Blog do Professor Márcio

Seja bem vindo. Gosto de compartilhar ideias e sua visita é uma contribuição para isto. Volte sempre!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A Prosperidade do Vício

"Dos tempos mais antigos à derrocada do sistema hipotecário americano, a humanidade percorre um caminho de altos e baixos na qualidade de valores que orientam a vida econômica."
Olga de Mello

Publicada em 1801, a novela "Juliette ou as Prosperidades do Vício", de Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade, conta a história de uma jovem que despreza os valores morais vigentes e passa a viver para satisfazer seus próprios desejos, sem qualquer consideração pelos que a cercam. Por "Juliette" e outro livro, "Justine e os Infortúnios da Virtude", Sade foi encarcerado durante seus últimos 13 anos de vida em um hospício. A personagem Juliette, no entanto, não sofreu as mesmas sanções que o autor, pois, filha de um banqueiro, obteve a complacência da Justiça. A metáfora para a ganância de uma sociedade que adapta seus padrões éticos de acordo com os ganhos financeiros está em "A Prosperidade do Vício - Uma Viagem (Inquieta) pela Economia", do economista francês Daniel Cohen.

"O título de Sade, para os economistas, remete a Malthus, para quem a prosperidade é alcançada através do controle populacional. Guerras, epidemias e outros males seriam, então, benéficos para a sociedade", diz Cohen, que traça a história da economia ocidental, enquanto reflete sobre a relação do dinheiro com a satisfação.

"Depois que se ultrapassa um certo patamar, a riqueza não altera os níveis de frustração. A pressão social faz as pessoas sempre desejarem ter mais dinheiro que os vizinhos", afirmou Cohen, em entrevista ao Valor Econômico.

O dinheiro que compra a conivência com a transgressão também modificou conceitos morais, mas nem sempre visando apenas o bem-estar de pequenos grupos, observa Cohen.

"No século XVIII, na Europa, houve uma modificação do status moral da ganância, que passou a não ser mais considerada um mal, um vício, já que traria prosperidade e paz", diz o economista. Entretanto, a história mostra que paz e prosperidade nem sempre caminham juntas, lembra Cohen - tanto que justamente durante uma época de "prosperidade partilhada" eclodiu a Primeira Guerra Mundial. Se a Europa hoje se apresenta como o continente da paz e da prosperidade, diz Cohen, "é ao preço de uma formidável amnésia de seu passado recente". Para o economista, o maior risco no século XXI é a repetição, em nível planetário, da história do Ocidente, que, em quatro séculos de proeminência europeia sobre outros povos, terminou na barbárie da Segunda Guerra Mundial.

Vice-presidente da École d'Économie de Paris e professor da École Normale Supérieure, Cohen alterna observações históricas e esclarecimentos de economia em linguagem acessível a leigos. Um exemplo está nas páginas em que ilustra o perigo do consumismo desenfreado, que considera uma droga com milhões de dependentes e poder suficiente para "destruir nossa civilização".

Cohen sugere aos leitores que imaginem as consequências para a Terra se os chineses que utilizam bicicletas decidissem trocá-las por automóveis:

"O planeta não consegue absorver tantos consumidores sem uma radical reorientação das normas em que se baseiam nossos padrões de crescimento. Hoje, na nova era do vício, para obter relevância social é preciso crescer financeiramente, ou seja, enriquecer ou perecer".

O economista responsabiliza a avidez por consumo das famílias americanas por seu "formidável endividamento" e pela derrocada do sistema hipotecário, que resultou na crise financeira global.

O pessimismo de Cohen quanto ao futuro de um planeta exaurido pela ocupação predatória dos povos é compensado por sua confiança nos propósitos conservacionistas das novas gerações, ainda que faça ressalvas a formas de uso da internet, onde "florescem tanto os laços entre amantes de música quanto redes de pedófilos". Cohen ressalta que nada tem contra a rede, cuja criação considera tão importante quanto a invenção da máquina a vapor e da eletricidade, há 200 anos.

Para Cohen,
"Os novos recursos sociais que a internet proporciona são, no mínimo, ambíguos. Os jovens estão ansiosos para usufruir de seus 15 minutos de fama, enquanto prostituição e dinheiro se apresentam como valores em qualquer canto da rede. É o mesmo velho mundo, com uma nova roupagem. O que anima é que esses mesmos jovens acreditam na necessidade da proteção ambiental. Isso faz parte da cultura deles, exatamente como acontece com a internet."

Embora se mostre descrente, Cohen tem esperanças de que haja cooperação entre os povos para reduzir as agressões ao ambiente. "Em tempos de crise, alinhar-se é uma regra difícil, pois significa fazer concessões para o bem público. A cooperação é a principal questão problemática no mundo atual. (...)

Texto extraído de: A riqueza material espelhada na perda dos sentimentos morais, de Olga de Mello para Valor On Line, 7/12/2010.

DANIEL COHEN. A Prosperidade do Vício - Uma Viagem (Inquieta) pela Economia. Tradução de Wandyr Hagge. Zahar. 200 págs., R$ 34,00

Marcadores: meio ambiente; desenvolvimento; sustentabilidae;riqueza.

Nenhum comentário: