A reportagem é de Léo Rodrigues, publicada por Agência Brasil, 03-12-2019.
Em parceria com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública com objetivo de impedir a continuidade do processo de licenciamento ambiental de um empreendimento minerário a ser instalado no norte de Minas Gerais. Trata-se de um projeto conduzido pela empresa de capital chinês Sul Americana de Metais (SAM), subsidiária da Honbridge Holdings.
Originalmente chamado Projeto Salinas, depois Projeto Vale do Rio Pardo e atualmente de Projeto Bloco 8, o empreendimento prevê a instalação de um complexo minerário para explorar jazidas nos municípios mineiros de Grão Mogol e Padre Carvalho. É prevista a construção de barragens de rejeitos, uma usina de beneficiamento de minério e um mineroduto de 480 quilômetros que atravessaria 21 cidades e chegaria até Ilhéus, no litoral baiano. A previsão é que sejam produzidas anualmente 30 milhões de toneladas de minério.
Para o MPF e o MPMG, houve fracionamento indevido no processo de licenciamento. Dessa forma, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad) agiriam de forma ilegal se a análise prosseguisse. Em nota divulgada conjuntamente, as duas instituições judiciais revelam ainda preocupação com as dimensões do projeto.
“Por se tratar de minério com baixo teor de ferro (20%), haverá a remoção de milhões de toneladas de material estéril, sem valor comercial, que serão depositados em três reservatórios. O maior deles, localizado na cabeceira do Córrego Lamarão, terá capacidade para 1,3 bilhão de metros cúbicos de rejeitos. Os outros dois teriam 524 milhões de metros cúbicos e 168 milhões de metros cúbicos, totalizando 2,4 bilhões de metros cúbicos, registra o texto divulgado pelo MPF e pelo MPMG.
Os reservatórios previstos no projeto são bem maiores do que as barragens envolvidas nas tragédias que ocorreram em Minas Gerais nos últimos anos. A estrutura da Samarco, que se rompeu em 2015 no município de Mariana, causando 19 mortes, tinha capacidade para 56 milhões de metros cúbicos (m³) de rejeitos. Já a barragem da Vale localizada em Brumadinho, cujo rompimento provocou mais de 250 mortes em janeiro de ano, poderia armazenar até 12 milhões de m³.
Licenciamento
De acordo com o MPF e o MPMG, o empreendimento já tinha sido considerado inviável pelo Ibama em 2016. O Ibama reprovou a instalação do projeto após avaliar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pelas empresas. “De lá para cá, os empreendedores, ao invés de reformular o projeto, adequando-o às exigências ambientais, insistiram com a mesma concepção. Diante da resistência dos órgãos técnicos do Ibama, optaram por um desmembramento que só existe no papel”, afirmam o MPF e o MPMG. Para os dois órgãos, trata-se de uma manobra para driblar a legislação federal e estadual.
Em 10 de outubro de 2017, a Semad chegou a enviar ofício ao Ibama levantando a possibilidade de transferir o licenciamento da mina para a esfera estadual, ficando o órgão federal responsável apenas pela avaliação do licenciamento do mineroduto. A ideia foi descartada. O Ibama reafirmou sua competência para analisar todo o processo já que o empreendimento alcança dois estados da federação e a separação impediria uma avaliação integrada dos efeitos do projeto.
Após a negativa, a SAM requereu o cancelamento e arquivamento do pedido de licenciamento em 14 de novembro de 2017. Porém, de acordo com o MPF e o MPMG, a empresa reapresentou à Semad na semana seguinte a solicitação trocando o nome do empreendimento para Projeto Bloco 8. O mineroduto que chegaria até a Bahia foi excluído no novo pedido.
“Essa exclusão, no entanto, só existiu no papel. Em agosto de 2018, durante reunião realizada com o MPMG, a empresa confirmou que o empreendimento continuará funcionando em conjunto com o mineroduto, do qual é dependente, e que a alteração se deve unicamente ao fato de que outra empresa ficará responsável por sua instalação e operação. Acontece que esta outra empresa, Lotus Brasil Comércio e Logística, foi criada pela própria SAM em 13 de novembro de 2017, portanto, uma semana antes do pedido de licenciamento do mineroduto como empreendimento independente”, denunciam o MPF e o MPMG.
Recomendação
Apontando violação de leis federais e estaduais, o Ministério Público de Minas Gerais chegou a expedir recomendação ao governo mineiro para que arquivasse o processo. A Semad respondeu dizendo que não acataria o pedido, justificando que a mina e o mineroduto seriam operados por empresas distintas. Em 26 de julho de 2019, o Ibama também se manifestou autorizando o prosseguimento da análise do órgão mineiro.
Na ação movida, o MPF e o MPMG sustentam que o argumento é improcedente, já que ambas as empresas pertencem ao mesmo grupo e atuam conjuntamente. Dessa forma, a prerrogativa da análise seria do Ibama, que também é criticado no processo por adotar posição que estaria contrariando pareceres internos de sua própria equipe técnica.
Procurada pela Agência Brasil, a Semad informou que ainda não foi notificada da ação e não teve acesso aos argumentos apresentados pelo MPF. Já o Ibama argumentou, em nota, que não se trata de fracionamento do licenciamento, pois a mina e o mineroduto seriam dois empreendimentos distintos. Assim, a avaliação ambiental conjunta não poderia ser imposta pelo órgão federal. “A competência para licenciamento do empreendimento minerário é originalmente do estado, enquanto o mineroduto, que passa por nove municípios em Minas Gerais e 12 na Bahia, deve ser conduzido necessariamente pelo Ibama”, acrescenta o texto divulgado.
Ainda segundo o órgão federal, o empreendedor é responsável pela avaliação dos riscos e benefícios de eventual interdependência econômica entre os projetos. “O porte dos empreendimentos torna necessária a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental em ambos os casos, o que assegura a análise de eventuais efeitos cumulativos e sinérgicos”, sustenta o Ibama. A Agência Brasil também tentou contato com a mineradora, mas não obteve retorno.
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