Artigo De Enzo Scandurra
by Redação - 9/11/2016
“Apenas se levantarmos o olhar para
além dos anos que definem uma vida, entenderemos que a natureza não pode ser
domesticada, tem os seus ritmos, a sua vida: chamaram-na de Gaia pensando-a
como um gigantesco organismo vivo.”
A opinião é do engenheiro civil
italiano Enzo Scandurra, professor de desenvolvimento
sustentável para o ambiente e o território da Universidade de Roma “La Sapienza”, em artigo publicado no jornal Il Manifesto,
03-11-2016. A tradução é de Moisés
Sbardelotto.
Eis o texto.
Estão em curso duas grandes guerras: a dos homens
contra outros homens e a dos homens contra a natureza. Aparentemente
diferentes, combatidas com armas diferentes, elas estão reunidas sob o mesmo
objetivo: o domínio. A primeira guerra continua até hoje de modo totalmente
semelhante ao passado; a diferença está nas armas utilizadas. Não mais apenas
armas de fogo; agora, com armas financeiras mais poderosas, capazes de colocar
povos inteiros de joelhos, fazê-los passar fome sem derramar sangue.
E há uma luta contra a natureza que
tem data mais recente. Desde que o homem, tendo entrado na Modernidade, imaginou
ter que ser o proprietário do planeta que o gerou: o Livro da Natureza está
escrito nos símbolos da matemática, afirmava Galileu. Uma
guerra, desta vez, “justificada” pela necessidade do Desenvolvimento e do
Progresso: século soberbo e tolo, chamara Leopardi esta
nova era de domínio do homem.
Agora, essas duas guerras se unificaram em uma
única guerra: a guerra contra a vida ou contra a Criação (para quem tem fé),
seja ela representada por humanos, seja por todas as formas de manifestação da
natureza. As duas guerras se unificaram a tal ponto que é difícil distinguir
uma da outra. Os migrantes são a prova disso: há muitos que defendem que eles
são todos migrantes ambientais, ou seja, fogem de territórios que tornaram
inóspitos por causa das mudanças climáticas, pela exploração excessiva de
recursos por parte dos Conquistadores (raça especial de humanos), por falta de
comida, água, por ditaduras odiosas.
A segunda dessas guerras terá um fim
já marcado: a vitória da natureza, porque é uma guerra assimétrica, porque a
criatura que destrói o ambiente destrói a si mesma; é como cortar o galho da
árvore sobre o qual estamos sentados. Não temos outro planeta para emigrar:
apenas este nos é dado. É ainda Bateson que nos lembra que vivemos em
uma casa de vidro, e, em uma casa de vidro, antes de atirar pedras, é preciso
pensar bem.
O “monstro” foi chamada aquela força obscura e
poderosa que nasce das vísceras do planeta e atinge às cegas o solo onde a vida
se desenvolve, sacudindo-o e contorcendo-o como se fosse papelão; redesenhando
novas geografias, indiferente a tudo o que o homem produziu, incluindo as suas
obras de arte. E só o fato de tê-lo definido como “monstro” nos faz parecer
crianças assustadas.
Desde sempre, à natureza foi
conferido um duplo nome: benigna, quando ela nos dá os seus frutos; maligna, e
agora “monstro”, quando revela o seu rosto feroz. Estamos assistindo ao
desaparecimento dos Apeninos, alguns profetizam. Mas,
antigamente, os Apeninos não existiam. Apenas se
levantarmos o olhar para além dos anos que definem uma vida, entenderemos que a
natureza não pode ser domesticada, tem os seus ritmos, a sua vida: chamaram-na
de Gaia pensando-a como um gigantesco
organismo vivo.
Agora, é hora de luto e de silêncios. O domínio
sobre a natureza nos parece ser totalmente fora de medida. E faz refletir
aquele pastor, ou aquele idoso que não quer abandonar a própria casa. Há uma
sabedoria, que nós, modernos, chamamos de inconsciência ou, pior, de
ignorância: ele quer continuar convivendo com o “monstro”, como fizeram, antes
dele, os seus antepassados. Porque perder a própria casa, o próprio teto e a
própria terra é ficar órfãos para sempre, significa morrer órfãos. É preciso um
idoso ou um pastor para reconhecer essa sensação, para se sentir em sintonia
com a natureza, mesmo quando ela mostra o seu rosto impiedoso e indiferente, e
é preciso um vilarejo para viver.
Conviver é o verbo certo; dominar, o
errado. A Modernidade confundiu os verbos; a natureza
nos restitui as coordenadas certas. Nestes dias, colado à televisão, muitas
vezes tenho fiz a mesma pergunta: onde estão os animais naqueles territórios
devastados: eles também migraram?
(EcoDebate, 09/11/2016) publicado pela IHU On-line, parceira
editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU
On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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