Blog do Professor Márcio

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domingo, 24 de março de 2013

O Garimpo em Paracatu Uma história que precisa ser contada - Capítulo IX


Embora a Rio Paracatu Mineração tenha contratado a empresa Pires para reprimir o garimpo, a dramática situação em que viviam os garimpeiros os impelia para a barragem de rejeito. Em maio de 2002, uma reportagem do jornal O Movimento com o título “RPM sofre 16 invasões só em abril” informava que as invasões contaram com a participação de 290 homens. O texto reproduz o discurso da empresa afirmando que somente um dos vigilantes da RPM tem arma de fogo e que os demais usam somente cães, equipamentos de segurança e balas de borracha na tentativa de evitar o “vandalismo dos marginais”; além disso, a reportagem dá voz ao gerente administrativo da empresa para afirmar que um dos fatores que motivam a RPM a impedir a ação dos invasores é o problema social, pois assim ela evita o aumento da criminalidade em Paracatu; finalmente, a reportagem sugere que essas pessoas (não diz quantas entre as 290) estariam ligadas a uma quadrilha de Itabira.
Uma descrição bastante esclarecedora do que seria a “quadrilha de Itabira” é encontrada no relatório antropológico de Scott e outros (já citado), que se refere a ela como um grupo de garimpeiros vindos de Itabira, que dominava uma tecnologia de garimpo chamada borrachões. No canal de rejeitos, esse grupo estendia os borrachões que retinham o ouro, deste nada sobrando para os demais garimpeiros. Assim “A grande maioria dos garimpeiros, por não terem conseguido se inserir nessa estrutura, percebiam a turma de Itabira como uma quadrilha da qual queriam cada vez mais se diferenciarem. No caso desses últimos, a percepção que tinham dos garimpeiros vindos de Itabira era de que, além de forasteiros, eles impediam que outros trabalhassem. Coisa que nunca teria acontecido nos momentos em que só pessoas de Paracatu garimpavam”. Portanto, a expressão “quadrilha de Itabira” nada tinha a ver com bandidos, conforme queria a mineradora.
As centenas de garimpeiros violentados ou presos nunca tiveram voz, rostos ou nomes no noticiário. Foram tratados como não-pessoas. Mas tiveram rótulos: invasores, criminosos, bandidos, quadrilheiros. As invasões que ainda aconteciam de modo intenso, mesmo depois de a RPM contratar a mais sofisticada empresa de segurança patrimonial do País, provocou uma mudança de sua estratégia de comunicação social. Se até maio de 2002, vez ou outra, a imprensa noticiava invasões, sempre apresentando a versão da mineradora, de agora em diante a estratégia seria impedir que fosse divulgada uma nota sequer, no noticiário escrito ou falado, sobre as invasões e a repressão.
De um lado, a imagem de vítima diante da ação de criminosos já estava consolidada e era franco o apoio que a RPM recebia dos órgãos do Estado – a polícia, o judiciário, a administração pública de modo geral – e da classe dirigente da sociedade, com todas as suas instituições.
De outro lado, percebeu-se que os garimpeiros, para a grande maioria da população, nunca perderam essa espécie de auréola misteriosa que os liga ao heroísmo e à façanha da construção da “Vila de Paracatu do Príncipe”, desde o passado remoto aos dias de hoje ligados à história da cidade, seu esplendor e sua miséria. A resistência daqueles garimpeiros desvalidos frente à opulência da grande empresa transnacional, sua coragem diante das ameaças e da violência, reforçava no imaginário popular a figura desses “robin hoods” contra o poder do grande capital.
A estratégia agora era impor o silêncio sobre o conflito com os garimpeiros e promover outro noticiário, para criar a imagem de outro herói: a empresa parceira, solidária e defensora dos interesses coletivos, que através de pequenos agrados mostrava estar disposta a compartilhar a fabulosa riqueza extraída.
Realizar tal empreitada, diante da repressão, da pressão e do poder hegemônico da RPM, não foi difícil, já que ela contou com os apoios necessários. Um passo importante foi ocupar o noticiário da imprensa local, sem dúvida através de matérias pagas, para veicular cada uma das pequenas ações da mineradora que pudessem ajudar a construir uma imagem sedutora: pequenas doações, visitas de alunos, concursos de redação, festas e churrascos na empresa, viagens de funcionários, compra de equipamentos, premiações da empresa, recordes de produção, planos de expansão, visitas de autoridades, apoios recebidos... e até mesmo jogos de futebol (simples peladas) dos funcionários da mineradora.
As filas de pedintes bem comportados ficou imensa, conforme se pode perceber através da propaganda divulgada na mídia local, com relatos de pequenas doações a comunidades de bairro, igrejas, associações etc. Enfim, a estratégia para construir a imagem que ainda prevalece na cidade foi impedir (até onde se pode) a circulação de notícias de conteúdo negativo e fazer circular (e celebrar) toda e qualquer notícia que reforce a imagem de uma empresa genuinamente paracatuense, guardiã dos valores da sociedade.
A partir daí, quase dez anos se passaram sem que a midia local noticiasse qualquer fato ocorrido em relação aos garimpeiros de Paracatu. Os conflitos teriam acabado ou impôs-se a lei do silêncio, uma censura em plena vigência da nova Constituição democrática? É o que veremos a seguir. Esteja conosco, caro leitor, no último capítulo desta história.

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