Blog do Professor Márcio

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domingo, 24 de março de 2013

O Garimpo em Paracatu Uma história que precisa ser contada - Capítulo VIII


Logo após o assassinato de mais um garimpeiro pelos seus seguranças – Sandro Monteiro dos Santos –, a RPM promoveu em sua sede um debate sobre o garimpo clandestino. Essa articulação envolveu no debate as seguintes autoridades: o diretor do DNPM em Minas Gerais, Edward Álvares de Campos Abreu; o superintendente de recursos minerais da Secretaria Estadual de Minas e Energia, José Fernando Coura; o presidente da Confederação dos Trabalhadores do Setor Mineral, Lourival Araújo Andrade; o prefeito Almir Paraca; o presidente da Câmara, Antônio José Machado Rocha; o promotor de justiça, Paulo Campos Chaves; o delegado regional da Polícia Militar em Unaí, tenente-coronel José Carlos; o comandante da PM em Paracatu, capitão Luiz Sávio; o secretário municipal de Meio Ambiente, Antônio Eustáquio Vieira (Tonhão, do Movimento Verde) e o secretário da Saúde, Antônio Alves. 
Certamente, tão seleto grupo, apontado a dedo, de pessoas que nas suas respectivas funções já vinham dando respaldo às ações da RPM em diferentes instâncias do poder, a conclusão óbvia foi que a prática do garimpo clandestino não solucionaria o problema do desemprego e a sua continuidade com o uso indiscriminado de mercúrio poderia ocasionar sérios danos à economia e ao meio ambiente do Noroeste de Minas.
Entretanto, as sábias conclusões da elite governante não iria saciar a fome das famílias dos garimpeiros. A edição de O Movimento, em outubro de 2000, informou que, no dia 13 daquele mês, a PM foi acionada pela mineradora e deparou-se com aproximadamente 70 pessoas praticando garimpo ilegal na barragem de rejeito, tendo prendido quatro delas. Os outros garimpeiros, na versão da polícia, teriam atacado os policiais e os seguranças da RPM, utilizando pedras e paus, e ameaçado os militares.
As palavras do gerente geral da RPM, proferidas em palestra realizada em 2001 dentro da companhia, são indicativas da disposição de continuar tratando o impacto social negativo provocado pela mineradora como caso de polícia. Disse ele que: “Não é mais aquele garimpeirozinho que vinha aqui pra conquistar o sustentozinho e tentar tirar umas graminhas de ouro nosso aqui, pra comprar comida. (...) Os caras estão entrando aqui... armados. Está concentrado em criminosos. Olha... se nós falarmos hoje que vamos deixar o pessoal vir aqui estourar isso, com uma semana a invasão em Paracatu é monstruosa. O nosso grande objetivo, a nossa grande meta é desmotivar o pessoal de vir aqui.
Observe-se que o discurso do gerente geral reconhecia que antes era o “garimpeirozinho” que buscava ouro para comprar comida. Isto contradiz o que a empresa proclamava – que os invasores não eram garimpeiros, mas quadrilhas organizadas para roubar –, e reconhece o que de fato representava o garimpeiro: uma pessoa pobre que lutava pelo sustento, simplesmente para comprar comida.
Atente-se também para a afirmação: “estão entrando aqui (pausa) armados”. Sempre que provocou suas vítimas, a empresa justificava que seus seguranças foram recebidos por paus, pedras e até facões, mas nunca apontou o nome de um segurança que tenha sido atingido por arma de fogo.
Outro aspecto da fala do gerente geral é apresentar a empresa como defensora da cidade de Paracatu, impedindo que ela seja vítima de uma “invasão monstruosa” por parte de criminosos. Esse tipo de propaganda, que cria e manipula medos coletivos, é uma tática sempre presente nos jogos de poder, para legitimar a brutalidade da repressão.
Em 2001, a RPM, para enfrentar os garimpeiros de uma forma mais eficaz, tomou duas decisões: contratar um estudo antropológico para melhor conhecer os garimpeiros e contratar uma empresa de segurança para reprimi-los.
O estudo antropológico foi conduzido pela FAGES – Família, Gênero e Sexualidade, ligada à Universidade Federal de Pernambuco, que produziu o relatório denominado “Garimpeiros, Comunidade e Rio Paracatu Mineração: um estudo antropológico”. Essa pesquisa foi realizada entre março e julho de 2001, justificada para encontrar formas de amenizar o conflito entre garimpeiros e empresa e melhorar as relações desta com a comunidade. A equipe que realizou a pesquisa garantiu, no contrato com a empresa, o direito de publicar um documento de retorno de informações para a comunidade, que foi dado a público somente no ano de 2005.
O relatório desmistifica a propaganda da RPM, mostrando a realidade do garimpo, simplesmente o último recurso de pessoas trabalhadoras na luta pela sobrevivência: “Os garimpeiros de Paracatu continuam sendo homens trabalhadores pobres, de origem rural, expulsos de áreas tradicionais da economia por processos de capitalização do campo e da mineração, apertados por um processo de diminuição de oportunidades de trabalho. (...) Com pouca instrução (...) eles ou os seus familiares trabalhavam no garimpo artesanal... (...) As oportunidades para pequenas melhoras nas condições de vida que alguns tiveram neste período foram rapidamente dissipadas com a exclusão deles do Morro do Ouro, em 1988, quando a RPM recebeu o direito exclusivo da lavra, e com o fechamento dos garimpos independentes nas praias dos córregos, devido à aplicação da nova legislação ambiental de 1989”.
Com relação à contratação de uma empresa de segurança, a matéria divulgada em O Movimento (Ed. 218, junho 2001, pág.3) anunciou que, para reprimir os garimpeiros, a RPM contratou a empresa Pires, a mais sofisticada e especializada em segurança patrimonial. O gerente geral da RPM explicou que o novo aparato seria integrado por vigilantes bem armados, além de cães amestrados. O contrato teria ocorrido após visita de agentes do Departamento de Operações Especiais (DEOESP) da Secretaria de Segurança Pública de MG a Paracatu, “oportunidade em que trocaram tiros com invasores”.
Essa expressão “troca de tiros”, quando vinda da polícia, é bastante suspeita, principalmente porque jamais ocorreu qualquer episódio que comprove porte de arma de fogo pelos garimpeiros de Paracatu. Enfim, o DEOESP, um órgão público de segurança do Estado de Minas Gerais, saiu de Belo Horizonte para ficar a serviço da RPM, uma empresa privada transnacional... e ainda atirou nos garimpeiros!  Dá para acreditar?
Sigamos ao próximo capítulo, caro leitor!

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