Com três matérias publicadas em 26 de maio/2015, o jornal global El País denunciou a contaminação ambiental por arsênio, o impacto territorial da mina sobre a cidade de Paracatu e a destruição dos povoados e da cultura quilombola pela mineração aurífera. Os links de acesso às três matérias estão abaixo. Boa leitura! http://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/25/politica/1432561404_705347.html
Paracatu (MG) — A cerca de 200km de Brasília, uma comunidade vive lado a lado com toneladas de uma substância tóxica. O arsênio liberado pela maior mineradora de ouro a céu aberto do país — distante 250 metros do centro urbano — afeta a vida de mais de 90 mil pessoas que moram no município mineiro de Paracatu. O medo dos efeitos nocivos do composto tem resultado em audiências públicas, além de visitas de representantes de organizações não governamentais e de acadêmicos à cidade. Sobretudo, tirou a população da inércia. Alguns moradores buscaram diagnósticos laboratoriais para comprovar indícios de uma suposta contaminação em massa. O caso, denunciado há pouco mais de dois meses pelo Correio, teria relação com taxas crescentes de câncer na região.
Com exames nas mãos que atestam alto índice de arsênio no corpo, moradores — entre eles, pequenos agricultores e ex-funcionários da empresa — pretendem mostrar que são vítimas de uma história iniciada na década de 1980, com a chegada da primeira mineradora no município. Se antes eles conviviam com a dúvida da contaminação aos recursos naturais e ao ser humano, agora, começam a documentar o que de fato existe. Um dos laudos, de uma pessoa que preferiu o anonimato, mostra índice de arsênio de 15,7µg/g de creatinina, quando o valor de referência é de 10µg/g.
A multinacional canadense Knorss rebate as alegações, amparada em estudos que mostram o baixo teor de arsênio em amostras de águas e sedimentos da cidade, como um relatório realizado entre 2011 e 2013 pelo Centro Tecnológico Mineral (Cetem) — unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, encomendados pela Prefeitura de Paracatu. A agitação do centro urbano está a 15km da propriedade de Irineu Pereira da Silva, 63 anos, próxima ao Ribeirão Santa Rita. O lugar é vizinho de um curso d’água, onde pescar e se refrescar eram hábitos antigos. Tudo mudou com a chegada de duas barragens de rejeito — local onde são depositados resíduos líquidos e sólidos decorrentes do processo de extração do ouro.
O mesmo estudo que atesta o baixo índice de arsênio nos recursos naturais da cidade aponta altos teores da substância nas águas do Santa Rita, com valores de 13,5µg/l a 19,1µg/l de arsênio — o estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) é de até 10µg/l. “Moramos na zona de maior impacto, pois estamos do lado de uma lagoa com arsênio, cianeto e outros metais pesados. Quando a empresa chegou, a nossa água morreu. Tinha peixe, e não tem mais”, contou Irineu. “A minha mulher morreu com câncer de fígado. O que eu quero é ser indenizado e sair daqui.”
O exame de Irineu aferiu índice de arsênio de 5,6µg/g de creatinina urinária — valor abaixo do limite estabelecido em portarias que tratam sobre o tema. Cientistas, contudo, alertam para mudança de padrões nessas análises. Segundo o geólogo e mestre em planejamento e gestão ambiental Márcio José dos Santos, em Paracatu, as pessoas estão expostas naturalmente a um teor maior de arsênio, mas isso não significa dizer que amostras de 7µg/g ou 8µg/g estão livres de contaminação. O discurso é reforçado pelo médico do Departamento de Oncologia do Hospital da Universidade de Berna, na Suíça, Sergio Ulhoa Dani, que enfatiza o fato de não existirem doses seguras do arsênio no corpo, substância denominada por ele como “altamente cancerígena”.
Ações
A Justiça Global, uma ONG com foco nos direitos humanos, prepara relatório sobre o caso de Paracatu, que abordará, entre outras questões, a violação de direitos das comunidades quilombolas (que tiveram terras compradas pela empresa), impactos na saúde da população e o processo de licenciamento para construção das barragens de rejeito. Segundo a pesquisadora da entidade Daniela Fichino, diferentes especialistas estiveram na região. A suposta contaminação por arsênio também estará no texto do documento, previsto para ser publicado até julho. Deputados estaduais de Minas Gerais também programam uma audiência pública na cidade.
Há mais de 40 anos vivendo próximo ao Santa Rita, a agricultora Maria Helena Nunes, 66, não se surpreendeu ao receber o resultado do exame de arsênio, que constatou patamar de 14,2µg/g de creatinina, acima do indicado na Portaria nº 24, de 29 de dezembro de 1994, cujo valor de referência de normalidade é até 10µg/g para população não exposta em serviços. Em nota, porém, o Ministério da Saúde ressalta que esse valor pode variar consideravelmente a depender de fatores ambientais, hábitos alimentares e sociais, entre outros, não podendo ser utilizado como único parâmetro para avaliação do nível de intoxicação humana ao arsênio. “Parentes meus também estão contaminados”, diz a agricultora. Elane Nunes Alves, 36, filha dela, faz relação direta entre os problemas de saúde dos animais da fazenda e a água ingerida por eles próximo das barragens.
O principal jornal londrino - The Guardian - apresentou matéria produzida pelos jornalistas Heriberto Araújo e Anna Veciana, sobre os impactos socioambientais em Paracatu pela exploração da mina de ouro.
Como uma grande parte de nossos leitores não tem conhecimento suficiente para a leitura do texto em inglês, resolvemos apresentar aqui uma tradução livre, que, se não é excelente, pelo menos é inteligível e confiável. Veja a nossa tradução.
Companhia canadense de mineração espionou
opositores e ativistas no Brasil
Ambição da
Kinross Mining Company de criar mina de maior produção de ouro no Brasil maculada
por riscos à saúde e ameaças a ativistas e opositores.
Apesar de sua idade avançada, Juliana Morais da Costa ainda
tem força suficiente em suas mãos para segurar a pesada bateia. "Eu
comecei a garimpar ouro quando eu tinha cinco anos. A gente começava às 5 de
manhã e ia até às 4 da tarde. Foi um trabalho difícil, mas eu fiz isso porque era
a única maneira de ser economicamente independente ", lembra Morais, 86
anos.
Paracatu, cidade onde ela mora, é o epicentro da
produção mineral do Brasil, no norte do estado de Minas Gerais, que gera
quase um terço da produção total da mineração do Brasil.
A exploração de ouro em Paracatu começou ainda em
1722. Mas os dias dos garimpeiros, ou caçadores de ouro, estão muito longe.
Desde os anos 1990 a exploração passou das margens do rio para depósitos
subterrâneos. Dinamite, escavadeiras e produtos químicos substituíram os
garimpeiros, que foram empurrados para fora de um negócio que tinha sustentado centenas
de famílias.
Preços crescentes
do ouro
Em 2005, a empresa canadense Kinross - que é listada
na New York Stock Exchange e possui minas de ouro no Chile, Estados Unidos,
Rússia e Gana, entre outros países - assumiu a concessão mineira em Paracatu.
Durante um período em que os preços do ouro subiram para novos patamares
históricos em mercados globais, a Kinross investiu US $ 1,86 bilhão no negócio,
triplicando a produção anual para as atuais 15 toneladas e tornando a mina de
ouro de Paracatu a mais produtiva no Brasil. Como o ouro em Paracatu não assume
a forma de grão ou pepita, mas de pó, a empresa teve que intensificar
enormemente as atividades de mineração para manter a produção. Hoje, cerca de 160
buracos de dinamite são detonados diariamente para escavar o Morro do Ouro, o Golden Hill, como os moradores
referem-se à área onde os principais depósitos são encontrados.
Em consequência, a geografia local foi profundamente
transformada. Quando nos aproximamos da área de lavra constatamos uma imensa
cratera que abrange 615 hectares, a metade do tamanho do Aeroporto de Heathrow,
e se assemelha a uma paisagem lunar. Os únicos sinais de vida são os bulldozers imponentes e os veículos “fora
de estrada” que transportam as pedras para a planta de beneficiamento. Lá,
produtos químicos tóxicos, incluindo cianeto, são empregados para separar o pó
de ouro, que é mais tarde fundido em lingotes e transportado de helicóptero para
São Paulo para exportação para o mundo inteiro.
Riscos do Arsênio
para a Saúde
Embora seja difícil negar o impacto visual -, além da área de mineração, duas grandes
barragens do tamanho de mais um Aeroporto Heathrow são utilizados para
eliminação de resíduos tóxicos - muitos argumentam que a mina representa uma
ameaça para o ambiente local e para a saúde dos 90 mil moradores de Paracatu.
Não bastasse o fato de se usar dinamite para retirar as reservas de ouro de
lugares próximos de 200 metros da área urbana, o metal precioso é misturado na
rocha com arsênio, um cancerígeno.
O arsênio é comumente encontrado em minas de ouro, mas
em Paracatu é uma preocupação especial. De acordo com Márcio José dos Santos,
um geólogo e ativista local, para cada tonelada de rocha removida apenas 0,4
grama de ouro é recuperada e 1kg de arsênio é liberado para o ar e as águas
subterrâneas. "Ninguém sabe quanto
arsênio está indo para a cidade. Aqui, o vento sopra de nordeste, significa que
o arsênio viaja no ar desde a mina até a área urbana. As pessoas estão inalando
a poeira tóxica e, consequentemente, estão inalando arsênio ", explica
José. Sergio Ulhoa Dani, um médico local e, também, oponente da mina,
argumentou em um artigo científico recente que "o dano potencial de arsênio em uma mina de ouro como a de Paracatu
poderia impactar sete trilhões de pessoas".
Muitos na cidade questionam se sua vida está em risco,
enquanto a palavra "câncer" tornou-se um tabu. Os dados da Prefeitura
Municipal de Paracatu mostram que a taxa de mortalidade por câncer na cidade é
semelhante ao resto do país. Os críticos argumentam que as estatísticas do
governo local não são confiáveis. Como Paracatu carece de instituições médicas,
os pacientes se deslocam para hospitais localizados a centenas de quilômetros
de distância para receber tratamento e, portanto, não são contados em dados
oficiais da cidade.
Os
opositores enfrentam assédio e ameaças
A posição da empresa também está sendo questionada. De
acordo com documentos vistos pelo The
Guardian e entrevistas com ex-funcionários, vários funcionários da Kinross
trabalharam em uma unidade de inteligência para rastrear qualquer atividade potencial
contra a mina ou a reputação da empresa.
Em entrevista ao The
Guardian, Gilberto Azevedo, gerente geral da mina, negou qualquer risco
para a saúde ou o ambiente. "Nós
monitoramos tudo. As pessoas nada têm a temer, porque nós temos tudo sob
controle. Nós fazemos testes ambientais e biológicos regularmente, e
contratamos fontes externas para realizar estudos. Todos eles mostram que não
há risco." Ele também enfatizou a importância econômica da atividade
da empresa para a região. Em 2014, a Kinross pagou cerca de US $ 10 milhões em
impostos e atualmente emprega 3.300 pessoas na mina, cerca de 8% da população ativa
na cidade.
No entanto, a tensão é perceptível. Enquanto
dirigíamos através das vias públicas que fazem divisa com a mina, um guarda
armado, que vinha seguindo o carro por uma hora, nos fez parar e nos fez
perguntas.
Dezenas de documentos e e-mails internos vistos pelo The
Guardian mostram que em 2012 e 2013 a Kinross tinha uma política de
monitorar regularmente os potenciais adversários em Paracatu, incluindo o ex-prefeito Almir
Paraca - conhecido por contestar abertamente a mina - e vários líderes
sindicais.
"Eles
monitoram os movimentos sociais, políticos, associações de moradores e seus
representantes, ativistas ambientais, líderes sindicais ... Eles até mesmo
monitoram o que alguns dos funcionários da Kinross fazem no seu tempo livre. O
principal objetivo é abafar ou reprimir qualquer ação, manifestação ou
referência contra a empresa de mineração ou seus interesses", disse
uma das fontes, conhecedora das políticas da Kinross, por causa de sua/seu antigo posto na empresa.
Pelo menos duas ativistas locais - Rafaela Luiz Xavier
e Evane Lopes - tiveram que abandonar a cidade nos últimos meses, depois que elas
receberam ameaças de morte, as quais elas afirmam estarem relacionadas a sua
oposição à mina.
"Não temos
nada a ver com isso. A Kinross é uma empresa que dialoga com a comunidade",
diz Azevedo, quando perguntado se a empresa de alguma forma está envolvida nas
ameaças a ativistas. A Kinross também negou estar monitorando ativistas ou
oponentes.
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