Ela era uma negra alta e magra, vestia sempre o mesmo vestido cinza que lhe caía até aos tornozelos e, atravessado em suas ancas estreitas, quase sempre carregava um negrinho, dos doze filhos que tivera. Na vila acanhada, Maria Saracura era a única mulher pública e por seu miserável casebre, isolado das casas de família, passavam os bêbados, os rapazes em busca de experiência e mesmo alguns pais de famílias respeitáveis.
Sobrevivia do que lhe davam os homens e da pesca no pequeno Córrego Preto. Tinha uma maneira peculiar de amarrar o vestido na altura das coxas e, tomando de uma sacola, caminhava ao longo do córrego, pescando com as mãos nas locas onde se escondiam os peixes.
Minha avó, criatura pacífica e bondosa, manifestava violenta antipatia por aquela pobre mulher. Certa vez, Maria Saracura aparecera pedindo-lhe café e, na sua ingenuidade tola, para agradecer o favor recebido, ofendeu a dona da casa, dizendo-lhe: “Vosmicê pode ficar tranqüila que, se eu servir ao vosso marido, não vou contar pra ninguém!”
O ofício granjeou-lhe o desprezo e a antipatia das outras mulheres de Vilas Boas; por conseguinte, os moleques passaram a tratá-la com maldade. Maria Saracura atravessava a vila em passo rápido, olhando ao redor, e, se via a aproximação dos moleques, punha-se a lançar vitupérios e palavras obscenas. Os mais atrevidos corriam por trás dela para lhe puxarem a saia ou acompanhavam o seu passo fazendo-lhe agravos. De suas casas, as mães observavam a cena gozando o acontecimento, ou procuravam interferir, se a Saracura, voltando-se rapidamente, punha-se no encalço dos moleques.
Seu aspecto grotesco e sua violenta reação às malvadezas das pessoas impunham-me um respeito temeroso. Se alguém avisava – lá vem a Maria Saracura! – corria instintivamente para dentro de casa e lá ficava à porta, vendo o que se sucederia.
O que atenuava as relações de Maria Saracura com a comunidade era sua numerosa prole, filha não se sabe de quem ou de quantos. Os filhos vinham-lhe seguidamente. Ela os paria sozinha, à beira do córrego, para onde levava o pouco de que necessitava – uma bacia e panos para embrulhar o recém-nascido. Depois, ali se banhava e, quando voltava para casa, subia caminhando a ladeira da rua com a criança no colo e satisfação estampada no rosto. As mulheres lentamente aproximavam-se, inquietas, na expectativa medrosa de descobrir na criança os traços fisionômicos de seus maridos ou filhos.
Sorriam aliviadas, a criança se parecia com Maria Saracura, rosto sofrido de tantas mulheres!
Márcio José dos Santos
Escrito em Setembro de 1998.
3 comentários:
Histórias e mais histórias... Lendo os seus textos, me remeto ao passado e me lembro de fatos semelhantes ocorridos em minha infância. Muito bom...
Márcio, o povo de Vilas Boas (os que se lembram da personagem em questão) dizem que ela se chamava Ana Saracura e não Maria.
Zezé, o pessoal está correto. Entretanto, achei conveniente mudar o nome da personagem, para não melindrar pessoas.
Um grande abraço.
Márcio
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