Após 2002, o
conflito entre a RPM/Kinross e os garimpeiros perdeu os últimos resquícios de
visibilidade; até mesmo as páginas dos jornais que tratam de questões policiais
ou os noticiários policiais de rádio e TV deixaram de veicular notícia dos
conflitos.
O
documentário Ouro de Sangue, realizado em 2008, mostra, sem deixar dúvida,
através de depoimentos de pequenos proprietários do entorno da mina, que a entrada
de garimpeiros na área da barragem e em outros pontos próximos à mina Morro do
Ouro continuou, assim como a repressão continuou fazendo suas vítimas.
Este “cerco”
somente seria rompido dez anos depois, quando o autor desta história publicou
um artigo intitulado “Um negro no regime da nova escravatura”, a respeito da
prisão de garimpeiros, pelos seguranças da Kinross. A mídia local não havia
noticiado essas prisões, mas o referido artigo, estampado na 1.a página do jornal Noroeste News (ed. janeiro/2012), denunciou o fato e protestou
contra a violação dos direitos dos quilombolas de viverem conforme suas
tradições, obtendo o sustento em áreas de seus antepassados.
De acordo com
o que este autor apurou, na noite de 27 para 28 de dezembro de 2011, cerca de
30 garimpeiros faiscaram na barragem de rejeito. Próximo do amanhecer, alguns
garimpeiros estavam retornando, já nas imediações do quilombo São Domingos,
quando foram surpreendidos pelos vigilantes da mineradora. Na ocasião foram
presos Robson Ferreira da Silva, residente no quilombo São Domingos e que
aparece em entrevista no filme Ouro de Sangue, e Eris Ribeiro Pereira, o mesmo
garimpeiro que recebeu um tiro no pé em 2000. Enquanto isso, os outros que
ainda estavam na barragem foram atacados a tiros por vigilantes e policiais,
tendo um deles rolado do barranco e caído na lama, sendo dado como morto.
Entretanto, mesmo ferido, esse garimpeiro conseguiu se arrastar pela lama e
chegar, horas mais tarde, à sua casa. Os dois presos foram algemados e, em seguida,
Robson foi espancado por policiais.
Desde o
início dos conflitos aos dias atuais, envolvendo a RPM e os garimpeiros,
apareceram inúmeras denúncias de espancamentos de garimpeiros presos,
demonstrando não apenas que os aparelhos repressivos do Estado continuam a
utilizar a tortura e outros métodos condenáveis no trato aos cidadãos, como
também o grau de envolvimento da Polícia Militar com a defesa dos interesses da
RPM/Kinross.
O artigo acima citado sobre a prisão de garimpeiros estimulou a produção de uma reportagem sobre o caso pelo jornal O Movimento (Ed. 413, jan. 2012, p. 5), sob o título “Negro pega 14 dias de cadeia por faiscar na área da Kinross”. A mineradora respondeu, na reportagem, que “Nos últimos meses, sofreu invasões em sua propriedade (...) por grupos armados que, em algumas ocasiões, também portavam explosivos e detonadores, artefatos usados durante a noite” e que, em um destes eventos, o carro da segurança patrimonial da Kinross foi alvejado.
A campanha difamatória, porém, não se intimida com o ridículo. Uma matéria jornalística publicada em julho de 2012 com o título “PM encontra dinamites no Santana” (O Movimento, Ed. 424, 16-31 jul., 2012, p. 15), noticiou a apreensão de 187 bananas de dinamite e certa quantidade de substância semelhante à cocaína, na casa de um traficante de drogas. A polícia afirmou suspeitar que o material poderia ser usado na explosão de caixas eletrônicos de bancos ou no garimpo clandestino.
Ora, qualquer garimpeiro, por menos instruído que seja, sabe que não tem sentido utilizar explosivos para detonar a lama da barragem de rejeito ou as areias das praias do Córrego Rico!
O artigo acima citado sobre a prisão de garimpeiros estimulou a produção de uma reportagem sobre o caso pelo jornal O Movimento (Ed. 413, jan. 2012, p. 5), sob o título “Negro pega 14 dias de cadeia por faiscar na área da Kinross”. A mineradora respondeu, na reportagem, que “Nos últimos meses, sofreu invasões em sua propriedade (...) por grupos armados que, em algumas ocasiões, também portavam explosivos e detonadores, artefatos usados durante a noite” e que, em um destes eventos, o carro da segurança patrimonial da Kinross foi alvejado.
A campanha difamatória, porém, não se intimida com o ridículo. Uma matéria jornalística publicada em julho de 2012 com o título “PM encontra dinamites no Santana” (O Movimento, Ed. 424, 16-31 jul., 2012, p. 15), noticiou a apreensão de 187 bananas de dinamite e certa quantidade de substância semelhante à cocaína, na casa de um traficante de drogas. A polícia afirmou suspeitar que o material poderia ser usado na explosão de caixas eletrônicos de bancos ou no garimpo clandestino.
Ora, qualquer garimpeiro, por menos instruído que seja, sabe que não tem sentido utilizar explosivos para detonar a lama da barragem de rejeito ou as areias das praias do Córrego Rico!
Portanto, o
absurdo de apontar o uso de explosivo no garimpo em Paracatu chega às raias da
estupidez, mas ao associar tráfico de drogas e assalto a bancos com a prática
garimpeira, a polícia apenas usa um recurso mesquinho para denegrir os trabalhadores
do garimpo.
Tomando-se por base as informações acima transcritas e em se acreditando na versão da Kinross, o conflito socioambiental que envolve a mineradora e as comunidades pobres do entorno da mina, embora abafado e sufocado, continua vivo – mais que isto, é uma guerra aberta, silenciada, mas interminável.
Estamos chegando ao final, caro leitor. Mas, esta sequência de artigos, onde pela primeira vez a imprensa de Paracatu ofereceu espaço para a exposição, sem censura, do conflito socioambiental aqui tratado não poderia finalizar sem responder a uma questão fundamental: - A história poderia ter sido diferente, sem uso da violência por parte da mineradora?
Tomando-se por base as informações acima transcritas e em se acreditando na versão da Kinross, o conflito socioambiental que envolve a mineradora e as comunidades pobres do entorno da mina, embora abafado e sufocado, continua vivo – mais que isto, é uma guerra aberta, silenciada, mas interminável.
Estamos chegando ao final, caro leitor. Mas, esta sequência de artigos, onde pela primeira vez a imprensa de Paracatu ofereceu espaço para a exposição, sem censura, do conflito socioambiental aqui tratado não poderia finalizar sem responder a uma questão fundamental: - A história poderia ter sido diferente, sem uso da violência por parte da mineradora?
A literatura
científica estrangeira fornece elementos que provam ser possível conciliar ogarimpo tradicional com a proteção social e ambiental, possibilitando assim que
a justiça ambiental possa ser alcançada. Entre inúmeros exemplos, vamos citar o
caso de uma “joint-venture” entre o
governo do Zimbabwe e pequenos mineradores da região de Shamva, que criaram com
sucesso um Centro de Processamento, o qual oferece serviços de processamento de
minério a cerca de 200 garimpeiros; além disso, oferece serviços de perfuração,
detonação, transporte de minério e apoio técnico de planejamento de lavra,
segurança nas minas e controle de poluição.
Outro exemplo
é o projeto de expansão da Anglo Gold, no Mali: diante de ameaças de
garimpeiros, a empresa criou um projeto que oferece assistência técnica e
recursos para a mineração artesanal, bem como alternativas de geração de renda,
como a produção agrícola, fabricação de jóias, corantes e sabonetes.
Na América do
Sul, temos o exemplo do Projeto Las Cristinas de apoio à comunidade garimpeira,
da mineradora americana Placer Dome, na Venezuela. O projeto foi criado após a
invasão de garimpeiros em áreas da empresa, que acabou reconhecendo a sua
importância socioeconômica, levando-a a desenvolver com eles uma parceria de
assistência técnica, incluindo o desenvolvimento de uma mina semi-mecanizada
ambientalmente correta.
Os exemplos
acima citados, baseados em valores de justiça ambiental, deixam claro que,
quando a RPM e sua sucessora Kinross optaram pela repressão, isto não ocorreu
por ausência de alternativas, mas por uma decisão com base em valores. Os
valores de quem detém o ouro – valores monetários – têm se sobreposto, mas não
poderiam se sobrepor, às classes de valor das populações atingidas pela faina
de obtê-lo. Pesassem aqui os valores da
justiça ambiental, a RPM/Kinross poderia sim ter realizado um trabalho de
parceria com as comunidades atingidas pelo seu empreendimento.
Para todas as
comunidades atingidas em Paracatu – garimpeiros, quilombolas, bairros vizinhos
da mina e pequenos proprietários de terra – há o entendimento de que existe um
direito prévio sobre o território e seus recursos, que não pode ser esbulhado
com base no Código de Mineração. Elas vêem, estarrecidas, mais que a privação
do acesso aos recursos, mas também o comprometimento dos sistemas naturais
disponíveis para as gerações futuras, após a exaustão da mina.