Blog do Professor Márcio

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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O Mercado Infantil e as Marcas

“Era uma vez um homem que vivia na Raridade. Depois de muitas aventuras e de longa viagem através da Ciência Econômica, encontrou a Sociedade da Abundância. Casaram-se e tiveram muitas necessidades.”
BAUDRILLARD (1995)


A importância do mercado infantil

De acordo com o IBGE, cerca de 29,6% da população brasileira, hoje estimada em 180 milhões de pessoas, são crianças com idade entre 0 e 14 anos. Portanto, uma população infantil de aproximadamente 53 milhões de indivíduos. Neste conjunto, aproximadamente 8 milhões de crianças entre 2 e 9 anos pertencem às classes econômicas A, B e C. Em 1980, este segmento infantil correspondia a 38,2% da população brasileira. Esta redução proporcional deve-se ao aumento da longevidade e a significativa diminuição na taxa de natalidade do brasileiro nas últimas décadas.

Essa redução proporcional da população infantil no quadro geral da população brasileira não é tão relevante para o mundo dos negócios como o entendimento daquilo que mudou no papel da criança, pois vêm crescendo substancialmente a influência e a participação dela nos processos de compra da família.

A distinção de um mercado infantil, com uma lógica própria de comportamento, é um fenômeno que se verifica mundialmente. Esse mercado é constituído de produtos tradicionais (roupas, alimentos, brinquedos, livros e outros), produtos eletrônicos, serviços, até a adaptação de produtos adultos e de produtos de consumo familiar.
Novos nichos de mercado são criados pela reestruturação e flexibilização do modo de produção capitalista, individualizando as mercadorias produzidas. Tudo é absorvido pelo sistema, incorporado aos objetos industriais e apresentado ao mercado de um modo fascinante.

As transformações econômicas impuseram grandes mudanças sociais. “Com o advento do neoliberalismo e da globalização do capital, o mercado passou a incorporar todos os segmentos da sociedade sob a lógica do consumo, desde recém-nascidos até idosos, independente de etnia, raça, credo, classe ou gênero. O mercado observa no público infantil um consumidor potencial de mercadorias, criando assim condições para se consolidar uma rede de comércio que atenda a demanda de consumo desse novo público.” (SILVA, 2003)

As empresas, atentas a este “novo” mercado, promovem pesquisas mais profundas e análises mais acuradas sobre o poder de compra das crianças e também sobre a sua influência na decisão de compra dos adultos. Reconhecem que é um público que dirige seu olhar para as novidades, consome só o que lhes agrada, sem aceitar imposições e tem predileção por marcas exclusivas. Investigados e desejados, para eles se voltam o mundo da moda e da beleza, empresas de idiomas, restaurantes fast-food, que correm atrás dos anseios desse público com o desenvolvimento de produtos especiais. No Brasil, elas comem de 60% a 80% dos iogurtes, 40% dos refrigerantes, 30% dos sorvetes, 80% dos achocolatados, 100% dos chicletes de bola, de 25% a 30% da produção de roupas. Representam um alvo exclusivo de brinquedos com faturamento anual que ultrapassa 650 milhões de dólares. As duas tendências mais recentes captadas pelas empresas foram os interesses das meninas pelo mundo fashion e dos garotos por peças ligadas ao esporte.

Por que as empresas se dedicam tanto às crianças? Porque, cada vez mais, o dinheiro está concentrado nessa faixa etária. "É o maior mercado que existe", diz James McNeal, professor na Universidade A&M do Texas e especialista em marketing infantil. Ele estima que crianças abaixo dos 14 anos tenham um poder de aquisição de US$ 700 bilhões. Deste montante, US$ 340 bilhões são relativos à influência direta das crianças nas compras adultas e outros US$ 340 bilhões à influência indireta.

Um estudo realizado pela Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo mostra que o mercado infantil cresce em ritmo acelerado no Brasil: 14% ao ano – ou o dobro do verificado nos segmentos voltados para adultos. Hoje, as crianças movimentam cerca de R$ 50 bilhões por ano no país, ou seja, 10% do PIB brasileiro. No setor de vestuário, por exemplo, de acordo com a Associação Brasileira do Vestuário (Abravest), os dados mostram que o segmento infantil produz 3% mais roupas do que o masculino adulto no Brasil (algo em torno de 1,26 bilhão de peças/ano) e cresce 5% ao ano.

Além de formar um grande mercado, as crianças dão palpites sobre as compras da família. Elas não opinam apenas sobre guloseimas ou artigos supérfluos. Um estudo realizado em 2003 pela consultoria TNS InterScience mostrou que 82% das compras familiares eram influenciadas pelas crianças. Em 2000, o percentual era de 71%. No setor de alimentos, esse poder de influência é ainda maior: quase 85% do que vai para a geladeira das famílias brasileiras é escolhido pelas crianças.
As empresas que se comunicam com as crianças têm um forte aliado no momento das compras. Uma pesquisa feita pela Escola de Administração de Empresas da FGV no ano passado revela que 40% dos pais compram os modelos de carros preferidos pelos filhos.

Mercado infantil e marcas

As possibilidades de atendimento aos interesses do mercado não se limitam ao consumo imediato, mas também incute nas consciências infantis a lógica do mercado e do consumo, formando os consumidores de hoje, amanhã e sempre.

As marcas de produtos têm interesse em manter-se admiradas por um público que lhe seja fiel no decorrer dos anos. Procuram estar ao lado das pessoas desde a primeira infância e pelo resto da vida. Isto é o que lhes dá valor e faz dessas marcas o principal ativo das grandes empresas, no mercado globalizado. Uma marca que cria laços profundos com o consumidor tende a ser usada para sempre e este esforço para agregar o valor da preferência deve começar desde muito cedo na vida das pessoas. As empresas mais agressivas procuram completar suas linhas de produtos com artigos dirigidos ao mercado infantil, de modo a estarem desde o princípio presentes junto aos seus consumidores, acompanhando a sua trajetória existencial. A presença das marcas vem se acentuando também nas escolas, como parte do material didático e como referência inserida nas lições.

Segundo o autor americano James McNeal, pode-se dividir os consumidores infantis em três tipos:
• criança como consumidora primária – quando uma criança consome diretamente produtos destinados a ela: brinquedos, balas, doces etc;
• criança como influenciadora – existe uma previsão que em 2010 cerca de 80% das compras serão influenciadas pelas crianças.
• criança como mercado futuro – a criança de hoje será o adolescente de amanhã, que será o adulto de depois de amanhã.

As crianças, no contexto da sociedade de consumo, aparecem como consumidoras em potencial devido às suas características de compradoras imediatas e de futuros adultos que serão inseridos duplamente nas relações comerciais do capital, vendendo sua força de trabalho e reproduzindo o lucro no consumo” (CAPPARELLI, 1998).

Como as crianças são atingidas em cheio pela publicidade, ficam mais exigentes nas compras. Mais que isso, querem realizar suas compras sem a interferência dos pais. Uma pesquisa encomendada pelo canal infantil Cartoon Network, em que foram ouvidas 1.066 crianças entre 7 e 15 anos e mapeado o comportamento dos consumidores infantis no Brasil, revelou que 40% delas gostariam de ganhar dinheiro como presente, na ordem de preferência, em vez de citarem algum brinquedo.

Dos materiais escolares aos telefones celulares, elas insistem em ganhar produtos das grifes que brilham nas propagandas ou que lhes conferem status entre os amiguinhos da escola. De modo geral, elas deixam de lado a funcionalidade de um produto em favor da marca. Por isto, as marcas precisam estar permanentemente alinhadas aos modismos que vão e vêm entre as crianças – desde o personagem animado do momento até os passatempos mais divertidos. Portanto, uma marca bem trabalhada tem mais chance de obter a longevidade que todas buscam no mercado.

Mercado infantil e marketing

Silva (2003) faz menção de uma pesquisa realizada no Brasil, em 2003, pela empreesa de consultoria MultiFocus, a qual mostrou que 99% das crianças assistem televisão, 87% ouvem rádio e 34% usam a Internet com freqüência. As crianças de 2 a 14 anos passam em média 4 horas e 6 minutos diariamente na frente da televisão. Segundo dados da Revista do Consumidor, publicada pelo IDEC, as crianças ficam expostas, em média, anualmente, a 30 mil mensagens publicitárias veiculadas pelos meios de comunicação, inclusive a televisão. Diariamente, portanto, elas seriam atingidas por mais de oitenta mensagens.

A estimativa é de que os adultos recebem muito mais mensagens de propaganda a cada dia. Mas em contrapartida um homem adulto que habita um centro urbano recebe diariamente milhares de solicitações a sua atenção. Os anúncios sofrem a competição do noticiário, dos ruídos, da paisagem humana. É relativamente difícil para um anúncio captar e manter a atenção das pessoas no tempo suficiente para passar a mensagem publicitária.” (SILVA, 2003)

Para Tavares (2007)
Uma criança se torna consumidora a partir do momento em que começa a acompanhar seus pais durante as compras, sentada em um carrinho. A partir deste momento tem início o processo de associações das suas necessidades e desejos a produtos. No início, ainda não consegue solicitar produtos e, principalmente, marcas. Apenas os associa a bons e maus momentos. Dos dois aos três anos, gradativamente, vai solicitando produtos aos seus pais. Ainda é cedo para compreender o mundo das marcas, apenas entende produtos. Precisa de um importante interlocutor para isto, um personagem infantil. A partir dos quatro anos, ela intensifica sua identificação com personagens infantis e isto é utilizado por marcas de todos os setores. As marcas escolhem diversos tipos de personagens para servirem de interlocutores entre elas e os seus pequenos consumidores. Dos oito aos 12 anos, as crianças iniciam a compreensão do universo das marcas e vão aos poucos abandonando seus amigos, os personagens infantis.”

Dentre as estratégias mais comuns para induzir ao consumo estão: a publicidade convencional; o licenciamento de personagens do cinema, dos desenhos animados e dos quadrinhos para atrelar sua imagem ao produto; e brindes nos postos de venda – que, às vezes, exigem complemento em dinheiro. O grande desafio de aprender a pensar como crianças já foi vencido pelas empresas interessadas no mercado infantil.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Embalagens, Fábio Mestriner, “Nunca um cosmético infantil conseguirá obter altos números de vendas no varejo se sua embalagem não expressar corretamente seu objeto. Antes de qualquer informação, o produto tem que expressar, já na embalagem, para quem é voltada, ela precisa falar tudo. Quando digo tudo, significa ter uma comunicação perfeita: a junção certeira da forma com a cor, da mensagem com o design”.

A estratégia e os recursos de marketing, segundo a Associação Brasileira de Embalagens, que oferece maiores lucros em itens infantis são as embalagens com formato próprio para o segmento, exclusivo para esta faixa etária, sem o aproveitamento dos produtos destinados à classe adulta. O uso de personagens carismáticos, através de licenciamento ou uma marca própria, trazem aumento médio de 30% nas vendas.

No mercado infantil, o que faz a diferença é o “amor à primeira vista” – ou aquela incrível capacidade que algumas marcas têm de fazer as crianças espernearem por uma compra. Já se foi o tempo em que se considerava impossível abordar as preferência do consumidor infantil. Atualmente, através de técnicas engenhosas, atividades lúdicas são cuidadosamente desenhadas, para que, em algum momento, a criança revele seus gostos e desgostos. Nos locais freqüentados com assiduidade pelas crianças, são observadas as tendências que possam se transformar em futuros lançamentos.

A propaganda é uma ferramenta de comunicação de marketing que é utilizada para informar o mercado consumidor sobre a existência de produtos e serviços gerando, assim, o desejo pelo consumo dos mesmos. Gerar desejo por um produto pode ser bom ou ruim; o ruim é se este produto não tiver utilidade nenhuma ou, pior ainda, se fizer mal para o seu público-alvo. Neste caso, existirão dois problemas: na comunicação e nos produtos ou serviços.

De fato, crianças estão expostas não só à propaganda destinada a elas, como também à propaganda para os adultos, programação da TV para adultos, estímulos externos à TV, sites na Internet, amigos de escola etc. Isto é muito mais abrangente, criando um ambiente de estímulo ao consumo mais forte do que uma propaganda infantil. Todos os profissionais, não só os de marketing, que trabalham com comunicação estão conscientes da influência que exercem sobre o público infantil através da linguagem simbólica utilizada na propaganda, que visa atingir o ponto fraco de seu público-alvo.

O mercado infantil e a questão ética

Como tudo em sociedade, o marketing no mercado infantil deve ser conduzido por princípios éticos e não pode ter como único objetivo a maximização do lucro, mas deve preocupar-se também com as necessidades sociais das crianças, seu desenvolvimento motor, cultural, educacional, ético e, principalmente, emocional. Certamente, a criação de desejos desnecessários não é ético quando se fala de qualquer tipo de mercado, seja ele infantil ou adulto.

O marketing que envolve crianças tornou-se um ponto de discussões acaloradas, que envolvem questões relacionadas à ética, educação e liberdade, principalmente.
Um dos problemas que têm vinculação direta com a propaganda dirigida ao público infantil é a obesidade. “Em São Paulo, 30% dos alunos da rede pública estão acima do peso. O bombardeio incansável das propagandas de alimentos na TV, direta ou indiretamente, levou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a fazer a consulta pública de número 71, no ano passado, sobre possíveis mudanças na veiculação de publicidade ao público infantil. Como tem poderes reguladores, a entidade discute no momento com ONGs, universidades e profissionais da saúde uma forma de restringir a publicidade de bebidas com baixo teor nutricional e alimentos com alto teor de sódio, açúcares e gordura em rádio e televisão no horário das 6 às 21 horas. Embora a publicidade não seja o único fator para a “epidemia” de crianças gordas, espera-se que a medida diminua o problema que virou questão de saúde pública.” (JUNIOR, 2007)

A rede de 'fast-food ' McDonald's pôs seus arcos dourados em bonecas Barbie, jogos de vídeo, imagens de capas de livros e parques temáticos. Ela classifica esse tipo de promoção como uma extensão de marca. Mas número crescente de nutricionistas prefere entendê-las como uma campanha que perverte os hábitos alimentares das crianças e as coloca no caminho da obesidade.

Embora as empresas encarem essas atividades como esforços promocionais inofensivos, elas têm provocado, principalmente nos Estados Unidos, uma onda de processos judiciais coletivos relacionados à obesidade. Em muitos países, os legisladores estão pressionando para manter as empresas de alimentos fora das cantinas das escolas.

“A maior parte das empresas, a despeito de algumas promessas quanto à oferta de alimentos mais saudáveis e de terem aceito, em alguns casos, a limitação do marketing nas escolas, nega que seja responsável pela epidemia de excesso de peso. Elas dizem que o comportamento sedentário, a falta de exercício e a supervisão insuficiente dos pais são responsáveis pelos problemas.” (Folha de São Paulo, 4/8/2003)


Por outro lado, as empresas exercem grande influência sobre o mercado, e estão criando novas formas de anunciar seus produtos, trazendo modismos e criando “bolhas” de consumo. Pode-se citar como exemplos a Honda, que lançou uma propaganda no canal de TV da Disney, o ABC Kids, e o site Hummerkids, que dá dicas para ensinar às crianças sobre a alegria de ter um enorme utilitário esportivo. Consequentemente, esse tipo de estratégia de marketing provoca uma preocupação crescente da criança como vítima da propaganda para consumo, diante de sua fragilidade para perceber os propósitos por trás dos anúncios, uma vez que é um ser em formação, incapaz de resistir a produtos ou serviços que não agregam ganhos substanciais em sua vida.

O mundo fantasioso da infância consome com a mesma intensidade um comercial, desenho animado, programa ou matéria editorial. Sem a mediação do adulto, bem informadas sobre detalhes de objetos de desejo e expostas a estímulos de marketing cada vez mais de forma direta, as crianças interferem na escolha de produtos a elas destinados, elegem categorias e até marcas para o segmento adulto. As crianças são muitas vezes usadas como iscas para pegar os pais, influenciando na compra de itens consumidos por adultos, como carros e viagens. “A criança, neste sentido, tem tido um papel importante na reprodução do capital através do consumo, tornado-se, assim, vítima de uma comunicação publicitária que alimenta os sonhos de consumo e inebria as consciências de nossas crianças com uma realidade velada, formando-as sob a lógica perversa do consumo.” (SILVA, 2003)

Mercado infantil na sociedade consumista

Aldous Huxley, em sua célebre obra literária “Admirável mundo novo”, fábula futurista escrita em 1931, descreve um mundo futuro onde as crianças seriam concebidas e gestadas em laboratórios, em linhas de produção artificiais. Nesse mundo de castas, formadas através de um controle total sobre o desenvolvimento dos embriões pelos cientistas do Estado, não haveria vontade livre, abolida pelo condicionamento; a servidão seria aceitável devido a doses regulares de felicidade química e ortodoxias e ideologias seriam ministradas em cursos durante o sono. (TENÓRIO, 2007)

Olhando o presente, pode-se constatar que muitas previsões de Huxley fazem parte do cotidiano. Aqui não é o Estado, mas as mega-corporações que através da massificação pela propaganda, exercem o poder totalitário. Como a ideologia do consumismo reforça a máxima “ter” para “ser”, os indivíduos se sentem reconhecidos com a aquisição de certos bens, marcas que prometem prazer como se fossem doses de felicidade. A vontade livre cede, assim, lugar a um imaginário social que prioriza o consumo e a ostentação, o qual funciona como “mecanismo de aceitação das pessoas às condições adversas sob as quais se vive” (LUIZ, 2005). A indústria da comunicação já não se ocupa nem com a verdade, nem com o falso, mas com o irreal.

Huxley desvenda a propaganda numa sociedade democrática, demonstrando como ela pode ser extremamente manipuladora. Estabelece a diferença entre a propaganda racional e a irracional. Na sua opinião, a primeira conduz à reflexão, à consciência e à verdade, a segunda utiliza-se das paixões cegas, dos medos inconscientes do expectador para, através da mentira, enganá-lo. (TENÓRIO, 2007)

O Selvagem, personagem do Admirável Mundo Novo resgatado de uma reserva de “pré-civilizados”, percebe isso com nitidez, pois olhando aquela civilização de fora tem condições de detectar o que os seres extremamente condicionados não vêem.

A fábula futurista do mundo atual é o filme de ficção científica “Matrix”, que explora a perspectiva futurista numa dimensão virtual. Ali, os indivíduos também são decantados de incubadoras, mas tudo se passa na mente humana. A realidade não existe, pois tudo se torna virtual. Os homens gerados nas incubadoras são meio-máquinas, como as castas baixas do Admirável Mundo Novo, assimilam conhecimentos através de programas de informática avançada. Porém, há uma inversão: não são mais as máquinas que são programadas pelos homens e sim, os homens é que estão sujeitos à dominação da máquina, dos robôs, e são mantidos alheios a essa realidade.

“Ambos têm em comum a dominação do espírito humano, que no Matrix é a absorção e criação total da mente humana e no Admirável Mundo Novo é a perda total da individualidade pelo coletivo, determinada por fatores genéticos e condicionamento constante, controlada pelos donos do poder.” (TENÓRIO, 2001)

Para o filósofo Fredric Jameson, cujas obras constituem-se parâmetros da crítica cultural contemporânea, na sociedade pós-moderna o indivíduo perde sua identidade e toma-se impessoal. A pós-modernidade contém características progressistas e reacionárias. A expressão cultural está amarrada aos aspectos de mercado: a cultura como mercadoria; nós nos pensamos enquanto mercadoria. Tudo provocado pelas mudanças fundamentais no cenário econômico mundial após a Segunda Guerra Mundial e seus efeitos nas relações de trabalho e no processo de globalização.

Para Jameson, a mesmice toma conta da sociedade, uma sociedade sem antagonismos, onde reina o Um absoluto, o reino da cultura, marcada pela falta de profundidade, pelo excesso de superficialidade, talvez a mais importante característica formal de todos os pós-modernismos.

Cultura e consumo assumiram uma relação sem precedentes no mundo moderno. Entretanto, as ciências sociais demoraram a perceber esta relação e mais ainda para avaliar a sua significação e perceber que o consumo é um fenômeno totalmente cultural. (COPETTI, 2004)

"A produção de bens de consumo é agora um fenômeno cultural: compra-se o produto tanto por sua imagem quanto por sua identidade imediata. Passou a existir uma indústria voltada especificamente para criar imagens para bens de consumo e estratégias para a sua venda: a propaganda tomou-se uma mediadora essencial entre a cultura e a economia, e certamente pode ser incluída entre as inúmeras formas de produção estética (por mais que sua existência complique nossos conceitos de produção cultural)". (JAMESON, 2001)

“A cultura influencia e modela o comportamento individual. Grande parte das decisões pessoais resulta coletivamente de normas que emergem de seu sistema social. As decisões, por influência recíproca, resultam em comportamento social agregado, influenciando e sendo influenciadas por outros membros do sistema social.” (TAVARES, no prelo)

Uma criança não procura racionalidade em produtos e marcas. Procura sempre emoções. A propaganda e o consumo participam deste jogo de emoções. Na lógica do consumo, o prazer e a felicidade devem ser trazidos para o presente: pela máxima do hedonismo, elas são convidadas a experimentar os prazeres. Por trás dos atos de consumo, além do prazer, exprime-se sempre uma posição social ou o desejo dela, por serem característicos de um grupo de determinado status.

De uma forma bastante simples, marketing é a arte de suprir necessidades e desejos de consumidores por meio de produtos e serviços. Satisfação das necessidades, possibilidades de escolha, gostos, status social, são conceitos tão amplos, capazes de englobar inúmeros determinantes.

O ser humano busca o que para ele parece ser útil, mas quem o seduz primeiro: a utilidade em si ou a imagem construída a partir de atributos (marcas)? Por isso, é necessário aprofundar a discussão deste tema para que se aprenda a realizar um processo de marketing como um todo com foco nas necessidades emocionais e sociais da criança, não apenas como estratégia de negócio. A propaganda voltada às crianças não deve, em hipótese nenhuma, atropelar o processo natural de amadurecimento delas. Desde a elaboração de um plano de marketing até a veiculação da marca pela propaganda, todo o processo deveria ser ético e com valores claramente definidos.

Entretanto, se o objetivo de uma teoria da ética é determinar o que é bom, tanto para o indivíduo como para a sociedade como um todo, cabe aqui uma pergunta final: o que é ético na sociedade de consumo?

BIBLIOGRAFIA
ABRE - Associação Brasileira de Embalagem. www.abre.org.br/. Acesso em: 10/9/2007.
BUARQUE, Cristovam. Os Instrangeiros. Petrópolis:Garamonte, 2002.
CAPPARELLI, S.. TV e criança: a emergência do mercado de bens culturais. In: CIRO, Marcondes. A televisão: a vida pelo vídeo.SP: Moderna, 1993.
COPETTI, C. L. P. Valor para o Cliente e o Consumo: a Influência da Mídia e da Cultura no Comportamento do Consumidor. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 27., 2004. Porto Alegre. Anais... São Paulo: Intercom, 2004. CD-ROM.
FOLHA DE SÃO PAULO – Dinheiro. Empresas de alimentos "fisgam" crianças. 04/08/2003.
JAMESON. Fredric. Globalização e estratégia política. In: Contracorrente: o melhor da New Left Review em 2000, Emir Sader (org). Rio de Janeiro: Record, 2001.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. www.ibge.gov.br. Acesso em 11/9/2007.
JUNIOR, Gonçalo. Guerra ao consumismo infantil. Revista Pesquisa FAPESP 139, Setembro 2007
LUIZ, Lindomar Teixeira. A ideologia do consumismo. Colloquium Humanarum, v. 3, n.2, Dez. 2005, p. 39-44.
PACHECO, E. D. (org). Televisão, criança, imaginário e educação. Campinas: Papirus, p. 151-160, 1998.
Propaganda direcionada às crianças – http://opiniaoenoticia.com.br/interna.php?id=6782. Acesso em 11/9/2007.
SILVA, Hugo Leonardo F. Indústria cultural e educação infantil: o papel da televisão. Revista da UFG, Vol. 5, No. 2, dez/ 2003.
www.proec.ufg.br/revista_ufg/infancia/F_cultural.html . Acesso em 10/9/2007.
TAVARES, Marcos. Marketing infantil: um importante novo campo de estudo.
Rio de Janeiro: Revista Nós da Escola, Entrevista com João Matta. In:
http://www.multirio.rj.gov.br/portal/riomidia/rm_entrevista_conteudo.asp?idioma=1&idMenu=&label=&v_nome_area=Entrevistas&v_id_conteudo=63060. Acesso em 10/9/2007.
TAVARES, Mauro Calixta. A força da marca - Como construir e manter marcas fortes. No Prelo.
TENÓRIO, Maria Clara. O Admirável Mundo Novo: Fábula Científica ou Pesadelo Virtual? In: http://www.urutagua.uem.br//ru10_sociedade.htm. Acesso em 10/9/2007.

Nota: A elaboração final deste trabalho ocorreu em 7/11/2007, para a disciplina Gestão de Marcas do curso de Mestrado em Administração das Faculdades Pedro Leopoldo, Pedro Leopoldo - MG.

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