Logo após o
assassinato de mais um garimpeiro pelos seus seguranças – Sandro Monteiro dos
Santos –, a RPM promoveu em sua sede um debate sobre o garimpo clandestino. Essa articulação envolveu no debate as seguintes autoridades: o diretor do
DNPM em Minas Gerais ,
Edward Álvares de Campos Abreu; o superintendente de recursos minerais da
Secretaria Estadual de Minas e Energia, José Fernando Coura; o presidente da
Confederação dos Trabalhadores do Setor Mineral, Lourival Araújo Andrade; o
prefeito Almir Paraca; o presidente da Câmara, Antônio José Machado Rocha; o
promotor de justiça, Paulo Campos Chaves; o delegado regional da Polícia
Militar em Unaí, tenente-coronel José Carlos; o comandante da PM em Paracatu,
capitão Luiz Sávio; o secretário municipal de Meio Ambiente, Antônio Eustáquio
Vieira (Tonhão, do Movimento Verde) e o secretário da Saúde, Antônio Alves.
Certamente,
tão seleto grupo, apontado a dedo, de pessoas que nas suas respectivas funções
já vinham dando respaldo às ações da RPM em diferentes instâncias do poder, a
conclusão óbvia foi que a prática do garimpo clandestino não solucionaria o
problema do desemprego e a sua continuidade com o uso indiscriminado de
mercúrio poderia ocasionar sérios danos à economia e ao meio ambiente do
Noroeste de Minas.
Entretanto,
as sábias conclusões da elite governante não iria saciar a fome das famílias
dos garimpeiros. A edição de O Movimento,
em outubro de 2000, informou que, no dia 13 daquele mês, a PM foi acionada pela
mineradora e deparou-se com aproximadamente 70 pessoas praticando garimpo
ilegal na barragem de rejeito, tendo prendido quatro delas. Os outros
garimpeiros, na versão da polícia, teriam atacado os policiais e os seguranças
da RPM, utilizando pedras e paus, e ameaçado os militares.
As palavras
do gerente geral da RPM, proferidas em palestra realizada em 2001 dentro da
companhia, são indicativas da disposição de continuar tratando o impacto social
negativo provocado pela mineradora como caso de polícia. Disse ele que: “Não é mais aquele garimpeirozinho que vinha
aqui pra conquistar o sustentozinho e tentar tirar umas graminhas de ouro nosso
aqui, pra comprar comida. (...) Os caras estão entrando aqui... armados. Está
concentrado em
criminosos. Olha... se nós falarmos hoje que vamos deixar o
pessoal vir aqui estourar isso, com uma semana a invasão em Paracatu é
monstruosa. O nosso grande objetivo, a nossa grande meta é desmotivar o pessoal
de vir aqui.”
Observe-se
que o discurso do gerente geral reconhecia que antes era o “garimpeirozinho”
que buscava ouro para comprar comida. Isto contradiz o que a empresa proclamava
– que os invasores não eram garimpeiros, mas quadrilhas organizadas para roubar
–, e reconhece o que de fato representava o garimpeiro: uma pessoa pobre que
lutava pelo sustento, simplesmente para comprar comida.
Atente-se
também para a afirmação: “estão entrando
aqui (pausa) armados”. Sempre que
provocou suas vítimas, a empresa justificava que seus seguranças foram
recebidos por paus, pedras e até facões, mas nunca apontou o nome de um
segurança que tenha sido atingido por arma de fogo.
Outro aspecto
da fala do gerente geral é apresentar a empresa como defensora da cidade de
Paracatu, impedindo que ela seja vítima de uma “invasão monstruosa” por parte
de criminosos. Esse tipo de propaganda, que cria e manipula medos coletivos, é
uma tática sempre presente nos jogos de poder, para legitimar a brutalidade da
repressão.
Em 2001, a RPM, para enfrentar
os garimpeiros de uma forma mais eficaz, tomou duas decisões: contratar um
estudo antropológico para melhor conhecer os garimpeiros e contratar uma
empresa de segurança para reprimi-los.
O estudo
antropológico foi conduzido pela FAGES – Família, Gênero e Sexualidade, ligada
à Universidade Federal de Pernambuco, que produziu o relatório denominado “Garimpeiros, Comunidade e Rio Paracatu
Mineração: um estudo antropológico”. Essa pesquisa foi realizada entre
março e julho de 2001, justificada para encontrar formas de amenizar o conflito
entre garimpeiros e empresa e melhorar as relações desta com a comunidade. A
equipe que realizou a pesquisa garantiu, no contrato com a empresa, o direito
de publicar um documento de retorno de informações para a comunidade, que foi
dado a público somente no ano de 2005.
O relatório
desmistifica a propaganda da RPM, mostrando a realidade do garimpo, simplesmente
o último recurso de pessoas trabalhadoras na luta pela sobrevivência: “Os garimpeiros de Paracatu continuam sendo
homens trabalhadores pobres, de origem rural, expulsos de áreas tradicionais da
economia por processos de capitalização do campo e da mineração, apertados por
um processo de diminuição de oportunidades de trabalho. (...) Com pouca
instrução (...) eles ou os seus familiares trabalhavam no garimpo artesanal...
(...) As oportunidades para pequenas melhoras nas condições de vida que alguns
tiveram neste período foram rapidamente dissipadas com a exclusão deles do
Morro do Ouro, em 1988, quando a RPM recebeu o direito exclusivo da lavra, e
com o fechamento dos garimpos independentes nas praias dos córregos, devido à
aplicação da nova legislação ambiental de 1989” .
Com relação à
contratação de uma empresa de segurança, a matéria divulgada em O
Movimento (Ed. 218, junho 2001, pág.3) anunciou que, para
reprimir os garimpeiros, a RPM contratou a empresa Pires, a mais sofisticada e
especializada em segurança patrimonial. O gerente geral da RPM explicou que o
novo aparato seria integrado por vigilantes bem armados, além de cães
amestrados. O contrato teria ocorrido após visita de agentes do Departamento de
Operações Especiais (DEOESP) da Secretaria de Segurança Pública de MG a
Paracatu, “oportunidade em que trocaram
tiros com invasores”.
Essa
expressão “troca de tiros”, quando vinda da polícia, é bastante suspeita,
principalmente porque jamais ocorreu qualquer episódio que comprove porte de
arma de fogo pelos garimpeiros de Paracatu. Enfim, o DEOESP, um órgão público
de segurança do Estado de Minas Gerais, saiu de Belo Horizonte para ficar a
serviço da RPM, uma empresa privada transnacional... e ainda atirou nos garimpeiros! Dá
para acreditar?
Sigamos ao
próximo capítulo, caro leitor!
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