Márcio José dos Santos
Acordei com a cabeça naquelas coisas que
o dia-a-dia tem, uma rotina de fazer café e depois oração, antes que a Secretária
chegue para realizar suas tarefas costumeiras nos cuidados da casa. Prefiro levantar mais cedo e começar assim o
dia, porque as primeiras horas da manhã me proporcionam calma para começar bem
o dia, e nada melhor que tomar um café sem pressa e fazer uma oração sem
testemunhas.
Mas a Secretária não chegou, e ela não é
daquelas pessoas que não se pode contar. Se não chegou, algo maior aconteceu.
Na casa dela tem uma criança no segundo mês de vida, com suas dores de barriga,
suas noites de choro, enfim, há sempre a possibilidade de uma emergência
médica. Coitada da Secretária, com certeza não pode vir, lutando para resolver
esses problemas da família, mas enquanto isso vou fazer minhas obrigações...
Pensei nos dois amigos que marcaram uma
reunião em minha casa, às 8 horas da manhã, e eles certamente virão. Aproveitei
para dar uma vista nas minhas caixas de mensagem e vigiava o relógio. As 8
horas passaram, mas eu insistia que os amigos estariam para chegar. Bem, vou
cuidar de outros afazeres, lavar aquela sujeira que fiz no carro... e fiquei
muitos minutos lavando a crosta de caldo seco que ontem foi entornado de uma
panela. Meus amigos não chegaram, pensei “olha logicamente eles vão passar
daqui a pouco”. Lá iam as 9 horas, daí já eram 9:30, “nossa mãe, eu tenho que
fazer ginástica, hoje é segunda-feira, tenho que fazer exercícios três vezes
por semana, é um compromisso que tenho comigo, se eu faltar hoje, amanhã ficará
difícil”.
Troquei de roupa rapidamente e fui para a
Academia de Ginástica. Estacionei na rua da Academia, em frente a uma oficina
de móveis. Estranhei, a oficina estava fechada, mas o carro do proprietário
estava estacionado sobre a calçada; além disso, parecia que um senhor ali
parado estava esperando abrir a oficina, porque tinha um carro no lado
contrário da rua, cheio de tábuas e móveis.
Caminhei rápido para a Academia, uns 100
metros rua acima. Surpresa, a Academia também
estava fechada. Andei para um lado e outro, espiei lá dentro, não tinha nenhum
aviso de fechamento. Por que uma academia de ginástica fecharia em plena
segunda-feira? Um aviso seria obrigatório: estamos fechados por isso ou por
aquilo!
Uma ideia surgiu forte como um raio: Quem
sabe é luto, meu Deus?
Sim, a ideia de luto cresceu. Uma semana
atrás eu me encontrei com o Sr. Meu Amigo na Academia. Apoiado em uma bengala,
ele me pareceu muito frágil. Depois de me abraçar carinhosamente e me
apresentar aos funcionários, confessou: Eu queria ter 25 anos, sabe para quê?
Para continuar mandando! Mas agora, os filhos mandam e eu tenho que aceitar. Fiz
um investimento enorme aqui, mas lá em Brasília, de cada dez academias que
abrem, oito fecham.
Trocamos abraços, elogios recíprocos, e
o Sr. Meu Amigo falou ao sair: Gosto muito de você! Ao que eu respondi: Também
gosto muito de você, é grande minha admiração; você é uma referência de gente
honesta e trabalhadora!
É isso, estava convicto, é luto, o Sr. Meu
Amigo morreu e a Academia não teve tempo de avisar. Graças a Deus que pudemos
nos despedir há poucos dias!
Sem alternativa, melhor retornar para
casa. Peguei o carro e contornei a quadra, entrei na avenida Olegário Maciel e
logo estava passando em frente à Igreja Universal. Muita gente ali. Será que o Sr.
Meu Amigo mudou de religião e entrou para a Igreja Universal; ora, tem muita
gente passando para igrejas evangélicas não é?
Continuei o percurso com esses
pensamentos cruzados e observei que havia muitas lojas fechadas na avenida.
Ora, o problema não deve ser com o Sr. Meu Amigo, deve ser com o Prefeito. Será
que é o Prefeito? Quem sabe aconteceu alguma coisa com ele, pode ter morrido,
deram feriado municipal, luto municipal e está tudo fechado. Segui assim,
cheguei até ao semáforo perto da Prefeitura e vi que ela estava fechada.
Conclusão óbvia: é o Prefeito! O que será que aconteceu com ele?
Entrei na Rua Santiago Dantas e minha
atenção voltou-se para o prédio do curso de inglês Number One, confirmando
minhas graves suposições: a porta estava descerrada. Para o Number One fechar,
mãe do céu! o caso é grave de morte.
Descendo a rua, vi pessoas vestidas
melhor do que o usual, andando devagar, assim como quem vai a um funeral. Pensei
em desviar o roteiro, passar na casa da Secretária, para saber por que não foi
trabalhar, se a criancinha recém-nascida estaria passando mal.
Mas sou muito materialista, meu espírito
só fica tranquilo quando meu estômago está em paz; por isso, resolvi passar no supermercado,
comprar alguma coisa para o almoço. Foi quando me lembrei de ligar para uma
enteada, ela e o marido são antenados, sempre plugados nas redes sociais e,
certamente, saberia me dizer o que se passava na cidade.
– Olá, bom dia, estou perdendo alguma
coisa?
- O queeeê?
- Por que o Number One está fechado?
- Não estou entendendo, Márcio...
- Aquela porta de aço, a porta que fecha
a entrada do prédio do Number One está fechada.
Ela repetiu o que tinha falado, e eu
também.
- O Number One está fechado. Vocês não
estão trabalhando. Aliás, quase todas as lojas da cidade estão fechadas. O que
aconteceu?
- Uai, Márcio, hoje é domingo!
Aí caiu a ficha. Gente, eu tô pirado!
Ficamos uns bons minutos conversando,
muita gargalhada. Ouvi pelo telefone as risadas do marido, e ela me contou um
caso de esquecimento dele, do dia em que ele acordou em um domingo, assustado
porque estava atrasado para a aula.
Fazia as compras, parado na fila do
açougue, e pensava uma explicação para a minha confusão, e me veio à cabeça que
havia poucos dias eu estava nessa fila com a namorada, planejando um churrasco
feito em casa. Será que minha cabeça anda assim, meio perdida, porque perdi a
namorada? Pode ser, nossos domingos eram pacatos, mas alegres: eu cuidava do
almoço e ela selecionava as músicas, punha cerveja e vinho nos copos e repartia
em pedacinhos os queijos que eram reservados para esse momento especial. Eram
domingos previsíveis – as caminhadas nas ruas da cidade, um copo de garapa na
Feirinha do Santana, o almoço que se estendia por horas, entre músicas de rock
nacional e trocas de carinho.
Deve ser isso, perdi a namorada e ando
trocando as coisas; pulei o domingo e me joguei na segunda-feira para não ter
que amargar doces lembranças!
Na hora de passar no caixa, vi que tinha
esquecido o cartão de crédito dentro do carro. Falei pra moça, olha me dá um
tempo aí, esqueci meus documentos no carro. Fui e voltei correndo, é preciso
colocar cada coisa no seu lugar. A minha vida mudou, estou muito esquecido,
trocando um dia pelo outro... e em cada detalhe do cotidiano lá está a
ex-namorada.
Entrei no carro e saí do estacionamento.
O movimento nas ruas era grande, mas não tinha nada de segunda-feira, não havia
agitação e os pedestres pareciam retornar de rezas dominicais, e não de
funerais. No som do carro, uma música de Kenny Rogers & Bee Gees - You
and I. Sou apaixonado por essa versão fantástica, esses ícones da música, e
a letra fala de um amor profundo, um amor que viverá até o oceano se
transformar em areia.
No better love will be there
When you turn around
I'll be living for you till the ocean turns to sand
When you turn around
I'll be living for you till the ocean turns to sand
Dirigi para casa ouvindo You and I,
não para uma segunda-feira de trabalho, mas para um domingo vazio. Uma leve
tristeza zombava de mim, querendo me dizer que meu oceano se transformara em
areia: será que é porque perdi a namorada?
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