Blog do Professor Márcio

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quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Natal



Nesta véspera especial, você pode experimentar a Presença de Cristo em você, como você, através do compartilhamento do amor que lhe foi trazido diretamente de Deus.

O presente maravilhoso do Natal é que não é uma experiência de um dia ou uma vez, mas dura o ano inteiro - graças a você. 

Você é o presente, e como você dá, então você receberá.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Manifesto Indígena



Denúncia contra a supressão de direitos e as tentativas de acabar com os povos indígenas do Brasil

Nós lideranças de povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil, reunidos em Brasília-DF, para manifestar o nosso repúdio ao processo de supressão dos nossos direitos fundamentais, coletivos e originários, operado ostensivamente, por distintas instituições do Estado Brasileiro, notadamente pelo Congresso da República, sob olhar omisso e conivente do Poder Executivo e setores do Poder Judiciário, viemos junto à opinião pública nacional e internacional denunciar:

 
  1. A truculenta atuação das forças policiais - Legislativa, Polícia Militar (PM) e Força Nacional -, que além de impedir o nosso acesso ao Congresso Nacional considerado a casa do povo, agem contra o estado de direito, o regime democrático, com abuso de autoridade, reprimindo, intimidando, ameaçando e detendo arbitrariamente parentes nossos, como aconteceu na última terça-feira, 16 de dezembro, quando a PM capturou no acesso principal do Ministério da Justiça quatro lideranças e outras duas na BR-040 quando de noite voltávamos ao espaço onde nos alojávamos.
  2. A bancada ruralista, na sua maioria herdeiros dos invasores do território hoje chamado Brasil e dos algozes dos nossos povos no período da ditadura, querem de todas as formas suprimir os nossos direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, legalizando a usurpação, o esbulho e espoliação que secularmente vem praticando contra as poucas terras que nos restaram nesses 514 anos de invasão.
  3. Os ruralistas, muitos deles financiados pelas corporações do agronegócio, frigoríficos, indústria armamentista e empreiteiras, entre outros, a partir de 2011, principalmente, tem feito de tudo para modificar, conforme seus interesses, o texto constitucional que garante os nossos direitos, por meio de iniciativas legislativas como a Proposta de Emenda Constitucional - PEC 215 de 2000, o PL sem número proposto pelo senador Romero Jucá que altera o Artigo 231, parágrafo sexto, a PEC 237 que trata do arrendamento das terras indígenas e o Projeto de Lei Complementar 227, que tem o mesmo propósito do PL do dito senador.
  4. O governo da Presidente Dilma, mesmo tendo se declarado contrário à PEC 215, pouco tem feito para conter esta temerosa ofensiva, que no atual momento se configura como um plano genocida, de extermínio dos nossos povos, pois com seu peculiar silêncio mostra concordar que os nossos direitos territoriais sejam suprimidos, apesar de que na “Carta aos Povos Indígenas do Brasil”, publicada pela então candidata nas últimas eleições, tenha afirmado trabalhar visando “novos avanços, particularmente na demarcação das terras indígenas, dentro dos marcos da nossa Constituição”.
  5. Declarações dessa natureza se tornam vazias quando o governo se omite de orientar a sua bancada de sustentação para conter os ataques sistemáticos aos direitos indígenas no Congresso Nacional e quando toma a determinação de suspender o processo de demarcação das terras indígenas, pois assim parece concordar com os objetivos dos ruralistas de invadir, explorar e mercantilizar os nossos territórios e suas riquezas, para o qual querem interferir nos processos de demarcação, reabrir processos concluídos e parar totalmente os processos de demarcação.
Jamais a presidente Dilma diria para os povos indígenas o que falou para a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), na posse de sua presidente senadora Kátia Abreu: "Quero a CNA ao meu lado... Proponho mais que isso. Quero o produtor rural tomando decisões junto comigo, participando do governo e atuando diretamente na definição de novas políticas". Isso para uma entidade que considera os povos indígenas e quilombolas empecilhos ao “desenvolvimento”.
  1. Diante deste quadro de ameaças e ataques, reafirmamos a nossa determinação de continuar em luta para defender os nossos direitos, para o qual esperamos contar com o apoio de outros movimentos e organizações sociais e da opinião pública nacional e internacional, exigindo do Estado brasileiro a efetivação das seguintes reivindicações:
·        Demarcação de terras indígenas, com dotação orçamentária necessária. Há um passivo de mais de 60% de áreas não demarcadas.
·        Proteção, fiscalização e desintrusão das terras indígenas, assegurando condições de sustentabilidade aos nossos povos.
·        Inviabilizar iniciativas legislativas (PECs, PLs) que buscam suprimir os direitos indígenas assegurados pela Constituição Federal, em favor de uma agenda positiva.
·        Aprovação do projeto de lei e efetivação do Conselho Nacional de Política Indigenista, instância deliberativa, normativa e articuladora de políticas e ações atualmente dispersas nos distintos órgãos de governo.
·        Aplicação da Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todos os assuntos de nosso interesse.
·        Implementação efetiva do Subsistema de Saúde Indígena, através do fortalecimento da Secretaria Especial de SaúdeIndígena (SESAI) para superar o atual quadro de caos e abandono.
·        Garantia de acesso à educação de qualidade, específica e diferenciada, nas aldeias, na terra indígena ou próxima a ela.
·        Garantir a participação de indígenas no Conselho Nacional de Incentivo à Cultura e a criação de instância específica para atender as demandas das nossas culturas.
·        Compromisso com o fim da criminalização, o assassinato e a prisão arbitrária de lideranças indígenas que lutam pela defesa dos direitos territoriais de seus povos. Nesse sentido exigimos a imediata soltura das nossas lideranças que foram presas, no dia de ontem, apenas por se manifestarem contra a inconstitucional PEC 215.


Mobilização Indígena Nacional

Brasília – DF, 17 de dezembro de 2014.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Governo Mineiro impõe mais uma derrota aos atingidos pela mineração

A UMA SEMANA DAS ELEIÇÕES, ANGLO MANDA E GOVERNO DE MINAS OBEDECE


“Não precisamos fazer o correto”, disse conselheiro do COPAM durante a reunião da URC- Jequitinhonha que votou ontem, 29 de setembro, a concessão da Licença de Operação (LO) para a mina do projeto Minas-Rio, da mineradora Anglo American, em Conceição de Mato Dentro, Minas Gerais. A reunião, que ocorreu em um ginásio poliesportivo em Diamantina, começou por volta das 13:30 e terminou em torno da meia-noite. Foi marcada pela truculência e a presença de significativo contingente policial.  Fortemente armados, os policiais se posicionaram nas costas dos atingidos, em sua maioria mulheres e homens idosos, lavradores, que desde 2008 lutam por seus direitos, sistematicamente violados em todo o curso desse licenciamento ambiental.

À violência policial, que culminou com a detenção de dois ambientalistas no final da noite, somou-se a violência dos posicionamentos de conselheiros, que em suas falas chamaram os atingidos, juntamente com ambientalistas e acadêmicos, de oportunistas, ignorantes e pessoas de má fé.

O Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado de Minas Gerais, Alceu Torres Marques, marcou presença junto aos conselheiros durante toda a reunião, sem contudo conduzir os trabalhos, como seria a praxe, sendo ele presidente do COPAM. Questionado sobre a pressa com que o Governo de Minas pautou a Licença de Operação, em duas reuniões seguidas com intervalo de 10 dias, Alceu reconheceu a ineficiência da SEMAD, mas ainda assim disse, em voz de comando, que era hora de votar a Licença de Operação da Anglo American.

Apesar do pedido feito pelo MPMG, em seu relatório de vistas, para o processo ser baixado em diligência, a licença foi votada e concedida, mesmo com o número significativo de condicionantes não cumpridas nas fases anteriores do licenciamento. O universo dos atingidos continua não caracterizado desde a Licença Prévia, assim como os impactos ambientais, sobretudo a questão da água para os moradores que moram a jusante da barragem de rejeitos, e que dela necessitam para sua sobrevivência. A mortandade de peixes, incidente ocorrido no final de agosto, permanece sem explicação definitiva.

Os técnicos da SUPRAM, sabatinados pelos atingidos e por dois dos conselheiros - os representantes do MPMG e da ONG Caminhos da Serra - não responderam de forma satisfatória às indagações, revelando incompetência técnica e irresponsabilidade. Assim, entre outras falhas, não foi apresentado um plano emergencial, e nem disponibilizados os dados para avaliar os riscos de incidentes oriundos da barragem de rejeitos, o que se faz necessário após a contaminação química do córrego Passa Sete, que resultou na eliminação completa da ictiofauna (peixes), sem sinais de recuperação.

A LO foi concedida sob protestos, em um ato autoritário e irresponsável, uma vez que os próprios técnicos da Supram admitiram não ter responsabilidade para com o cumprimento das condicionantes pela Anglo American. Só quatro conselheiros tiveram a lucidez e dignidade de votarem contra a concessão. A eles nosso reconhecimento: Alex Mendes Santos (ong Caminhos da Serra), José Antônio de Andrade (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado de Minas Gerais - FETAEMG), Dr. Felipe Faria de Oliveira (MPMG) e o representante da Polícia Ambiental.

Os outros se tornaram responsáveis por todos os crimes e violações cometidos contra Conceição de Mato Dentro e região, sua gente e seu presente e futuro. Sobre eles falaremos na próxima nota, com mais detalhes sobre esta reunião.

Este triste episódio escancara a decadência do Sistema Ambiental mineiro, refém de articulações político-eleitoreiras, de currais coronelistas regionais e de interesses econômicos privados.


ARTICULAÇÃO DA BACIA DO RIO SANTO ANTÔNIO

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Pelas Serras e Águas de Minas



A montagem abaixo explicita a forma como nossos governantes tratam a relação entre a Mineração e o Meio Ambiente, e nos leva a refletir, neste momento de eleição, sobre o futuro que nos espera.


(Enviada pelo Movimento pelas Serras e Águas de Minas - MovSam)




sábado, 13 de setembro de 2014

Leonardo Boff sobre Marina Silva

Viomundo — Na última sexta-feira, Marina lançou o seu programa de governo, que previa o reconhecimento da união homoafetiva e a criminalização da homofobia. Bastou o pastor Malafaia tuitar quatro frases para ela voltar atrás. O que achou dessa postura? É cristão não criminalizar a homofobia, que frequentemente provoca assassinatos?

Leonardo Boff — Está ficando cada vez mais claro que Marina tem um projeto pessoal de ser presidente, custe o que custar. Numa ocasião, ela chegou a declarar que um dos objetivos desta eleição é tirar o PT do poder, o que faz supor mágoas não digeridas contra o PT que ajudou a fundar.

O Malafaia, líder da Igreja Assembleia de Deus à qual Marina pertence, é o seu Papa. O Papa falou, ela, fundamentalisticamente obedece, pois vê nisso a vontade de Deus. E, aí, muda de opinião. Creio que não o faz por oportunismo político, mas por obediência à autoridade religiosa, o que acho, no regime democrático, injustificável.

Um presidente deve obediência à Constituição e ao povo que a elegeu e não a uma autoridade exterior à sociedade.

Viomundo — Qual o risco para a democracia brasileira de alguém na presidência estar submissa a visões tão retrógradas em pleno século XXI, ignorando os avanços, as modernidades?

Leonardo Boff — Um fundamentalista é um dos atores políticos menos indicado  para exercer o cargo da responsabilidade de um presidente. Este deve tomar decisões dentro dos parâmetros constitucionais, da democracia e de um estado laico e pluralista. Este tolera todas as expressões religiosas, não opta por nenhuma, embora reconheça o valor delas para a qualidade ética e espiritual da vida em sociedade. Se um presidente obedece mais aos preceitos de sua religião do que aos da Constituição, fere a democracia e entra em conflito permanente com outros até de sua base de sustentação, pois os preceitos de uma religião particular não podem prevalecer sobre a totalidade da sociedade. A seguir estritamente nesta linha, pode acontecer um impeachment à Marina, por inabilidade de coordenar as tensões políticas e gerenciar conflitos sempre presentes em sociedades abertas.

 Viomundo — Lá atrás Marina Silva esteve ligada à Teologia da Libertação. Atualmente, é da Assembleia de Deus. O que o senhor diria dessa trajetória religiosa? O que representa essa guinada para o conservadorismo exacerbado?

Leonardo Boff – Respeito a opção religiosa de Marina bem como de qualquer pessoa. Eu a conheço do Acre e ela participava dos cursos que meu irmão teólogo Frei Clodovis (trabalhava 6 meses na PUC do Rio e 6 meses na igreja do Acre) e eu dávamos sobre Fé e Política e sobre Teologia da Libertação.

Aqui se falava da opção pelos pobres contra a pobreza, a urgência de se pensar e criar um outro tipo de sociedade e de país, cujos principais protagonistas seriam as grandes maiorias pobres junto com seus aliados, vindos de outras classes sociais. Marina era uma liderança reconhecida e amada por toda a Igreja.

Depois, ao deixar o Acre, por razões pessoais, converteu-se à Igreja Assembleia de Deus. Esta se caracteriza por um cristianismo fundamentalista, pietista e afastado das causas da pobreza e da opressão do povo. Sua pregação é a Bíblia, preferentemente o Antigo Testamento, com uma leitura totalmente descontextualizada daquele tempo e do nosso tempo. Como fundamentalista é uma leitura literalista, no estilo dos muçulmanos.

Politicamente tem consequências graves: Marina pôs o foco no pietismo e no fundamentalismo, na vida espiritual descolada da história presente e quase não fala mais da opção pelos pobres e da libertação. Pelo menos não é este o foco de seu discurso. A libertação para ela é espiritual, do pecado e das perversões do mundo. Com esse pensamento é fácil ser capturada pelo sistema vigente de mercado, da macroeconomia neoliberal e especulativa. Isso é inegável, pois seus assessores são desse campo: a herdeira do Banco Itaú Maria Alice (Neca), Guilherme Leal da Natura e o economista neoliberal Eduardo Gianetti da Fonseca. Os pobres perderam uma aliada e os opulentos ganharam uma legitimadora.

E eu que em 2010 sonhava com uma representante dos povos da floresta, dos caboclos, dos ribeirinhos, dos indígenas, dos peões vivendo em situação análoga à escravidão, dos operários explorados das grandes fábricas, dos invisíveis, alguém que viria dos fundos da maior floresta úmida do mundo, a Amazônia, chegar a ser presidente de um dos maiores países do mundo, o Brasil?! Esse sonho foi uma ilusão que faz doer até os dias de hoje. Pelo menos vale como um sonho que nunca morre!

Viomundo — O programa de Marina prevê autonomia ao Banco Central. O que acha dessa medida?

Leonardo Boff — Eu me pergunto, autonomia de quem e para quem? Acho uma falta total de brasilidade. Significa renunciar à soberania monetária do país e entregá-la ao jogo do mercado, dos bancos e do sistema financeiro capitalista nacional e transnacional. Um presidente/a é eleito para governar seu povo e um dos instrumentos principais é o controle monetário que assim lhe é subtraído. Isso é absolutamente antidemocrático e comporta submissão à tirania das finanças que são cada vez mais vorazes, pondo países inteiros à falência como é o caso da Grécia, da Espanha, da Itália, de Portugal e outros.

Viomundo — Essa medida expressa a influência de Neca Setúbal, herdeira do Itaú, no seu futuro governo?

Leonardo Boff — Quem controla a economia controla o país, ainda mais que vivemos numa sociedade de “Grande Transformação” denunciada pelo economista húngaro-americano Karl Polaniy ainda em 1944 quando, como diz, passamos de uma sociedade com mercado para uma sociedade só de mercado. Então tudo vira mercadoria, inclusive as coisas mais sagradas como água, alimentos, órgãos humanos.

A forma como o capital se impõe é manter sob seu controle os Bancos Centrais dos países. A partir desse controle, estabelecem os níveis dos juros, a meta da inflação, a flutuação do dólar e a porcentagem do superávit primário (aquela quantia tirada dos impostos e reservada para pagar os rentistas, aqueles que emprestaram dinheiro ao governo).

Os bancos jogam um papel decisivo, pois é através deles que se fazem os repasses dos empréstimos ao governo e se cobram juros pelos serviços. Quanto maior for o superávit primário a alíquota Selic mais lucram. Pode ser que a citada Neca Setúbal tenha tido influência para que a candidata Marina acreditasse neste receituário, velho, antipopular, danoso para as grandes maiorias, mas altamente benéfico para o sistema macroeconômico vigente.

Viomundo — As avaliações feitas até agora mostram que o programa econômico de Marina é o mesmo de Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência. São neoliberais. O que representaria para o Brasil o retorno a esse modelo? O senhor acha que, se eleita, o governo Marina teria conotações neoliberais?

Leonardo Boff — Marina acolheu plenamente o receituário neoliberal. Ela o diz com certo orgulho inconsciente, sem dar-se conta do que isso realmente significa: mercado livre, redução dos gastos públicos (menos médicos, menos professores, menos agentes sociais etc), flutuação do dólar e contenção da inflação com a eventual alta de juros.

Como consequência, arrocho salarial, desemprego, fome nas famílias pobres, mortes evitáveis. É o pior que nos poderia acontecer. Tudo isso vem sob o nome genérico de “austeridade fiscal” ,que está afundando as economias da zona do Euro e não deram certo em lugar nenhum do mundo, se olharmos a política econômica a partir da maioria da população. Dão certo para os ricos que ficam cada vez mas ricos, como é o caso dos EUA onde 1% da população ganha o equivalente ao que ganham 99% das pessoas. Hoje os EUA são um dos países mais desiguais do mundo.

Viomundo – Foi amplamente divulgado que Marina consulta a Bíblia antes de tomar decisões complexas. Esta visão criacionista do mundo é compatível com um mundo laico?

Leonardo Boff — O que Marina pratica é o fundamentalismo. Este é uma patologia de muitas religiões, inclusive de grupos católicos. O fundamentalismo não é uma doutrina. É uma maneira de entender a doutrina: a minha é a única verdadeira e as demais estão erradas e como tais não têm direito nenhum.

Graças a Deus que isso fica apenas no plano das ideias. Mas facilmente pode passar para o plano da prática. E, aí, se vê evangélicos fundamentalistas invadirem centros de umbanda ou do candomblé e destruírem tudo ou fazerem exorcismos e espalharem sal para todo canto. E no Oriente Médio fazem-se guerras entre fundamentalistas de tendências diferentes com grande eliminação de vidas humanas como o faz atualmente o recém-criado Estado Islâmico. Este pratica limpeza étnica e mata todo mundo de outras etnias ou crenças diferentes das dele.

Marina não chega a tanto. Mas possui essa mentalidade teologicamente errônea e maléfica. No fundo, possui um conceito fúnebre de Deus. Não é um Deus vivo que fala pela história e pelos seres humanos, mas falou outrora, no passado, deixou um livro, como se ele nos dispensasse de pensar, de buscar caminhos bons para todos.

O primeiro livro que Deus escreveu são a criação e a natureza. Elas estão cheias de lições. Criou a inteligência humana para captarmos as mensagens da natureza e inventarmos soluções para nossos problemas.

A Bíblia não é um receituário de soluções ou um feixe de verdades fixadas, mas uma fonte de inspiração para decidirmos pelos melhores caminhos. Ela não foi feita para encobrir a realidade, mas para iluminá-la. Se um fundamentalista seguisse ao pé da letra o que está escrito no livro Levítico 20,13 cometeria um crime e iria para a cadeia, pois aí se diz textualmente:  “Se um homem dormir com outro, como se fosse com mulher, ambos cometem grave perversidade e serão punidos com a morte: são réus de morte”.

Viomundo — Marina fala em governar com os melhores. É possível promover inclusão social, manter políticas que favorecem os mais pobres com uma política econômica neoliberal?

Leonardo Boff — Marina parece que não conhece a realidade social na qual há conflitos de interesses, diversidade de opções políticas e ideológicas, algumas que se opõem completamente às outras. Lendo o programa de governo do PSB de Marina parece que fazemos um passeio ao jardim do Éden. Tudo é harmonioso, sem conflitos, tudo se ordena para o bem do povo. Se entre os melhores estiver um político, para aceitar seu convite, deverá abandonar seu partido e com isso, segundo a atual legislação, perderia o mandato. Ela necessariamente, se quiser governar, deverá fazer alianças, pois temos um presidencialismo de coalizão. Se fizer aliança com o PMDB deverá engolir o Sarney, o Renan Calheiros e outros exorcizados por Marina. Collor tentou governar com base parlamentar exígua e sofreu um impeachment.

Viomundo — Marina é preparada para presidir um país tão complexo como o Brasil?

Leonardo Boff — Eu pessoalmente estimo sua inteireza pessoal, sua visão espiritualista (abstraindo o fundamentalismo), sua busca de ética em tudo o que faz. Estimo a pessoa,  mas questiono o ator político. Acho que não tem a inteligência política para fazer as alianças certas. O presidente deve ser uma pessoa de síntese, capaz de equilibrar os interesses e resolver conflitos para que não sejam danosos e chegar a soluções de ganha-ganha. Para isso precisa-se de habilidade, coisa que em Lula sobrava. Marina, por causa de seu fundamentalismo, não é uma pessoa de síntese,  mas antes de divisão.

Viomundo — A preservação efetiva do meio ambiente é compatível com o capitalismo selvagem dos neoliberais?

Leonardo Boff — Entre capitalismo e ecologia há uma contradição direta e fundamental. O capitalismo quer acumular o mais que pode sem qualquer consideração dos bens e serviços limitados da Terra e da exploração das pessoas. Onde ele chega, cria duas injustiças: a social, gerando muita pobreza de um lado e grande riqueza do outro; e uma injustiça ecológica ao devastar ecossistemas e inteiras florestas úmidas.

Marina fala de sustentabilidade, o que é correto. Mas deve ficar claro que a sustentabilidade só é possível a partir de outro paradigma que inclui a sustentabilidade ambiental, político-social, mental e integral (envolvendo nossa relação com as energias de todo o universo).

Portanto, estamos diante de uma nova relação para com a natureza e a Terra, onde as medidas econômicas preconizadas por Marina contradizem esta visão. Temos que produzir, sim, para atender demandas humanas, mas produzir respeitando os limites de cada ecossistema, as leis da natureza e repondo aquilo que temos demasiadamente retirado dela.

Marina quer a produção sustentável, mas mantém a dominação do ser humano sobre a natureza. Este está dentro da natureza, é parte dela e responsável por sua conservação e reprodução, seja como valor em si mesmo, seja como matriz que atende nossas necessidades e das futuras gerações.

Ocorre que atualmente o sistema está destruindo as bases físico-químicas que sustentam a vida. Por isso, ele é perigoso e pode nos levar a uma grande catástrofe. E com certeza os que mais sofrerão, serão aqueles que sempre foram mais explorados e excluídos do sistema. Esta injustiça histórica nós não podemos aceitar e repetir.


quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Seca épica no ocidente está literalmente movendo montanhas


A mudança climática está fazendo a camada de gelo da Groenlândia derreter, o que está contribuindo para o aumento do nível do mar. Mas imagine que essa mesma quantidade de água derretendo todos os anos está sendo perdida na Califórnia e no resto do Ocidente devido à seca épica que domina a região.
E o que acontece? A terra do Ocidente começa a se elevar. 
De fato, um novo estudo mostra que algumas partes das montanhas da Califórnia já se elevaram até 15 milímetros nos últimos 18 meses devido à quantidade massiva de água perdida na seca que não exerce mais peso sobre a terra, fazendo com que ela se eleve como uma mola.
Pela primeira vez, cientistas são capazes de medir quanta água do subsolo e da superfície é perdida durante secas ao medir o quanto a terra se eleva quando o local seca. Essas são as conclusões do novo estudo publicado em 21 de agosto no periódico Science por pesquisadores da Instituição Scripps de Oceanografia da University of California-San Diego.
A seca que está devastando a Califórnia e grande parte do Ocidente já atingiu a região com tanta força que 240 gigatoneladas de superfície e água do solo foram perdidos, o equivalente aproximado de 10 centímetros de água em todo o Ocidente, ou a perda anual de massa da camada de gelo da Groenlândia, de acordo com o estudo.
Enquanto algumas montanhas da Califórnia se elevaram até 1,5cm desde o início de 2013, o Ocidente em geral se elevou uma média de aproximadamente 4 milímetros.
“A água do solo é uma carga sobre a crosta terrestre”, explica Klaus Jacob, sismólogo do Observatório Terrestre Lamont-Doherty, da Columbia University em Nova York, que não está afiliado ao estudo. “Uma carga comprime a crosta como um elástico, e assim ela recua. Quando a carga desaparece (devido à seca) a crosta perde sua compressão e a superfície se eleva. Com base na elevação, é possível estimar a quantidade do déficit de água”.
A elevação relativa à seca foi descoberta quando pesquisadores analisavam dados de estações de GPS dentro do Observatório Plate Boundary, da Fundação Nacional de Ciências. Um pesquisador percebeu que todas as estações de GPS haviam se elevado desde 2003, coincidindo com o momento da seca atual.
Mas a maior parte do movimento ocorreu desde o ano passado, quando a seca do Ocidente se tornou cada vez mais extrema, explica Duncan Agnew, professor do Instituto de Geofísica e Física Planetária da Instituição Scripps de Oceanografia da University of Caifornia-San Diego, e coautor do estudo.
“As implicações desse fenômeno ainda são desconhecidas”, observou Agnew. “O que mostramos é a existência de uma técnica que nos permite medir a perda total de água – a perda de água em locais onde não temos medidas diretas”.
De acordo com ele, essa elevação provavelmente ocorre em todas as secas, mas nunca havia sido observada antes porque cientistas não tinham as ferramentas adequadas para detectá-la – até agora.
“É isso que torna o estudo interessante”, declarou Agnew. “Nós podemos usar esse conjunto de ferramentas, instalado com um propósito diferente, para monitorar mudanças na água”.
Ele apontou que a elevação provavelmente não tem efeitos significativos sobre o potencial de terremotos na Califórnia e em outros locais, mesmo que a perda de água de subsolo e de superfície tenha adicionado estresse sobre grandes falhas geológicas da região.
“A quantidade total de estresse que foi adicionada nos últimos 18 meses devido à seca é a mesma quantidade de estresse adicionada todas as semanas devido à tectônica de placas”, explicou ele.
De acordo com Jacob, o estudo mostra que as mudanças na elevação do terreno e o estresse sobre as falhas são tão pequenas que o efeito será extremamente reduzido.
Mas Jacob também aponta que a importância do estudo é mostrar uma nova maneira para cientistas estimarem a perda total de água durante tempos de seca, o que seria mais difícil de fazer sem conseguir detectar quanta terra está sendo elevada em áreas secas.
Por Bobby Magill e Climate Central

Fonte: Scientific American Brasil | 21/08/14

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Manifesto Moratória São Francisco Vivo

Meu Rio São Francisco: quanta turvação!

A Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco passa por um momento extremamente crítico. A crise hídrica, devida aos múltiplos, crescentes e conflitantes usos de suas águas e demais bens naturais, decorrentes do modelo econômico, agravou-se de tal forma que os danos e riscos aumentam e assustam. Esta situação, apesar de causar espanto e comoção, há algum tempo vem sendo denunciada pelas organizações populares e pesquisadores comprometidos com a luta socioambiental e a defesa da vida.

As intervenções degradantes na Bacia ao longo dos anos, acumularam problemas que hoje “deságuam” no leito do Rio São Francisco. E mesmo assim não vemos os governantes movimentarem-se para enfrentar este desafio. Pelo contrário, anunciam como “crescimento”– nem mais é desenvolvimento –, “benéfico” para todos, mais e abusivos projetos econômicos, tais como os de novas irrigações, transposições hídricas, minerações, monoculturas, agrocombustíveis, ferrovias, hidrovias etc.

A baixa vazão do Rio São Francisco pode ser notada ao longo de todo o curso do rio e em afluentes grandes e pequenos, em muitos lugares já como calamidade. As reportagens mostradas pelos meios de comunicação e as imagens postadas nas redes sociais não deixam dúvidas: o Velho Rio apressa-se à morte.

Ribeirinhos, pescadores, vazanteiros e moradores das cidades dizem que nunca presenciaram o Rio com tão baixo volume. Isto também pode ser verificado nos dados do ONS - Operador Nacional do Sistema Elétrico. A barragem de Três Marias estava com 7,88% da sua capacidade de armazenamento no dia 24 de agosto. Municípios como Pirapora e Jaíba estão com problemas de abastecimento humano. Pescadores não encontram mais os cardumes. Balsas param sem poder transportar carro e gente, ou têm que dar longas voltas nas “croas”, como são chamados os acúmulos de areia no leito do rio. Em vários locais as pessoas cortam o São Francisco a pé. A baixa vazão favorece a formação de cianobactérias (algas azuis), como já acontece no Rio das Velhas e nos próximos meses de seca aumentará a proliferação.

O que fazer? Ações emergenciais quando as algas azuis se espalharem por todo o Rio? Cestas básicas para palear a fome do povo quando as lagoas não mais reproduzirem os peixes? Mais obras inacabadas e superfaturadas de saneamento? A transposição do Rio Tocantins, para tapear as percepções do problema e potencializar mais usos degradantes das águas e exploração da população?

A realidade é bastante grave e infelizmente os órgãos do Governo, em todos os níveis, irão mobilizar míseros recursos para ações paliativas. Ao mesmo tempo o setor privado-empresas mineradoras, siderúrgicas, metalúrgicas, indústrias alimentícias e do agronegócio (este usa quase 70% dos usos consuntivos das águas) recebem e usam suas outorgas sem controle do Estado. Órgãos e empresas do Governo responsáveis por promover o “desenvolvimento” – CODEVASF, CHESF, DNOCS etc. –continuam implantando a “politica dos grandes projetos” – Jequitaí, Jaíba, Congonhas, Salitre, transposição para o Nordeste Setentrional e outros, a beneficiar grandes empresas e expulsar camponeses e povos e comunidades tradicionais que vivem há muito com os limites e potenciais do Velho Rio da Unidade Nacional. 

O baixo volume de água do São Francisco não se deve exclusivamente à falta de chuvas, mas está diretamente relacionado ao uso das águas e do espaço geográfico da Bacia. As águas que deveriam encher lagoas marginais e molhar vazantes estão alimentando monocultivos de eucalipto, soja, cana de açúcar, sugadas por moto-bombas, poços tubulares e pivôs centrais, entre outros. São consumidas e contaminadas pelas mineradoras e siderúrgicas. Servem aos interesses lucrativos de empresas de energia hidrelétrica.

Os camponeses, povos e comunidades tradicionais e organizações populares lutam pra fazer a sua parte. Tal é o caso das revitalizações dos Rios dos Cochos, Peruaçú, Serra Branca, Verde, Mocambo, entre outros, do Projeto de Assentamento Extrativista em Serra do Ramalho, dos quilombos e terras indígenas ao longo do rio e tantas outras experiências importantes.


Neste momento de gravidade e caos eminentes, exigimos que as instituições do Governo e de Governo, Comitê da Bacia inclusive, declarem MORATÓRIA – suspensão das outorgas e do licenciamento ambiental dos grandes e médios projetos localizados na Bacia do Rio São Francisco. Propomos que realizem com caráter de urgência uma avaliação hidro-ambiental integrada da Bacia, por pesquisadores das Universidades Publicas e técnicos do Estado, para definir novos e mais restritivos parâmetros de uso das águas atualmente acumuladas nas barragens para minimizar e garantir alguma condição de vida para o Rio e o Povo do Rio.

São Francisco Vivo, Terra Água Rio e Povo!
Articulação Popular São Francisco Vivo.



Em MG, São Francisco está por um fio

Terça, 26 de agosto de 2014
A ameaça é grave: o volume útil do reservatório da usina de Três Marias, em Minas Gerais, pode chegar a zero até novembro. Hoje, tem menos de 8% de sua capacidade. Se isso acontecer, um trecho de cerca de 40 quilômetros do São Francisco, logo depois da usina, ficará sem água, transformando parte do rio, célebre por sua perenidade, num leito de areia e pedras.
A reportagem é de Daniel Rittner, publicada pelo jornal Valor, 25-08-2014.
Além de uma tragédia ambiental, com a morte dos peixes ao longo de todo esse trajeto e dos animais que dependem do rio, há também o fantasma do desabastecimento. Indústrias que dependem da captação de água e movimentam a economia local correm o risco de fechar temporariamente. Produtores no polo de agricultura irrigada ainda não sabem o que fazer. Representantes da sociedade civil reclamam que, apesar da crise, nenhum plano de contingência foi elaborado para lidar com o cenário de fim do volume útil da represa.
A tensa espera pelo fim da seca no Velho Chico
Vai ser um fim de seca angustiante no entorno da usina hidrelétrica de Três Marias, em Minas Gerais, onde a baixa vazão do rio São Francisco tem deixado cada vez mais tensas as semanas que precedem o reinício da temporada de chuvas. O volume útil do reservatório, que hoje está com menos de 8% de sua capacidade máxima, pode chegar a zero até novembro. Se isso acontecer, a região que inspirava o escritor Guimarães Rosa verá um cena impensável: um trecho de aproximadamente 40 quilômetros do Velho Chico, logo depois da usina, ficará sem nenhum fio d'água sequer, transformando parte do rio - célebre por sua perenidade - em um mero leito de areia e pedras.
Seria não apenas uma tragédia ambiental, com a morte de peixes ao longo de todo esse trajeto, além de animais morrendo de sede às margens: há o fantasma do desabastecimento de água. Indústrias que dependem de captação no rio e movimentam a economia local correm o risco de fechamento temporário. Produtores no polo de agricultura irrigada ainda não sabem o que fazer.
Simulações da estatal mineira Cemig, responsável pela operação da hidrelétrica, indicam que essa é uma possibilidade real. O Valor teve acesso a apresentações feitas pela empresa para prefeituras locais. Na projeção mais otimista, chega-se a 3,25% do armazenamento máximo de Três Marias no dia 28 de outubro, quando se imagina que as chuvas comecem timidamente a voltar.
Um exercício pessimista coloca esse índice em 0,59%. Em outras palavras: basta a temporada chuvosa atrasar um pouco, em vez de reaparecer nas últimas semanas de outubro, para o temido cenário se materializar. Há exatamente um ano, o nível do reservatório estava em 38,2%. Em 2012, na mesma época, chegava a 71,4%.
"Existe um risco concreto de colapso. E em breve", afirma Silvia Freedman, coordenadora do Consórcio dos Municípios do Lago de Três Marias (Comlago), uma associação civil que busca articular os interesses locais. Ela reclama que, apesar da gravidade da situação, nenhum plano de contingência foi elaborado para lidar com um cenário de fim do volume útil da represa. Por isso, Silvia defende medidas duras para preservar a água que ainda resta. "Talvez assim consigamos postegar a catástrofe. Pelo menos ganhamos mais tempo para rezar."
Medidas mais duras, no caso, significam uma redução maior da quantidade de água liberada pelas comportas da usina. Barragens de hidrelétricas são como caixas de armazenamento. Numa ponta entra a água de um rio; na outra, a água desce pelas turbinas, gerando energia e retornando ao rio. O nível do reservatório varia conforme o quanto entra e o quanto sai. A vazão de entrada em Três Marias tem sido inferior a 50 metros cúbicos por segundo nos últimos dias. A vazão de saída para o São Francisco, depois de muita discussão, foi reduzida para 170 metros cúbicos por segundo - e o reservatório continua esvaziando.
Esses números vêm provocando mal estar entre municípios vizinhos - aqueles localizados antes e depois das comportas. E entender as razões disso expõe os conflitos em torno do uso da água em um momento de estiagem tão intensa.
Em julho de 2015, a Cemig terá que devolver a hidrelétrica à União, por não ter aceitado a oferta do governo de antecipar a renovação de suas concessões por 30 anos em troca de tarifas menores. Ela opera a usina, mas quem determina o quanto deve ser produzido de energia é o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que dá ordens a todo o parque gerador.
A hidrelétrica de Três Marias é gigantesca. Seu lago ocupa uma área equivalente a sete vezes à da Baía de Guanabara, mas gera relativamente pouca energia: são seis turbinas e 396 megawatts (MW) de potência instalada. Pelo menos uma máquina precisa estar funcionando para liberar água do outro lado da usina. Se o volume útil do lago chega a zero, nenhuma gota retorna para o São Francisco até que o afluente seguinte, o rio Abaeté, cerca de 40 quilômetros mais à frente, volte a alimentá-lo.
Em 2001, o ano do racionamento, um acordo entre a Cemig e a Prefeitura de Pirapora - o primeiro município ribeirinho depois das comportas - definiu a manutenção de uma vazão mínima de 300 metros cúbicos por segundo na represa. Esse volume de água, metade do habitual em anos de hidrologia dentro do padrão, estava perto do mínimo necessário para garantir o abastecimento da cidade fazendo a captação por gravidade no rio. Por isso, Pirapora entrou em pânico quando recebeu um aviso da Cemig e do ONS de que a vazão baixaria para 150 metros cúbicos por segundo, como forma de preservar o reservatório. Recorreu à Justiça Federal e obteve uma liminar contra a redução imediata. A decisão judicial manteve a vazão em 250 metros cúbicos por segundo e lhe deu 60 dias para fazer obras emergenciais. Em menos de dois meses, um sistema de bombeamento foi implantado para evitar que as torneiras secassem.
"Conseguimos afastar o problema maior, mas a situação ainda é extremamente delicada", diz o presidente do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Pirapora, Esmeraldo Pereira. Ele não esconde um certo descontentamento com a falta de ajuda financeira da Cemig para bancar o novo sistema. "Na hora de ganhar dinheiro, com os preços altos da energia, abusaram do reservatório. Quando tiveram que arcar com o ônus, cruzaram os braços e não nos ajudaram", diz Pereira. As obras emergenciais custaram R$ 600 mil aos cofres municipais. O lucro líquido da Cemig foi de R$ 740 milhões no segundo trimestre deste ano.

Na semana passada, depois de uma reunião de cinco horas com todos os interessados, a Agência Nacional de Águas (ANA) diminuiu a vazão da hidrelétrica para 170 m3/s. Isso pode ser insuficiente para evitar o esvaziamento de Três Marias antes do fim da estiagem. O ONS quer 150 m3/s e cogita até 130 m3/s. Tecnicamente, é possível chegar a 105 m3 /s, o mínimo que uma turbina da usina requer para continuar acionada.
Nesses níveis, parte do fornecimento em Pirapora ainda fica comprometido, até que seja feita uma dragagem para eliminar os bancos de areia nas proximidades de um segundo ponto de captação no rio São Francisco, responsável por 30% do atendimento da cidade. Os serviços ainda não começaram e podem durar até 40 dias. A indústria têxtil do município, que emprega duas mil pessoas, está ameaçada.
O drama também atinge em cheio a produção agrícola. Um projeto de fruticultura irrigada já foi obrigado a reduzir o volume de água usado, o que tem impacto sobre a produtividade, e vislumbra um cenário de paralisação caso o fluxo do São Francisco caia ainda mais. "O pessoal está bem assustado", diz Nadson Martins, gerente da Associação dos Usuários do Projeto Pirapora, que reúne 21 produtores. Todas as semanas saem de lá 20 mil toneladas de bananas, uvas e cítricos - o que dá uma medida do potencial prejuízo. Segundo ele, torna-se impossível fazer qualquer captação e as lavouras vão secar se a vazão cair para menos de 150 m³/s.
O Projeto Jaíba, maior perímetro irrigado da América Latina, também está em compasso de espera. Novos plantios foram suspensos. A altura do rio no norte de Minas diminuiu três metros desde abril e deixa apreensivos dois mil pequenos produtores rurais.
Enquanto isso, a 170 quilômetros de Pirapora, o município de Três Marias defende reduções mais agressivas da vazão para preservar o lago. "Não fazer isso é como dar um tiro no próprio peito", diz o prefeito Vicente Resende. A captação de água para abastecer quase todo o município é feita no reservatório da hidrelétrica. Houve perda de peixes em criações intensivas na represa, que foram morrendo com a queda de oxigênio. Para complicar, uma unidade de processamento de zinco da Votorantim Metais está em apuros.
No caso de esvaziamento completo do estoque útil, a cidade de Três Marias ainda tem 4,5 bilhões de litros do "volume morto" - abaixo da cota mínima para a geração de energia e o vertimento do outro lado da usina - para matar a sede. Pirapora, que fica depois do rio Abaeté, conta com o afluente para manter pelo menos um fiapo de água correndo. A fábrica da Votorantim, que está situada ao pé da barragem e capta o insumo no rio, aparentemente não tem opções.
Resende diz que ela gera 1,5 mil empregos, entre diretos e indiretos, representa 70% do PIB municipal e seria uma das primeiras afetadas no trecho de 40 quilômetros sob ameaça no São Francisco. "É um desastre inimaginável", lamenta. Em nota, a Votorantim informou apenas que "dispõe de eficiência hídrica em seus processos produtivos, o que ameniza os riscos de eventuais impactos em suas operações".
O Ministério Público Federal entrou em cena para acompanhar a situação. Para o procurador Antônio Mendes, não é hora de buscar culpados pela situação cada vez mais dramática, mas de buscar transparência nas informações e de se preparar para o que ainda vem pela frente. "Há uma nítida percepção de que um conjunto de providências não foi estruturado de forma consistente."
Pode até parecer um alerta em vão, caso a estiagem acabe subitamente, como todos desejam. Mas o trabalho não terá sido jogado no lixo, segundo Mendes, até porque nada garante que essa é a última angústia. "Em um cenário de chuvas dentro da série histórica, conforme o próprio ONS tem nos avisado, o reservatório só tende a se recompor em três ou quatro anos."
Mesmo sendo a pior estiagem na região em 84 anos, o prefeito de Três Marias tem uma convicção: esse ponto crítico só foi atingido por causa do descuido do rio como um todo, com a perda de matas ciliares e os danos aos lençóis freáticos.
O presidente do comitê da bacia hidrográfica do São Francisco, Anivaldo Miranda, diz que é preciso repensar seriamente o papel do rio. "A vocação única e principal dele não é a geração de energia. Há vários usos que entram em contradição e não podemos estar subordinados exclusivamente à lógica do setor elétrico."
Enviado por: Instituto Aruandista
FÓRUM DO MOVIMENTO AMBIENTALISTA DO PARANA - 

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Território e Poder em Paracatu - Parte I

Prezado leitor,
Apresentamos uma série de dez artigos sobre as relações de poder na cidade de Paracatu - MG. A pretensão é contribuir para a melhor compreensão da dominação exercida pela mineradora Kinross Brasil Mineração sobre a sociedade paracatuense, que desde a sua formação, vive sob o signo da exploração de suas riquezas minerais, inicialmente pelos escravistas portugueses e paulistas e, na época recente, pelas transnacionais Rio Tinto Zinc e Kinross Gold Corporation.
Os artigos foram originalmente publicados no jornal local O Movimento, entre agosto de 2013 e julho de 2014.

Estudando as relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross

Márcio José dos Santos

Inicia-se aqui um despretensioso estudo das relações entre a comunidade paracatuense e a mineradora RPM/Kinross. O objetivo é trazer o conhecimento de eminentes cientistas sociais para compreendermos o momento que estamos vivendo e, quiçá, trabalharmos para a construção de uma sociedade mais justa.

O viajante que chega a Paracatu, vindo de Cristalina, vê, primeiramente, aos pés da Serra da Boa Vista, a grande cava da mineração, as instalações industriais e os lagos de rejeito da Kinross; somente depois ele perceberá, ao lado, a cidade de Paracatu, que ficou pequena diante do complexo da mina. Mas é preciso uma longa permanência para ouvir os protestos isolados e quase sempre abafados daqueles que confrontam a mineradora: há os que se sentem beneficiados pelo empreendimento e uma grande maioria que prefere o silêncio: – qual seria o futuro da cidade se a mineração acabar?  – desemprego, perda de renda, perda de negócios? – como ficarão os impactos socioambientais à conta das futuras gerações?

O empreendimento mineral da RPM/Kinross em Paracatu deflagrou um processo de mudanças que interferem com várias dimensões e escalas da vida social da população do entorno: além de uma nova configuração patrimonial (mudança de proprietários), alteraram-se o regime hídrico, a morfologia do terreno, a qualidade de vida em seus aspectos sociais e ambientais e emergiram novos interesses, dinâmicas socioeconômicas e conflitos socioambientais.

Para o geógrafo Milton Santos, o espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções.

A moldagem de uma nova ordem espacial é, sobretudo, resultante de uma relação de poder. No estudo das relações de poder existem duas abordagens que se prestam melhor para esclarecer as mudanças e conflitos que ocorreram em Paracatu a partir da instalação da Mina Morro do Ouro: a teoria da organização social e econômica, do sociólogo alemão Karl MaximilianWeber, e a teoria de poder e resistência, do filósofo francês Michel Foucault.

De acordo com Weber, o conceito de poder seria simplesmente a imposição da vontade de alguém em alguma situação. Melhor, então, pensar em disciplina, obediência e dominação. A diferença entre disciplina e dominação é que a disciplina é a obediência habitual, sem resistência nem crítica, enquanto a dominação é um estado de coisas pelo qual uma vontade manifesta do dominador influi sobre os atos de outros. Em um grau socialmente relevante, esses atos têm lugar como se aquele que dita as regras tem o direito de fazê-lo e aquele que se submete à elas tem o dever de obedecer.

Assim, Weber acreditava que as relações sociais se mantinham baseadas na dominação, uma dominação legítima, segundo ele, justificada por motivos de submissão ou princípios de autoridade. Isso o levou a distinguir três tipos de dominação: carismática - ocorre quando um líder domina pelas suas virtudes pessoais, que são vistas como extraordinárias pelos seus seguidores; tradicional - refere-se à tradição, àquilo que já vem sendo realizado e continua sendo feito, quando os seguidores aceitam o comando do líder como sendo o costume ou direito adquirido; racional-legal, que se aplica a empreendimentos econômicos, políticos, religiosos e profissionais e onde a legitimidade se dá pela crença e pela legalidade das normas e direitos de mando de quem exerce a autoridade.

Weber via a burocracia e a racionalização como o principal instrumento de dominação na sociedade moderna, capaz de estabelecer uma relação de poder quase indestrutível.

O teórico organizacional britânico Gareth Morgan, adotando as visões de dominação de Weber e dos filósofos alemães Marx e Michels, aponta como aspectos da dominação, entre outros:
- o sistema de classes, onde a existência de um mercado de trabalho secundário de baixa qualificação e baixa remuneração dá a uma organização muito mais controle sobre seu ambiente interno e externo;
- os perigos, doenças ocupacionais e acidentes de trabalho, principalmente em países do Terceiro Mundo, onde empresas transnacionais envolvem-se em práticas perigosas, livres das regulamentações sobre saúde impostas em seus países de origem, e
- as limitações da legislação, onde os agentes de segurança de empreendimentos de alto risco são pagos pela empresa em questão, estabelecendo-se assim o automonitoramento.

Para Morgan, são as multinacionais que estão mais próximas de concretizar os piores medos de Max Weber com relação a como as organizações burocráticas podem tornar-se regimes totalitários servindo aos interesses das elites, onde os detentores do controle podem exercer um poder praticamente indestrutível.

A crítica ao aspecto repulsivo da atuação das multinacionais no Terceiro Mundo é assim resumido por Morgan:
- o efeito das multinacionais sobre as economias das nações anfitriãs é basicamente de exploração;
- elas exploram as populações locais, usando-as como escravos assalariados, muitas vezes substituindo o trabalho sindicalizado;
- embora aleguem que estão levando capital e tecnologia para os países anfitriões, o resultado geralmente é uma saída líquida de capitais e o controle sobre a tecnologia que introduzem;
- frequentemente disfarçam o excesso de lucros e evitam pagar os impostos devidos para as nações anfitriãs por meio de ‘preços de transferência’;
- de modo geral fazem duras barganhas com as nações e comunidades hospedeiras, jogando um grupo contra o outro para conseguir concessões excepcionais.

Segundo Morgan, os críticos radicais das organizações atribuem parte da culpa da dominação das multinacionais às classes dominantes locais, por participarem da dominação, cooperando ativamente e muitas vezes envolvendo-se em acordos que as beneficiam à custa das comunidades e da nação.

Caro leitor, continue conosco no próximo capítulo, quando faremos uma abordagem da questão segundo o pensamento de Michel Foucault.

Este texto foi publicado no jornal O Movimento, ed. 442, agosto de 2013, pág. 2.