Dez denúncias por dia só em
BH dão a dimensão da violência contra idosos em Minas
Crimes vão de
agressões psicológicas a físicas, passando por maus-tratos, extorsão e
abandono. Muitas vezes, os próprios familiares são os agressores. Ministério
Público faz cerco a casas de apoio filantrópicas e particulares.
postado em 18/08/2019
A rede de proteção ao idoso em Minas não está preparada
para atender ao crescente aumento de casos de violência contra os que
têm mais de 60 anos, que podem ser tornar cada vez mais comuns com o
processo de envelhecimento da população brasileira. Somente em Belo
Horizonte, a Delegacia de Proteção ao Idoso recebe em média 10 casos por
dia. Maus-tratos aos moradores da Casa dos Idosos Acolhendo Vidas, em
Santa Luzia, e estupro seguido de assassinato de homem de 87 anos na
própria residência, em Montes
Claros, expuseram a face da insegurança de pessoas na terceira idade.
Casos como esses levaram a Delegacia de Proteção ao Idoso de
Belo Horizonte a instaurar 2 mil inquéritos, que
atualmente apuram crimes contra pessoas desse grupo denunciados na capital.
Eles vão de psicológica a física, passando por apropriação indevida de bens ou
proventos. Cerca de 40% do total diz respeito a ameaças, brigas e lesões
corporais. “O idoso fica em situação de debilidade e doença e precisa de alguém
que cuide dele. Muitas vezes, o familiar se apropria do cartão de recebimento
de proventos”, informa Margareth Travessoni, delegada titular da unidade.
Nos casos de violência sofrida em casa, o idoso não
conta com local onde possa ficar até que o agressor, que na maioria das vezes é
alguém da família, seja afastado. Em relação às instituições cadastradas, o
procurador Bertoldo Mateus Oliveira Filho, coordenador estadual de defesa do
idoso, afirma que não há irregularidades nas 28 instituições filantrópicas da
capital, sendo 24 delas com parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte, nem
nas 100 particulares, algumas das quais se assemelham a hotéis de luxo. No
entanto, há uma rede de instituições clandestinas, que mudam o nome social e o
CNPJ para não ser encontradas pela fiscalização. “A casa em Santa
Luzia não era filantrópica nem particular. Era clandestina, e revela
face triste que é o público de idosos institucionalizados em locais
clandestinos. Em muitos desses casos, os familiares não têm afetividade com o
idoso nem se importam com a sorte dele. Deixam-nos nesses locais em total
abandono”, afirma.
O Conselho Municipal de Idoso em Belo Horizonte recebeu
denúncia contra instituição que deveria ser o local de salvaguardar a
integridade do idoso, mas fraudava documentos para fazer uso de benefícios. O
Estatuto do Idoso estabelece que as instituições sejam inscritas nos conselhos
municipais e nas vigilâncias sanitárias, mas muitas não seguem esse
procedimento. “Fazemos visitas às entidades. Quando tem denúncia,
vamos com a Vigilância para averiguá-la. Temos verificado que muitas
instituições não fazem contratos com o idoso”, afirma Sandra de Mendonça
Mallet, analista de políticas públicas e secretária-executiva do Conselho
Municipal do Idoso de Belo Horizonte. Ela lembra que o conselho já recebeu
denúncias contra instituição que estava praticando extorsão contra o cliente.
“A instituição fechou. O idoso foi enviado para asilo em Santa Luzia com a
mesma prática. Ele fugiu, foi até a delegacia e conseguiu denunciar”, relata.
Diante dessa realidade, o Ministério Público de Minas Gerais,
por meio da Coordenadoria Estadual de Defesa dos Idosos, quer fechar o cerco
aos criminosos. Nos últimos dias, intensificou a fiscalização nas instituições
filantrópicas e particulares. “Temos que fechar o cerco e impor sanções duras
que desestimulem pessoas e instituições a cometer maus-tratos e tortura aos
idosos, crimes muito graves”, afirma procurador. A violência contra o idoso
pode ser psicológica, por negligência, física, sexual, financeira e
patrimonial.
Estudo traça perfil do idoso na rede filantrópica
Belo Horizonte conta com 28 casas filantrópicas e 100 particulares.
Somente na rede filantrópica, são cerca de 1 mil pessoas com mais de 65 anos.
Até o fim do ano, a Coordenadoria do Idoso pretende traçar diagnóstico preciso
do perfil dos idosos nessas instituições filantrópicas. Estão sendo
realizadas visitas in loco e posteriormente os idosos deverão ser ouvidos.
Mesmo sem irregularidades, as 28 instituições precisam passar por reformas. O
procurador Bertoldo Mateus Oliveira Filho, coordenador estadual de defesa
do idoso, lembra que a maior parte delas se instalou em edifícios adaptados, o
que exige obras para melhorar a acessibilidade e rede elétrica, por exemplo.
“Em 2017, conseguimos aprovar reformas para todas as instituições
filantrópicas. As obras de melhoria estão sendo realizadas neste ano”, diz.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza como idoso todo
indivíduo com 60 anos ou mais. No Brasil, 28 milhões de pessoas estão nessa
faixa etária, 13% da população do país. De acordo com projeções do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual tende a dobrar nas
próximas décadas. Segundo a pesquisa, em 2043, a proporção de jovens até 14
anos será de 16,3%. “Não estamos preparados para o processo de envelhecimento
da população. Daqui a pouco, a curva demográfica deverá se inverter no Brasil.
Teremos mais pessoas idosas do que jovens”, afirma o procurador.
ESTATUTO
O Estatuto
do Idoso foi sancionado em outubro de 2003 e prevê direitos nas áreas
da previdência, assistência social e habitação. Também determina que a
fiscalização das entidades governamentais e não governamentais de atendimento
ao idoso deve ser feita pelos conselhos do Idoso. As entidades que deixam de
cumprir as determinações podem pagar multa que varia de R$ 500 a R$ 3 mil,
podendo haver até a interdição do estabelecimento.
O estatuto ainda tipifica como crime dificultar acesso prioritário nos
bancos, desdenhar e humilhar, deixar de prestar assistência ao idoso e o
abandono em casas de saúde e hospitais. “Não pode haver o abandono material
e/ou psicológico. O familiar não pode simplesmente pagar uma casa de repouso
para o idoso e não aparecer mais. A falta de contato com os familiares fere a
integridade psíquica do idoso. Ele precisa de atenção, carinho e o convívio com
a família”, diz a delegada Margareth Travessoni.
A responsável pela Delegacia de Proteção ao Idoso de Belo Horizonte
elenca também outro crime que costuma ser cometido contra os maiores de 60
anos: o uso de procuração para administrar os bens em causa própria do portador
do documento. “A maioria dos casos de violência vem da família. É muito triste.
O filho pega o cartão de banco do idoso. A filha que mora em outra casa diz que
quer ficar com idoso. Não quer cuidar dele, mas quer o dinheiro”, afirma a
delegada. Casos de violência e maus-tratos podem ser apresentados anonimamente
no Disque Denúncia 181.
Por sua vez, o procurador defende que uma medida importante para
minimizar a violência contra o idoso é a construção de uma casa de acolhimento,
a exemplo do que prevê a Lei Maria da Penha para mulheres
vítimas de violência. “A maior parte da violência parte da família. Ele vai
denunciar e terá que voltar para casa, para junto do agressor, que muitas vezes
é usuário de drogas e violento”, diz o procurador. Os médicos que atendem
idosos nos hospitais devem fazer a notificação compulsória quando detectarem que
o idoso sofreu violência. “Ele teria que ter um lugar para ficar até sair a
medida protetiva e ocorrer o afastamento ou a prisão do agressor”, completa.
É CRIME
O que diz o Estatuto do Idoso
Artigo 96
Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a
operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por
qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por
motivo de idade. Pena de reclusão de seis meses a um ano e multa.
Parágrafo 1 º – Na mesma pena incorre quem desdenhar, humilhar,
menosprezar ou discriminar pessoa idosa, por qualquer motivo.
Parágrafo 2º –A pena será aumentada de 1/3 (um terço) se a vítima se
encontrar sob os cuidados ou responsabilidade do agente.
Artigo 97
Deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem
risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou
dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos,
o socorro de autoridade pública. Pena de detenção de seis meses a um ano e
multa.
Parágrafo único – A pena é aumentada de metade se da omissão resultar
lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resultar em morte.
Artigo 98
Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa
permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando
obrigado por lei ou mandado.
Pena de detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa.
Artigo 99
Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica do idoso,
submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e
cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho
excessivo ou inadequado. Pena de detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e
multa.
Parágrafo 1º – Se do fato resultar lesão corporal de natureza
grave. Pena de reclusão de um a quatro anos.
Texto obtido em: Estado de Minas, jornal. https://mail.google.com/mail/u/0/?tab=wm&ogbl#inbox/FMfcgxwDqngTbGWSFtQlMsWwrZgMVCJG
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