aborígenes, ou nativos dessas
terras.
Em
cima do ossos dos índios construíram o arraial do Peixe Bom e a primeira capela
para pedirem a Deus mais ouro com o objetivo de sufocarem suas fomes por
riqueza. Para extraírem o ouro buscaram os negros que vieram de outras terras,
percorrendo grandes distâncias enfileirados, a pé e acorrentados, ou então, em
cima dos carros-de-boi. Muitos morreram no percurso e seus corpos foram
deixados para os animais saciarem sua fome.
Os
negros foram colocados nas senzalas e durante o dia, vigiados, cavavam a terra
buscando ouro que eram entregues aos seus donos que passaram a construir nesse
fim de mundo a Vila do Peixe Bom, agora, não somente em cima dos cadáveres dos
índios, mas, também das centenas de negros que aqui foram castigados,
humilhados, explorados, aniquilados e, torturados.
As
negras foram usadas como instrumento de prazer pelos senhores que aos domingos
iam com toda sua família rezar em uma das muitas igrejas que aqui foram
construídas. Os filhos bastardos viviam a margem carregando por toda a vida o
desprezo de seus irmãos consanguíneos e das esposas dos brancos. Ainda hoje
podemos nos colocar em silêncio para ouvir o choro das negras, dos negros, dos
seus filhos e dos bastardos por não compreenderem a causa de tamanho sofrimento
e dor. Se aprofundarmos no silêncio escutaremos também os gritos dos índios
sendo mortos porque estavam defendendo tudo aquilo que gostavam e amavam.
O
tempo foi passando, os negros que sobreviveram foram libertados, mas, permaneceram
nessa terra de sangue e aqui ergueram choupanas para abrigarem suas esposas e
filhos. Continuaram fazendo o que sempre fizeram que era tirar ouro da terra
sangrenta e vender, por preço barato, aos brancos endinheirados. No terreno em
volta do casebre feito de terra batida plantavam suas roças que garantiam suas
sobrevivências.
Arraial,
Vila e agora cidade do Peixe Bom que, tendo por fundamento a extração de ouro, receberam
as dragas que devastaram os rios e riachos. Garimpeiros acampados eram mortos e
seus acampamentos queimados pelos jagunços dos donos da cidade. Muitos brancos
enriqueceram, formaram fazendas, destruíram as matas, as nascentes e pequenos
cursos de água foram substituídos pelo gado visando o abate. Boiadas e mais
boiadas eram levadas para os matadouros distantes cortando o cerrado.
O
tempo passou, o ouro não acabou, e os garimpeiros e as dragas foram
substituídas pelo dragão avassalador, moendo milhões de toneladas de rocha para
tirar o ouro. A moagem liberou e continua soltando o pó, o arsênio, os micro
organismos desconhecidos que estão no interior das rochas. Tudo isso cai, como
se chuva fosse, sobre a cidade. O pobre e o rico, sorrindo vão respirando esse
ar pútrido, não somente o humano, mas também a vegetação, os animais e o gado
que devoramos para saciar a nossa fome. Não satisfeitos criaram mais e mais
barragens para aglutinar os rejeitos envenenados matando, na construção dos
reservatórios, as nascentes, rios, flora e fauna. O povo alegre comemora o
carnaval, a parada do dia da cidade e grita loucamente nos shows subsidiados
pela casa do povo, e também, como não poderia deixar de ser, pelo dragão que
tudo devora.
Descobriram
que no cerrado podiam plantar utilizando muito adubo e esparamadores de água
que roubam dos rios subterrâneos que é de todos. O cerrado vai diminuindo de
tamanho todos os dias e os donos das plantações jogam milhões de toneladas de
veneno em suas abençoadas hortas e esse veneno é levado pelo vento a todos os
lugares.
A
Cidade do Peixe Bom, alimentada pelos venenos, que são jogados na soja, nos
milharais e nos outros tipos de plantações, associada as impurezas do dragão
avassalador e pela secagem dos rios devido a criação dos pastos, eo povo vai
vivendo feliz, chupando sua cerveja, comendo seu churrasco envenenado e tomando
o leite branco como se fosse somente branco. Monta-se um teatro na cidade, onde
a apresentação gira em torno de uma beleza fictícia. Fotografias são tiradas
dos velhões casarões reformados, das cachoeiras que ainda restam ou dos rios
que a cada ano desaparecem, procurando esconder as tristezas que realmente
existem atrás dessas telas.
A
casa da justiça, bestificada, apegada a sua rotina continua com os olhos
vendados como se nada estivesse acontecendo. A casa do comandante da cidade
dirigida pelo galo encantado e a casa da lei controlada pelos pintinhos que
gostam dos farelos jogados pelo galo e pelo dragão avassalador fazem tudo que é
contra o povo. O galo encantado mandou matar a única árvore que restou do tempo
dos índios, e ainda manda construir uma casa administrativa em um terreno que é
de um amigo para pagar durante toda a existência, com o dinheiro dos
esfarrapados, o aluguel do terreno da construção.
Durante
a noite costumo ver os fantasmas dos que morreram buscando suas casas que não
mais existem, os parentes que não mais moram aqui e todos eles fazendo coro com
a alma dos índios e negros suplicando por mais justiça e que diminua a fome dos
nobres que somente querem ouro e mais ouro sem pensar nunca no povo que
continua escravo. Agora, a Cidade do Peixe Bom não mais existe, o dragão
avassalador cuspindo fogo de suas entranhas,
queima as últimas cinzas do que existiu.