Quando procuro palavras para reverenciar Walderez, não as encontro à altura de Quem É esta alma generosa e meiga. Desde o seu falecimento, ocorrido em 26 de maio passado, venho relendo minha vida ao lado dela, pequenas coisas do cotidiano que agora revelam significados transcendentes, muito além daquilo que fui capaz de perceber. A dor da separação vai, aos poucos, se transformando em gratidão e descortinando o grande amor que nos uniu para sempre.
Um desejo manifestado por Walderez foi realizado com sua partida inesperada: ela tinha horror de ser vista como uma pessoa incapaz, triste e dependente... de ser vista como velha. Senhora de uma saúde invejável, conservou a jovialidade e a altivez que todos admiravam. Assim, afora as qualidades de espírito que a distinguiram, as lembranças que conservaremos dela são o timbre de voz bonito e firme, o sorriso franco, o semblante vivo no tempo e brilhante no estilo... sua elegância!
Durante nossa convivência, escutei muitas histórias que ela me narrou de sua vida e o que me impressionava é que as suas qualidades eram natas. Obviamente, elas evoluíram com sua experiência nesta vida, mas ela não precisou, como eu precisei e preciso, lutar contra más inclinações e se esforçar duramente para conquistar valores espirituais. Longe de mim, neste momento, querer traçar o perfil de uma criatura perfeita, mas quero, sim, destacar a sua importância na minha vida e na vida de tantas pessoas que se beneficiaram de sua presença. Um grande número dessas já nos procurou para registrar gratidão pelos favores e carinhos recebidos; expressões singelas de reconhecimento ao Amor de Deus que Walderez soube distribuir à mão cheia.
Vou repetir aqui o que disse na Missa do 7º Dia celebrada em sua intenção, porque são pensamentos que me tomaram assim que me dei conta da perda que sofri, lembranças que nos mostram bem claro a qualidade de sua alma.
Nos primeiros anos de nossa união, tínhamos grandes dificuldades materiais e muitas coisas a resolver a respeito da escola que criamos. Estávamos caminhando apressados no centro de Belo Horizonte, a calçada apinhada de transeuntes, quando parou à nossa frente um pedinte. Eu imediatamente o contornei, mas a Walderez ficou ali parada diante do mendigo e teve com ele um diálogo mais ou menos assim: “Você me desculpa, moço, eu gostaria muito de dar alguma coisa a você, mas não tenho nenhum centavo na bolsa”. Ao que ele respondeu: “Não tem importância minha senhora. Deus te abençoe mesmo assim.”
Este episódio, aparentemente banal, não foi um caso isolado, mas para mim é uma lembrança muito viva e recorrente pela consternação expressada no semblante de Walderez, quando não pode atender a quem precisava. Diante daquele quadro – Walderez e eu na frente do mendigo – qual dos dois espelhou a imagem de Cristo? Eu ou Walderez? Aquele que passou indiferente, ou aquela que expressou compaixão? Não tínhamos dinheiro, é verdade, mas ela tinha sincera compaixão para dar.
Ah, quantas vezes eu caçoei dela por pedir desculpas a mendigos por ter pouco ou nenhum dinheiro para dar! Walderez e eu caminhamos lado a lado durante 28 anos, e Deus nos colocou juntos para aprendermos um com o outro – criaturas tão diferentes, um ensinando o outro. A Walderez ensinei coisas do mundo material. Quando a conheci, ela tinha uma escola de inglês – o New Way -, onde, exceto três alunos, todos estudavam de graça. Sim, ela alugava uma sala no centro da cidade, tinha contas a pagar, uma família com três filhas e sua mãe Dona Rosa para sustentar com seu salário de professora pública..., mas ensinava de graça. Então, posso dizer que eu a ajudei a dar um rumo profissional ao seu empreendimento, quando Deus nos uniu através de um sonho comum, que se realizou apoiado em nosso amor e cumplicidade.
Por outro lado, Walderez me ensinou coisas espirituais, eu que tanto preciso dessas lições. Não lições de belas doutrinas, que agradam o intelecto, mas não envolvem a alma; foram lições de amor, tolerância e compaixão, ministradas com sua delicadeza, bom humor, alegria, entusiasmo e paixão pelo que fazia. Não ficarei carente de suas lições, continuarei aprendendo com elas!
Meus amigos, o coração me diz que se a Walderez pudesse falar aqui, ela diria assim: “Cada momento de nossa vida é único e por isso temos de desfrutá-lo como um instante sagrado criado por Deus para que possamos expressar o MELHOR daquilo que somos. Gestos de delicadeza, palavras incentivadoras, atenção carinhosa com as pessoas, semeando paz e compaixão a todas as criaturas...” Sim, acredito que ela falaria isto, porque foi assim que viveu entre nós.
Walderez era uma criatura frágil para a vida num mundo grosseiro e conflituoso – ela se calava quando era confrontada; mas, ao mesmo tempo, era de uma fortaleza imensa para enfrentá-lo, porque não travava suas lutas neste plano material, mas no plano espiritual. Testemunhei nos últimos anos o seu esforço para expressar o melhor de si, um esforço nem sempre compreendido, porque suas decisões não eram tomadas sob os ditames do mundo material. É por isso que ela agora é acolhida na vida espiritual como uma grande vitoriosa.
O seu falecimento repentino nos lembra a fragilidade da existência neste mundo e como é forte e eterna a vida espiritual.
Graças a Deus! Salve Jesus!
9 comentários:
Salve Jesus, amigo Márcio. Que Ele conforte e ampare a cada um de vós tal como um Salvador que nos Conduz.
Comungas com teu texto do amor que a vida com tua esposa foi celebrado. Compartilhas com todos teu testemunho. A vida recomeça a partir deste teu dialogo, em nome de Jesus. Abraço fraterno.
Caro conterrâneo, que triste... Mas a certeza do reencontro na outra vida deverá confortar seu espírito. Que Deus a tenha e ampare a todos vocês.
Abraços condolentes.
FILIPE
Meu Caro e Eclético Professor Márcio,
Muito me emociona neste momento, entrar em contato contigo; aliás, o meu pensamento já está em V.sa e de pronto o meu abraço fraterno.
É muito interessante sua narrativa acerca dos momentos em Belo Horizonte, nos fazendo inclusive imaginá-la de pé, olhando o sujeito e conversando com ele, naquela simplicidade que lhe era própria, não é mesmo? rsrsr
Que a plêiade de bons mensageiros celestiais possam ampará-la no eterno infinito de Deus!
Abraços Carinhosos, Botari
Meu querido e velho amigo, que Deus conforte seu coração diante desta irreparável perda. Grande abraço.
Uma lição de amor.
Levei um susto: Cadê o texto? Mas não, você o manteve intacto e apenas fez acréscimos.
Caro professor, uma pena que não conheci pessoalmente Walderez, mas tenho oportunidade de conhecê-la por esses relatos - riquíssimos!
Aos caros amigos que se manifestaram neste blog, trazendo-me mensagens de conforto, minha singela gratidão!
Retribuo-lhes com a seguinte mensagem, recebida do espiritualista Neale Donald Walsh:
"Neste dia de sua vida, Márcio José, creio que Deus quer que você saiba ...
... Que a vida era para ser divertida! É difícil de acreditar, às vezes, mas é verdade. É tudo um ponto de vista.
Mesmo os nossos momentos mais difíceis nos trazem presentes. E assim a vida pode chamar-nos a ser um pouco "filosóficos" de vez em quando; a abraçar "suas baixas" com os "seus altos".
O truque, é claro, é a gratidão. É aí que você vai encontrar tanto a sua paz e a sua alegria."
Gratidão é o que me completa, neste momento, por ter vivido um grande amor com Walderez.
Mais uma vez, meu muito obrigado a vocês.
Olá Márcio ! Um belo relato sobre a querida D. Walderez e certamente, todos que a conhecemos, sentiremos muito a falta da sua presença física. Entretanto o seus exemplos e sua memória ficarão guardados com cada um que teve o privilégio de conviver com esta doce, nobre e iluminada figura humana. Os seus frutos se perpetuarão por muito tempo, pois a semente plantada foi da melhor qualidade ! Um grande abraço à você.
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