Embora a Rio
Paracatu Mineração tenha contratado a empresa Pires para reprimir o garimpo, a
dramática situação em que viviam os garimpeiros os impelia para a barragem de
rejeito. Em maio de 2002, uma reportagem do jornal O Movimento com o título “RPM sofre 16 invasões só em abril”
informava que as invasões contaram com a participação de 290 homens. O texto
reproduz o discurso da empresa afirmando que somente um dos vigilantes da RPM
tem arma de fogo e que os demais usam somente cães, equipamentos de segurança e
balas de borracha na tentativa de evitar o “vandalismo dos marginais”; além
disso, a reportagem dá voz ao gerente administrativo da empresa para afirmar
que um dos fatores que motivam a RPM a impedir a ação dos invasores é o
problema social, pois assim ela evita o aumento da criminalidade em Paracatu;
finalmente, a reportagem sugere que essas pessoas (não diz quantas entre as
290) estariam ligadas a uma quadrilha de Itabira.
Uma descrição
bastante esclarecedora do que seria a “quadrilha
de Itabira” é encontrada no relatório antropológico de Scott e outros (já
citado), que se refere a ela como um grupo de garimpeiros vindos de Itabira,
que dominava uma tecnologia de garimpo chamada borrachões. No canal de rejeitos, esse grupo estendia os borrachões
que retinham o ouro, deste nada sobrando para os demais garimpeiros. Assim “A grande maioria dos garimpeiros, por não
terem conseguido se inserir nessa estrutura, percebiam a turma de Itabira como
uma quadrilha da qual queriam cada vez mais se diferenciarem. No caso desses
últimos, a percepção que tinham dos garimpeiros vindos de Itabira era de que,
além de forasteiros, eles impediam que outros trabalhassem. Coisa que nunca
teria acontecido nos momentos em que só pessoas de Paracatu garimpavam”. Portanto,
a expressão “quadrilha de Itabira” nada tinha a ver com bandidos, conforme
queria a mineradora.
As centenas
de garimpeiros violentados ou presos nunca tiveram voz, rostos ou nomes no
noticiário. Foram tratados como não-pessoas. Mas tiveram rótulos: invasores,
criminosos, bandidos, quadrilheiros. As invasões que ainda aconteciam de modo
intenso, mesmo depois de a RPM contratar a mais sofisticada empresa de
segurança patrimonial do País, provocou uma mudança de sua estratégia de
comunicação social. Se até maio de 2002, vez ou outra, a imprensa noticiava
invasões, sempre apresentando a versão da mineradora, de agora em diante a
estratégia seria impedir que fosse divulgada uma nota sequer, no noticiário
escrito ou falado, sobre as invasões e a repressão.
De um lado, a
imagem de vítima diante da ação de criminosos já estava consolidada e era
franco o apoio que a RPM recebia dos órgãos do Estado – a polícia, o
judiciário, a administração pública de modo geral – e da classe dirigente da
sociedade, com todas as suas instituições.
De outro
lado, percebeu-se que os garimpeiros, para a grande maioria da população, nunca
perderam essa espécie de auréola misteriosa que os liga ao heroísmo e à façanha
da construção da “Vila de Paracatu do Príncipe”, desde o passado remoto aos
dias de hoje ligados à história da cidade, seu esplendor e sua miséria. A
resistência daqueles garimpeiros desvalidos frente à opulência da grande
empresa transnacional, sua coragem diante das ameaças e da violência, reforçava
no imaginário popular a figura desses “robin
hoods” contra o poder do grande capital.
A estratégia
agora era impor o silêncio sobre o conflito com os garimpeiros e promover outro
noticiário, para criar a imagem de outro herói: a empresa parceira, solidária e
defensora dos interesses coletivos, que através de pequenos agrados mostrava
estar disposta a compartilhar a fabulosa riqueza extraída.
Realizar tal
empreitada, diante da repressão, da pressão e do poder hegemônico da RPM, não
foi difícil, já que ela contou com os apoios necessários. Um passo importante
foi ocupar o noticiário da imprensa local, sem dúvida através de matérias
pagas, para veicular cada uma das pequenas ações da mineradora que pudessem
ajudar a construir uma imagem sedutora: pequenas doações, visitas de alunos,
concursos de redação, festas e churrascos na empresa, viagens de funcionários,
compra de equipamentos, premiações da empresa, recordes de produção, planos de
expansão, visitas de autoridades, apoios recebidos... e até mesmo jogos de
futebol (simples peladas) dos funcionários da mineradora.
As filas de
pedintes bem comportados ficou imensa, conforme se pode perceber através da
propaganda divulgada na mídia local, com relatos de pequenas doações a
comunidades de bairro, igrejas, associações etc. Enfim, a estratégia para
construir a imagem que ainda prevalece na cidade foi impedir (até onde se pode)
a circulação de notícias de conteúdo negativo e fazer circular (e celebrar)
toda e qualquer notícia que reforce a imagem de uma empresa genuinamente
paracatuense, guardiã dos valores da sociedade.
A partir daí,
quase dez anos se passaram sem que a midia local noticiasse qualquer fato
ocorrido em relação aos garimpeiros de Paracatu. Os conflitos teriam acabado ou
impôs-se a lei do silêncio, uma censura em plena vigência da nova Constituição
democrática? É o que veremos a seguir. Esteja conosco, caro leitor, no último
capítulo desta história.
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