Em 12 de abril passado, quarta-feira, a France Télevions apresentou um documentário realizado pelo jornalista Zinedine Boudaoud sobre a mineração a céu aberto ao lado da zona urbana de Paracatu. Foi um documentário primoroso, buscando os vários aspectos dos impactos socioambientais gerados e as consequências na saúde e na vida das pessoas aqui residentes. Preocupou-se também em mostrar a omissão e o descaso das autoridades públicas, à vista do seu comprometimento com o poder econômico representado pela mineradora.
O documentário teve ampla repercussão na mídia francesa e de lá recebemos alguns recortes de matéria jornalística avaliando o conteúdo do vídeo. Lembramos que não é a primeira vez que a mídia francesa trata deste assunto, que aqui no Brasil é quase silenciado... e quando se fala nele é para destacar os argumentos da mineradora. Há cerca de dois anos tivemos uma matéria da Rádio França Internacional falando dos impactos da mineração aurífera em Paracatu.
Para quem quiser assistir o vídeo, clique AQUI para acessar o link. A maioria das pessoas terá dificuldade com o áudio em francês, embora seja possível entender o que se passa através das imagens.
Uma matéria publicada no jornal parisiense Le Canard Enchainé, feita pelo jornalista Sorj Chalandon, muito conhecido e respeitado na França, é bem explicativa e didática para entender o filme (embora ele tenha me chamado de José Márcio, e não Márcio José, rsss). Eis aqui a imagem da página do jornal que veiculou a matéria.
Achei que valeria a pena traduzir a matéria e, então, com os meus parcos conhecimentos de francês adquiridos no ginasial feito no Colégio de Viçosa, arrisquei-me traduzi-la. Que me sejam perdoados os erros de tradução, porque é boa a minha intenção!
Pilhérias à mina
O geólogo Márcio José dos Santos
vai falar sobre ouro. Atrás dele a mina de Paracatu no Brasil. Cerca de 110 km2,
o maior jazimento a céu aberto do mundo. O especialista destaca um fragmentos de
rocha. "Estes pequenos pontos vermelho-escuros são manchas de ferro,
chumbo, prata e arsênio." Seu dedo passeia na pedra. "Para extrair um
grama de ouro, você deve utilizar 2,5 toneladas. E estes 2500 quilos de rocha
contêm 7 quilos de arsênio. "Paracatu não é uma mina de ouro, mas uma mina
de arsênio."
Durante trinta anos, o grupo
canadense Kinross Gold Corporation escava a terra na região para extrair o
metal precioso. Explosões sacodem a cidade todas as tardes antes do ballet de
tratores e caminhões transportando o material detonado para as instalações de
beneficiamento de minério.
Cava do ouro
Ali, a pedra é tratada com água,
oxigénio e ácido para liberar o ouro, mas também o arsênio fixo na rocha. E se
o ouro extraído vai para o Canadá, o arsênio, ele próprio, permanece no Brasil.
Ele é depositado, dia após dia, em duas barragens de resíduos tóxicos. O
primeiro depósito tem 110 metros de altura, o segundo 70. Eles foram construídos
em terra, por razões de economia. E eles alimentam os rios.
O arsênio está no solo, no ar, em
todos os lugares. "Veja água da
minha propriedade", disse uma mulher. Ela é fervida. Gradualmente, o
líquido torna-se branco como leite e desprende um vapor espesso. Uma mulher tem
câncer. "A culpa é sobre o arsênio",
explica ela. Uma menina também desenvolveu a doença. E perdeu seu filho. Pregada
a uma cadeira de rodas, ela acusa a mina. Mais adiante, um homem mostra seu
rosto coberto de pústulas. Em todos os lugares, as pessoas queixam-se de dores
de cabeça, dores musculares, abdômen inchado, problemas urinários, diabetes ou hipertensão.
Sem estudo epidemiológico, o
geólogo Dos Santos pagou do seu bolso testes para provar que o ar, água e
alimentos estavam contaminados. Resultado claro: todos os 34 moradores
testados, incluindo crianças, tinham níveis muito mais elevados de padrões de
arsênio. O rio local atingiu uma concentração de veneno cerca de 190 vezes acima
do permitido pela legislação brasileira. E o ar, 67 vezes mais do que o normal.
Em resposta aos ataques, a mina
tem feito suas próprias amostragens. O caso tem sido trabalhoso. Depois de
quatro resultados diferentes - que não foram transmitidos à população - o grupo
canadense disse que o índice de contaminação era "sem preocupação". E
a municipalidade permaneceu surda às preocupações. "Basta!" diz o prefeito aos repórteres muito curiosos. Deve ser
dito que a mina fornece 1600 empregos diretos na cidade e paga impostos pesados
sobre a produção de ouro. Então, vamos embora, não há nada para ver! Os
opositores da mina foram intimidados. Alguns até mesmo ameaçados de morte. Os
jornais que protestam perdem sua publicidade. E nada se consegue, sem queixas
ou ações coletivas. O promotor de Paracatu também se recusou a falar. Sua filha
é advogada consultora da empresa de mineração ...
Outras imagens de matérias que recebemos sobre o documentário:
Na conclusão, a jornalista Juliette Démas afirma: "nada é e nem será feito. Em Paracatu, tudo só pode piorar." |
Título da matéria: "No Brasil, a saúde destruída pelo ouro." |
O maior jornal da França, Le Figaro, assim se refere ao documentário:
Le Figaro –
Informations
Genre :
Documentaire - Santé Année : 2017
Résumé de L'or à tout prix
Paracatu est une ville brésilienne de 84 000 habitants située dans l'État du Minas Gerais, au Brésil. Elle est surnommée «la Cité de l'or», mais devrait plutôt être appelée «la Cité de l'arsenic». Le nombre de cas de cancers et d'autres maladies graves y croît anormalement. Les pathologies répertoriées sont graves : cancers de toutes sortes, graves affections neurologiques accompagnées de paralysie, syndrome de Guillain-Barré, troubles auditifs, baisse de l'acuité visuelle. L'origine du mal ? L'arsenic libéré dans l'air et dans l'eau par la plus grande mine d'or à ciel ouvert du monde.
Resumo:de Ouro a qualquer preço
Paracatu é uma cidade brasileira de 84.000 habitantes situada no Estado de Minas Gerais, no Brasil. Ela se intitula de “a cidade do ouro”, mas deveria ser chamada “a cidade do arsênio”. O número de casos de cânceres e outras doenças graves tem crescido anormalmente. As patologias reportadas são graves: câncer de todo tipo, graves afecções neurológicas acompanhadas de paralisia, síndrome de Guillain-Barré, problemas auditivos, perda de acuidade visual. A origem do mal? O arsênio liberado no ar e na água pela maior mina de ouro a céu aberto do mundo.
12 comentários:
Essa é a herança que a empresa está deixando para a cidade. No início acreditava-se que a mesma era sinônimo de progresso, empregos e de uma vida melhor para quem vivia na cidade.
É triste ver Paracatu assim...sempre que volto a cidade sinto um ar mais pesado, vejo um lugar cinza...não vejo melhorias nem desenvolvimento...essa empresa só entregou migalhas e muitos ainda defendem ou se escondem por puro comodismo.
Parabéns Professor Márcio pela causa que você defende.
Conheci a situação da mineração ao redor de Paracatu ao ler uma reportagem numa agência de notícias há cerca de uns dois anos. Realmente preocupante.
PS: tragédia é com "g", mas, no momento em que leio o artigo está com "j"
Amigo desconhecido, agradeço a sua participação e ainda mais o apontamento do erro ortográfico. Na hora de corrigir provas de meus alunos, pensarei nisso... Sinceramente, obrigado.
Parabens pela matéria. fico triste pelas autoridades nao fazerem nada. Dinheiro está realmente comprando tudo. Fato. Deus nos proteja
Caro Márcio, é sério que a filha do promotor de justiça da comarca é advogada da empresa?
Isso pode?
Um abraço e parabéns pela repercussão do caso, pelo menos na França.
Pobre Minas e Paracatu - viver para matar, gerar renda e empregos promovendo a desgraça coletiva!
As explosões SACUDEM???
Amigo anônimo, agradeço o apontamento do erro ortográfico. Foi corrigido.
Parabéns, Márcio, e muito agradecido pela postagem de tão importante documento. Comunhão totalmente com vc a preocupação com minha querida Paracatu. ABS
Parabéns, Márcio fico super agradecida pela demonstração de carinho pela nossa cidade Paracatu.Fico triste pelas autoridades tratar um assunto tão sério com total descaso. A sua reportagem expressa admiração, respeito e carinho.
Somos vítimas também dessa empresa, ela invadiu terras do meu pai e estamos lutando na justiça para receber os nossos direitos na região de Santa Rita. Foi uma pena a gente não ter participado com você. Mas estamos a sua disposição.
neidecavelino@gmail.com
A mim, pouco importam os eventuais deslizes ortográficos de quem ousa escrever.
A 'tragédia' que deveria 'sacudir' os ânimos do leitor é essa retratada pelo professor Márcio.
Em que país vivemos?...
Olá! Prof. Márcio!
Muito me inteirei mais ainda, assistindo ao vídeo, acerca desta tragédia paracatuense! Quando aí cheguei, nos idos de 1978, ainda em fase de pesquisa desta mina, era algo que se falava nas rodas dos companheiros de trabalho não só da outra mineradora, a que eu estava adentrando para trabalhar, como também a que estava em pesquisa no local em que hoje se tornou esta mineradora, do progresso que estava pra acontecer na cidade, tendo em vista duas mineradoras que trariam inclusive altos tributos aos cofres públicos do município.
Não dá pra acreditar numa tamanha irresponsabilidade daqueles que se diziam e dizem representantes públicos de uma comunidade. É claro que dá pra ver e entender que a MENTIRA sobrepuja a HONESTIDADE; não só daqueles que na época ficaram sabendo dessas consequências, como também, dos que aí hoje estão e não obstante "mostrarem" publicamente servidores dos direitos do povo, na verdade obliteram suas irresponsabilidades no mar de lama dentro de suas "consciências".
De fato, há de se pensar, como será mesmo que eles dormem, sim pois que é no travesseiro que há um tempo maior de pensar naquilo que se faz ou fez de bem ou de mal, admitindo que cada um pense se aceitariam o inverso, ou seja, eles sendo destruídos pelo semimetal As.
Eu penso que no mínimo, no mínimo estas falsas autoridades deveriam sair de fininho, com alguma desculpa qualquer, deixando pra outro que tivesse maior coragem de proteger o povo honestamente, contra os “poderosos” da mineradora de arsênio.
Ademais, dá pra entender mais ou menos o que está acontecendo, se compararmos o quadro sócio-político aí existente com o quadro sócio-político pelo qual o Brasil está atravessando, com vistas a um exemplo de judiciário de Curitiba, na pessoa do Juiz Sérgio Moro.
Já imaginou um homem desse, ou um da qualidade desse, aí em Paracatu, tendo conhecimento desta farsa?
O problema maior talvez nem seja muito com a empresa, mas com a omissão daqueles que deveriam representar efetivamente e honestamente o povo.
Eu vejo, prof. Márcio, sua bandeira ao mastro balançando ao vento, erguida!
Tenho convicções de que não muito tempo chegará a hora de que isto irá acabar e que sua trajetória de proteção ao meioambiente e ao povo de Paracatu será conclamada com glórias e alegrias à esta tão simples e generosa comunidade.
Mais uma vez Professor, meus parabéns pela luta, pela dedicação, pelo carinho e amor com que vem demonstrando a todos e sobretudo a si próprio, o que é verdadeiramente amar o próximo.
Saudações Paracatuenses!
GBotari
Olá, Professor Márcio,
Muito boa esta matéria, serve de exemplo para outros municípios brasileiros e do mundo, um alerta em questão do surgimento de muitas doenças ou intensidade que alguns tipos patológicos ocorrem, desenfreadamente.
Acredito que a busca da cura para determinados tipos de doenças é muito importante, porém existe um descaso para a pesquisa de como elas ocorrem com grande frequência em determinadas regiões, talvez, não digo a cura, mas minimização dos altos índices esteja mitigação de sua fonte, ou paralisação.
Parabéns.
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