Blog do Professor Márcio

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sábado, 19 de março de 2011

Paracatu versus Kinross diante da lei

Na audiência pública realizada em Paracatu em 17/03/2011, convocada pela Assembléia Legislativa de MG, entreguei à mesa diretora uma manifestação em que questionei a legalidade do empreendimento da Kinross, que opera a mina de ouro à céu aberto junto à zona urbana desta cidade. Passo aos leitores do blog o texto dessa manifestação.


"Quando a RPM implantou seu empreendimento em Paracatu ela foi recebida de braços abertos, com raras contestações, nenhuma delas baseada em perigos ambientais. Isto aconteceu porque a empresa, nos seus processos de licenciamento e na sua comunicação social, escondeu os perigos do empreendimento.

Os órgãos licenciadores não questionaram o projeto, o que seria um dever. Pior ainda, à empresa foi concedido o auto-monitoramento, que nunca foi acompanhado por quem tinha a obrigação de fiscalizar. Prova disso é que os relatórios da Rio Tinto, divulgados abertamente em 2004, apontavam índices elevados de cianeto e arsênio na poeira fugitiva da mina do Morro do Ouro, e esse fato foi ignorado pelos órgãos licenciadores.

As relações da empresa com a sociedade paracatuense começaram a se desgastar a partir de 2007, com a denúncia de ativistas ambientais de Paracatu da gigantesca mobilização de arsênio e metais pesados no minério beneficiado, com o agravante de a empresa negar este fato.

Sempre que se fala no arsênio a empresa se cala. Ela negou, em Audiência Pública, a presença do arsênio na poeira da mina; omitiu o risco do arsênio nos processos de licenciamento e não fez avaliação de risco da mobilização do arsênio na lavra e no beneficiamento do minério.

A empresa sempre afirma que cumpre a lei, e também fazem coro a esta afirmação o Ministério Público e até mesmo alguns ativistas ambientais. Quem se disponha a fazer uma leitura completa dos processos de licenciamento ambiental da Rio Paracatu Mineração, desde quando pertencia à Rio Tinto Brasil, vai constatar a omissão do arsênio como fator de risco e a omissão de qualquer referência ao gerenciamento ambiental desse perigoso elemento. Este fato, quando examinado à luz das exigências legais, que impõem ao empreendedor informar todos os elementos de risco ambiental, demonstra que a empresa deixou de cumprir a lei desde antes de iniciar suas operações. E se ela obteve a chancela do órgão fiscalizador, que aceitou o Estudo de Impacto Ambiental sem se deter na sua análise, só nos prova a fragilidade dos processos de licenciamento, e não o cumprimento da lei.

A omissão, no licenciamento, da mobilização do arsênio, inclusive com a geração de óxidos de arsênio, produto altamente tóxico, foi intencional. Se apontado o problema e realizada uma avaliação de risco, o empreendimento da Kinross poderia ser considerado inviável ambientalmente, pelo perigo de contaminação da região de Paracatu e da Bacia do Rio São Francisco.

Toda atividade humana gera risco em algum grau. Não existe vida sem risco. A questão, quando um empreendimento gera risco de alto grau para uma sociedade é saber se o risco é aceitável. Saber se o risco é aceitável não na visão do empreendedor, mas na visão das pessoas atingidas pelo empreendimento. Para isto, é necessário que as pessoas tenham consciência do risco, que os debates sejam abertos e as informações transparentes; então, a sociedade poderá dizer se aceita ou não esse risco. Para este fim foi criado o instrumento da Audiência Pública.

Que seja bem claro que não estamos falando, no caso da Kinross, de incertezas sobre a existência de riscos, mas de riscos reais, que podem levar à morte prematura e à degeneração da qualidade de vida. Um risco ambientalmente e moralmente inaceitável, imposto à população, que sequer tinha conhecimento dele.

No meu entender, as ações que deveriam ser efetivadas para garantir a vida e a qualidade de vida da população seriam (1) a revisão dos processos de licenciamento do empreendimento da Kinross, porque são viciados de origem, e (2) a realização de avaliação de risco ambiental por instituição pública competente, para que sejam definidas ações posteriores baseadas na precaução e na prevenção."

Palavras-chave: Paracatu; Kinross; arsênio; ouro; meio ambiente; licenciamento.

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